Topo

Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Quarentena e home office facilitam procrastinação: como sair desse ciclo

iStock
Imagem: iStock

Rodrigo Moraes

Colaboração para o VivaBem

01/05/2020 04h00

Brasil, maio de 2020, isolamento social. A pessoa está em casa com seu cônjuge, seus filhos, o cachorro e todas as dores e sabores do trabalho em esquema remoto, o famoso home office. É fim de mês e aquele relatório complexo precisa ser finalizado ainda hoje. Levanta. Vai até a cozinha, olha no armário e decide fazer um bolo.

De volta ao computador, compartilhado com o marido também em home office, lembra daquela apresentação que prometera duas semanas atrás e está pendente. Resolve estender a roupa no varal. Para complicar mais um pouco são 17h50 e ainda não fez a ligação importante que estava na lista de prioridades desde o começo da semana. O que decide fazer primeiro? "Hun...já sei! Vou lavar a louça." Bingo! Essa pessoa está procrastinando.

O que é procrastinar?

Procrastinar é o comportamento de adiar uma tarefa, implicando, obrigatoriamente, em prejuízos funcionais. Por consequência, procrastinar está relacionado com uma piora na percepção do bem-estar, diminuição da saúde mental, baixa performance, dificuldades financeiras e, inclusive, maior risco de doenças físicas e mortalidade.

"A procrastinação pode ser entendida, de modo amplo, como uma falha na nossa capacidade de autorregulação. Dentro dessa perspectiva, adiamos as tarefas, mesmo consciente dos possíveis prejuízos, quando gerenciamos de forma inadequada nossos recursos cognitivos, comportamentais e emocionais", explica Mariana Rozenberg, psicóloga clínica, especialista e Mestre em Cognição e Comportamento.

Quando falamos em tarefas mais complexas, difíceis de serem realizadas, a tendência a procrastinar é maior. Há um mecanismo de fuga sendo ativado. É mais fácil e tentador responder a um e-mail ou resolver antes pequenas tarefas, do que se programar para realizar grandes ações que exijam um maior esforço físico ou mental.

"Mais do que a falta de vontade de fazer ou o hábito de adiar coisas, a procrastinação é definida por levar a um estado de mal-estar mental em que o pessimismo, a culpa e a falta de estímulo para mudar algo se tornam uma constante", reforma Flora Victoria, mestre em Psicologia Positiva aplicada pela Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos).

Tudo junto e misturado em tempos de pandemia

A mistura de todas as atividades, responsabilidades e cenários —sejam eles simples ações ou decisões complexas — dentro de um mesmo ambiente pode levar a um aumento da procrastinação devido ao impacto da mudança de padrão. "Se pensarmos que a procrastinação pode ser causada pela falha na nossa capacidade de autorregulação, o cenário atual de incerteza gera naturalmente um aumento de ansiedade", diz Rozenberg.

Outra razão para um possível aumento da procrastinação é a presença constante de outros estímulos concorrentes no mesmo ambiente. Traduzindo, é mais difícil focar no trabalho e controlar os impulsos da distração quando a família está presente ou o sofá está convidativo com aquela série que queremos ver.

Vanessa Cepellos, professora de gestão de pessoas da Eaesp da FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Varga), associa um possível aumento da procrastinação com alguns fatores. O primeiro deles é o aumento repentino —e o acúmulo — de tarefas que as pessoas passaram a desempenhar. "São tarefas que, em tempos normais, muitas vezes não faziam parte da rotina. Isso gera desconforto, ansiedade e insegurança".

O segundo ponto é que, quando há mais coisas para se fazer, as prioridades também precisam ser revistas. Essa reorganização, segundo a professora da FGV, impacta em um terceiro e derradeiro ponto que é o da necessidade de se estabelecer uma nova rotina. "Isso pode gerar um efeito de desorganização e uma maior dificuldade de encontrar um equilíbrio entre o que é importante, mas não é urgente, aquilo que é urgente e importante e precisa ser feito."

Impactos na produtividade

O impacto da procrastinação na produtividade e na saúde mental são variáveis. Depende de como cada pessoa lida com isso. "Procrastinar pode ter impacto mínimo, quando a pessoa percebe rapidamente que está agindo assim e usa outras estratégias mais funcionais para evitar este comportamento," explica a psicóloga Rozenberg. Ou pode levar a um quadro mais grave de adoecimento mental quando se torna um padrão cíclico na vida e a pessoa se vê paralisada e sem saída. "Se este for o caso, é aconselhável a busca por psicoterapia com um profissional competente", alerta a especialista.

De acordo com Cepellos, existem algumas armadilhas relacionadas a essa questão da produtividade. "Muitas vezes tentamos disfarçar a procrastinação com uma falsa sensação de produtividade. Isto é, eu finjo que não estou procrastinando mostrando que fiz algumas tarefas simples, como lavar a louça, para compensar aquilo que a gente realmente deveria estar fazendo. Tudo isso para ter essa sensação de que se fez alguma coisa."

Vamos às dicas

O primeiro passo é tomar consciência da procrastinação e inserir outros comportamentos mais funcionais que trarão equilíbrio e sensação de controle e produtividade. Para isso, é preciso identificar a procrastinação, tentar identificar sua causa, para então pensar em alternativas. "Escolher como queremos lidar é mais importante do que tentar evitar a procrastinação em si", sentencia Rozenberg.

Confira a seguir algumas dicas e orientações que podem ajudar a lidar e driblar a procrastinação em tempos de pandemia:

1. Mantenha uma rotina
Organize um dia para limpeza, para cozinhar, tempo para ler, estudar, trabalhar. E engaje toda a família na mesma atitude. Seu cérebro precisa entender que ele não está em férias, evitando entrar no modo "inércia".

2. Busque uma maior previsibilidade
Nesse período, busque a maior previsibilidade possível na sua rotina. Essa organização proporciona uma maior estabilidade e diminui a sensação de ansiedade.

3. Crie um método para seu corpo se adaptar ao home office
Acorde todos os dias no mesmo horário, use uma roupa diferente do pijama e faça sua rotina habitual de tomar café, tomar banho, escovar os dentes, pentear o cabelo antes de se sentar para trabalhar. Tudo isso pode ajudar.

4. Tenha compromissos públicos
Estabelecer compromissos públicos com outras pessoas --e consigo mesmo -- ajuda a diminuir a tentação de procrastinar.

5. Crie mensagens motivacionais
A quarentena pode fazer com que muitas coisas deixem de fazer sentido ou pareçam distorcidas em um momento de tristeza e baixa de energia. Então, cole na sua tela o porquê seu trabalho é essencial neste momento de isolamento. Porque é indispensável estudar mesmo se a sua escola ou faculdade estiverem paradas.

6. Divida uma grande atividade em pequenas tarefas
Se tem que entregar um grande projeto, dividia-o em várias etapas. Essa separação alinhada com pequenas recompensas possibilita que as pessoas diminuam a tendência a procrastinar.

7. Reflita
Faça um exercício de reflexão sobre as recompensas da realização da tarefa e/ou, principalmente, dos aspectos negativos da não realização destas. Além de incentivar, a ideia é proporcionar motivação para realizar a tarefa nas condições existentes.

8. Desafie-se
Esta é a melhor maneira da sua motivação voltar a engrenar. Pense, antes de se render à reclamação, como é possível dar outra solução para um problema? Como transformar esse problema em oportunidade? Você vai se surpreender como a criatividade pode trabalhar a seu favor!