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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Como brasileiros que moram em Nova York têm cuidado da saúde mental

É filme ou vida real? Times Square, normalmente apinhada de turistas do mundo todo munidos com seus celulares e doidos por selfies, aparece vazia - Roy Rochlin/Getty Images
É filme ou vida real? Times Square, normalmente apinhada de turistas do mundo todo munidos com seus celulares e doidos por selfies, aparece vazia
Imagem: Roy Rochlin/Getty Images

Bárbara Paludeti e Priscila Carvalho

Do VivaBem, em São Paulo

24/04/2020 04h00

Imagine-se realizando um sonho e indo morar em Nova York, onde tudo acontece. Centro financeiro do mundo, meca do consumo, as maiores lojas das maiores marcas, imigrantes de todas as partes do mundo, turistas sorridentes e mandando ver nas selfies para lá e para cá, americanos com pressa, táxis amarelos, copos de café gigantes e muita fast-food.

E, de repente, em 2020, essa cidade que nunca parou, para, e se torna o epicentro da pandemia de um vírus desafiador para a ciência —o novo coronavírus (Sars-CoV-2).

Parece roteiro de filme, mas não é. VivaBem conversou com alguns brasileiros que moram na cidade de Nova York para saber como anda a saúde mental deles vivendo na cidade onde há mais mortos por covid-19 no planeta (mais de 15 mil) e se eles têm medo de ficar doentes, já que o sistema de saúde nova-iorquino está praticamente em colapso. Dá para dizer que está tudo bem?

"Não adianta fazer planos agora, vamos viver esse presente"

Fabio Angheben - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Fabio Angheben, jornalista e blogueiro do Dicas de Nova York, mora lá há 1 ano

"Os dias ainda estão frios em Nova York, em média 12ºC, então ainda não bate aquela vontade maluca de sair... Mas os dias de sol começam a ser mais frequentes agora na primavera e isso causa uma certa ansiedade, porque depois de meses de inverno, todos que moram aqui aproveitam muito a primavera/verão ao ar livre.

Como não vamos ter essa oportunidade tão cedo, tenho criado meios para ter sempre uma atividade, mas sem compromissos, horários ou regras para não cair no looping de cobrança e estresse do cotidiano.

Aproveito o tempo livre para escrever no blog, estou escrevendo também um ebook para lançar em breve para ajudar a todos no planejamento de uma viagem para Nova York, tenho ouvido muito podcast sobre assuntos aleatórios, apenas para dar risada ou distrair, jogo videogame online com amigos ou apenas vejo filmes repetidos na televisão.

Tudo isso sem cobranças, porque a partir do momento que cobro resultados, fico ansioso, visto que o turismo está 100% congelado e não vou ter nenhum retorno nos próximos meses. Todo meu planejamento é para apenas 2021.

Tem uma frase do John Lennon que sempre vem a minha cabeça: A vida acontece enquanto estamos ocupados fazendo outros planos. Pura verdade! Não adianta fazer planos agora, vamos viver esse presente e fazer coisas melhores agora para o nosso futuro.

Vivemos em Manhattan, próximo da Times Square, e as ruas estão vazias, muito vazias. Da janela do apartamento vejo apenas alguns carros, na maioria de serviços, e entregadores de comida.

O meu trabalho está totalmente paralisado porque não há turismo em NY, mas tenho a consciência que todos os setores da economia também estão passando por essa crise. O mais importante nesse momento é focar na saúde para passar o mais breve possível.

Não saímos em hipótese alguma, temos um mercado ao lado do prédio e, mesmo assim, fomos apenas 2 vezes para comprar produtos necessários. Tenho medo de ficar doente, porque o vírus é algo novo, reage diferente em cada organismo. Fora que o sistema de saúde dos EUA é muito falho, com vários problemas estruturais. Em NY, um dos melhores sistemas do país, entrou em colapso em menos de 2 semanas depois que começaram os casos."

"Há dias mais fáceis e outros mais difíceis"

Martha Sachser - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Martha Sachser, fotógrafa e blogueira do NY&About, mora lá há 10 anos

"Moro em NY desde 2010 e é a primeira vez que vejo a cidade parar. É complicado colocar em palavras o que estou passando. Para mim, tem sido complicado em vários sentidos diferentes. A gente mora no Queens, que é um bairro que fica bem próximo a Manhattan, mas não dá para ver a cidade da minha janela, por isso dá mesmo a sensação de que o mundo parou.

Profissionalmente, é muito desafiador, por que o meu trabalho é andar por NY, é estar na rua todo dia, compartilhando conteúdo com as pessoas, mostrando meu dia a dia, dando dicas, e não ter nada disso é um choque muito grande, e não saber quando vai voltar é uma sensação angustiante.

Tem alguns dias mais difíceis que outros, mas, de modo geral, tento focar que é algo necessário para que todo mundo fique bem e menos pessoas sejam afetadas. Quando penso que tem pessoas em situação muito séria de não ter o que comer, de não saber como vai pagar o aluguel, se vai conseguir emprego depois... O estado mental fica meio bagunçado nesse momento de incertezas. Há dias mais fáceis e outros mais difíceis.

Tenho medo, mas ele não me assombra. O medo que tenho sentido nas pessoas ao meu redor é mais na parte financeira, de trabalho e carreira, por que NY é uma cidade cara.

Para cuidar da saúde mental, nesse isolamento, tem dias que a gente consegue seguir todo o plano e colocar em práticas coisas boas para a gente, mas é comum a gente ficar só de pijama e querer ver filme.

