Rico Vasconcelos

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Opinião

Todas as pessoas que vivem com HIV devem tomar estatinas?

No final de 2023, um painel de especialistas de doenças cardiovasculares do Reino Unido recomendou a todas as pessoas que vivem com HIV/Aids com mais de 40 anos que tomassem estatinas de forma contínua, independentemente do seu nível de colesterol ou do seu risco cardiovascular.

A recomendação tem como embasamento os resultados do estudo Reprieve, divulgados no ano passado, demonstrando que quando comparado com placebo o uso de pitavastatina reduziu em 35% a incidência de infartos e derrames em pessoas vivendo com HIV consideradas como de baixo risco cardiovascular.

Estatinas são uma classe de medicamento utilizados classicamente para reduzir os níveis de colesterol no sangue de um indivíduo, com o objetivo de interromper ou pelo menos retardar o processo de aterosclerose, fenômeno em que ocorrem o depósito de placas de gordura e a obstrução do fluxo sanguíneo nas artérias que irrigam os órgãos do corpo humano.

Quem vive com HIV é hoje considerado como uma pessoa com maiores riscos cardíaco e de aterosclerose devido à inflamação crônica provocada pela infecção viral. Quando essa pessoa faz seu tratamento antirretroviral e mantém sua carga viral indetectável, essa inflamação diminui, reduzindo também as chances da ocorrência de infartos e derrames.

Esse, inclusive, é um dos motivos para recomendarmos desde 2013 o tratamento antirretroviral universal para todas as pessoas que vivem com HIV no Brasil, independente do estágio da doença.

A inflamação basal de uma pessoa com carga viral indetectável, entretanto, ainda que mais baixa, continua maior do que a de uma pessoa não infectada por HIV. O que o estudo Reprieve conseguiu demonstrar foi que o efeito anti-inflamatório das estatinas pode ajudar a reduzir ainda mais essa inflamação e, portanto, o risco cardíaco de um indivíduo.

Como o estudo Reprieve só incluiu participantes de 40 anos de idade ou mais, a recomendação britânica se limitou a essa faixa etária. E como no Reino Unido a estatina utilizada no ensaio clínico (pitavastatina 4 mg) não está disponível, foi recomendada no lugar a atorvastatina de 20 mg.

Com o movimento, o Reino Unido é o primeiro país do mundo a mudar suas recomendações de cuidado de pessoas que vivem com HIV/Aids baseado nos resultados do estudo Reprieve.

No entanto é esperado que em breve o resto do mundo deva seguir na mesma direção. Dessa forma, o momento atual é um marco na história do tratamento do HIV. Tão importante quanto a recomendação de terapia antirretroviral universal, em 2013.

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Não podemos, no entanto, esquecer que a infecção por HIV/Aids é apenas um dos fatores de risco cardiovascular, e que todos os demais fatores devem também ser abordados para se obter uma real melhora na saúde do indivíduo.

Isso inclui o controle da pressão arterial, do nível de açúcar no sangue e do peso, a cessação do tabagismo e a manutenção de uma atividade física regular.

No Brasil ainda não temos nenhuma recomendação oficial de uso universal de estatinas para pessoas que vivem com HIV/Aids independentemente do nível sanguíneo do colesterol, mas nos próximos meses esse assunto vai se tornar cada vez mais frequente nas consultas de acompanhamento em consultórios de médicos infectologistas.

Se você faz parte desse grupo, converse com o profissional que o acompanha, especialmente se identifica que além do HIV existem outros fatores de risco cardiovascular.

É incorporando as novidades e descobertas científicas na rotina de cuidado que poderemos mais rapidamente melhorar a saúde e a qualidade de vida de nossos pacientes.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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