Tento não ter muita cobrança nessa hora, não me comparar com a realidade de outras pessoas que estão realmente sendo produtivas, e compartilhando coisas incríveis todo dia. Cada pessoa tem um ritmo, eu tento não me cobrar e deixo fluir mais naturalmente.

Estou conseguindo ler livros que queria ler há muito tempo. Livros de autoajuda que estão sempre na minha cabeceira, mas não conseguia abrir. Estou usando app para meditação e estou aproveitando muito para falar com as pessoas que eu amo, tenho ligado para amigas, e isso tem me ajudado bastante."

Nova York parada - Fabio Angheben - Fabio Angheben
Nova York, a cidade que nunca para, parou por causa do coronavírus
Imagem: Fabio Angheben

"Ver a cidade assim é algo esquisito"

Beatriz brasileira Nova York  - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Beatriz Cavalieri, atriz, mora lá há seis anos

"É um pouco esquisito para nós estarmos numa região que antes era tão movimentada e agora não há quase ninguém. Como sou atriz, fiquei bem triste porque todos os espetáculos foram cancelados e também perdi alguns trabalhos, já que está tudo fechado por um tempo. Eu estava fazendo uma peça off Brodway, que ia estrear quando a quarentena começou e agora não vai acontecer mais.

Fui afetada financeiramente, mas pelo menos eu ainda consigo dar aulas de teatro online e posso ter uma renda dali, o que ajuda também a não ficar tão estressada e manter uma certa rotina. Mas a primeira semana foi bem impactante, tanto para mim quanto para o meu marido.

Tem cenas que são bem tristes. Quando vamos ao mercado, por exemplo, ninguém se olha. Além disso, as autoridades criaram um hospital do exército aqui perto. Então toda vez que a gente sai, vemos pacientes vindo para cá, além de muito barulho de ambulância. Os bairros mais afetados foram os periféricos, como Bronx e Queens. Algumas notícias acabam mexendo com a gente e gerando mais ansiedade.

Para tentar dar uma acalmada, tenho buscado fazer meditação e ioga. Como é tudo novo, a gente não sabe como fazer algumas coisas dentro de casa. Mas tento achar sempre o lado bom, como não perder tempo em deslocamento e ganhar uns minutos ou horas a mais no dia.

Nova York é muito motivada pelo exercício, então, deve estar sendo difícil para todos. Quando posso, tento dar uma corrida também, algo rápido, só para desestressar mesmo. Aos poucos, estamos indo."

"Toda essa situação nos deixa ainda mais preocupados"

Milena Sousa, estilista, mora lá há dois anos

"Faz um mês que eu e meu namorado não saímos de casa. Todas as compras, tudo, é online. Na primeira semana de quarentena, precisei ir trabalhar e me deparei com um metrô bem vazio, cheguei a ficar até emocionada, porque aquilo era muito incomum.

Da minha janela consigo ver a rua e, nesses últimos dias, percebi uma mudança drástica no aumento do número de pessoas na rua, carros, acho que por conta do presidente ter falado que quer que as coisas voltem a funcionar a partir da segunda quinzena de maio.

Essa situação é nova para todo mundo. Já tenho ansiedade normalmente, mas tudo isso nos deixa ainda mais preocupados. Pelo menos o que me deixa mais tranquila é que estou acompanhada em casa, com o meu namorado, que também é brasileiro.

A gente tenta se distrair vendo coisas engraçadas, cozinha junto, não foca tanto nas notícias, o que alivia um pouco. Meu namorado até consegue malhar em casa, mas eu não consigo, não sei porque está bem difícil praticar qualquer exercício físico...

Estou tentando ouvir música relaxante em casa, meditar, mas também não tem dado muito certo. Acho que só o fato de não estar sozinha em casa e com alguém que fala a mesma língua que eu, já dá um alívio.

Além disso, continuo tendo aulas na minha escola, mesmo que online, então faz com o que eu mantenha minha cabeça ocupada e não fique tão preocupada em alguns momentos."

A pandemia desigual nos EUA

O coronavírus não atinge a população americana igualmente. Mais casos —e mais mortes— são registrados entre as comunidades de migrantes da América Latina. É o que mostra um levantamento sobre a epidemia feito pela BBC News Brasil nos três estados americanos que concentram em torno de 80% da população brasileira no país: Nova York, Massachussets e Flórida.

Quando analisados os municípios que abrigam mais latinos, os números mostram que os habitantes dessas áreas tiveram entre 20% e 33% mais chances de adoecer e de morrer, em relação aos números do estado como um todo.

Enquanto no estado de Nova York houve 52,4 casos de covid-19 para cada mil habitantes, nos municípios com maior concentração de latinos foram 66,2 casos por mil habitantes. Ou seja, nas áreas brasileiras e hispânicas, os moradores tinham 25% mais chances de ficarem doentes. O mesmo vale para mortes em Nova York, onde houve 1,1 mortes por mil habitantes. Nas áreas latinas, o número sobe para 1,3.

Na cidade de Nova York, que sozinha responde por mais de 260 mil casos da doença, a prefeitura reconheceu uma taxa alarmante: ali, um migrante latino tem duas vezes mais chances de morrer de covid-19 do que um branco.

De acordo com os especialistas, a explicação para o fenômeno está nas condições de vida e trabalho desses migrantes, que propiciam o contágio e dificultam o acesso ao tratamento.

De acordo com uma pesquisa de 2013 do centro de estudos The Inter-American Dialogue, que se dedica a estudar questões sociais das Américas, 35% dos migrantes vivendo nos EUA não têm seguro de saúde —o índice é maior entre os indocumentados. O país não possui um sistema universal público de saúde e o acesso a serviços médicos é caro —uma consulta em um serviço de pronto atendimento pode custar alguns milhares de dólares.