Lúcia Helena

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Reportagem

Câncer de próstata: casos devem dobrar até 2040 e não há como evitar

Hoje, se a gente olhar para o mundo, um em cada 14 tumores malignos é de próstata, o que corresponde a 15% dos cânceres flagrados nos homens. Mesmo sem ter esses números na ponta da língua, todo mundo conhece quem teve ou tem essa doença e, portanto, existe a noção do quanto é comum. Só um aviso: ela deverá se tornar mais comum ainda.

Prepare-se para esbarrar em mais e mais homens com esse diagnóstico. Porque, se em 2020, 1,4 milhão de indivíduos ao redor do globo descobriram um câncer de próstata, em 2040 podemos esperar um salto para 2,9 milhões de novos casos anuais. Mais que o dobro!

Quem faz essa projeção, recém-divulgada, é uma comissão internacional criada pela revista científica The Lancet, a fim sugerir ações contra o câncer de próstata. Seus integrantes — cerca de 30 dos mais renomados especialistas de diversos cantos — não tiraram essa explosão na incidência da cartola. Chegaram nela examinando minuciosamente informações sobre a doença e dados demográficos de 112 países.

"Esse crescimento em um curto período, de fato, assusta muito", reconhece o oncologista Daniel Herchenhorn. Coordenador científico da Oncologia D'Or e professor visitante da Universidade da Califórnia em San Diego, Estados Unidos, ele é o único médico da América Latina na tal comissão.

No entanto, o que arrepia pra valer é a mensagem do estudo, escrita com todas as letras. Traduzindo: "O aumento dos casos de câncer de próstata projetado não pode ser evitado com mudanças no estilo de vida, nem com intervenções de saúde pública". Ou seja, podemos apenas aguardar. Mas não de braços cruzados. Temos uma maratona pela frente.

O que você precisa saber

Sim, uma maratona, como o doutor Herchenhorn define o desafio — e não uma corrida de 100 metros. Isso porque, para boa parte dos pacientes, o câncer de próstata não é uma sentença de morte. Esta, aliás, é uma boa notícia.

A notícia não tão boa: é uma doença que gosta de voltar. "De cada dez pacientes operados com objetivo de cura, às vezes com tumores bem iniciais, dois acabam tendo recidiva", calcula o oncologista.

Diga-se, o câncer de próstata não só gosta de reaparecer, como de se espalhar. Começa sua viagem para ganhar novos territórios pelos gânglios, os linfonodos — geralmente os mais próximos, na região da pelve. E, mais tarde, aterrissa nos ossos, que então ficam frágeis e, pior, cheios de dor.

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Com o avanço da Medicina, porém, até mesmo quando esse câncer já se disseminou, o paciente pode viver por anos ou décadas. Maratona. "Apesar de a qualidade do dia a dia variar muito, ele ganha tempo para ver um filho crescer, se formar ou, quem sabe, casar", ilustra o médico. Mas — parece óbvio — para isso o homem precisa ter acesso ao tratamento. De preferência, cedo.

"Só que que nenhum sistema de saúde do planeta — ainda mais o nosso, que não tem dinheiro sobrando — conseguirá comportar com facilidade o aumento absurdo de homens necessitando se tratar", nota, preocupado, o doutor Herchenhorn. O estudo, vale destacar, colocou holofotes na falta de especialistas e equipamentos de radioterapia em diversos países, por exemplo.

E, claro, existe a questão crítica do momento em que alguém inicia esse ou qualquer outro tratamento. "Atualmente, um em cada cinco brasileiros com câncer de próstata já chega no SUS com doença avançada", aponta o doutor. "E isso significa um caso incurável, com um tremendo custo social e financeiro." Significa ser um tumor sem possibilidade de operar também.

Se todo paciente fosse operado

Em outra análise da qual participou, Daniel Herchenhorn viu que, nos últimos dez anos, apenas 10% dos pacientes do SUS com câncer avançado de próstata se submeteram a uma cirurgia simples que poderia substituir o uso de medicamentos, enquanto 90% foram direto para remédios contra o câncer, provavelmente porque ele já não estava apenas engatinhando.

"Teoricamente, se todos os pacientes que usaram medicamentos tivessem sido operados, haveria uma economia para a Saúde de mais de 320 milhões de dólares, um dinheiro que poderia ser alocado em diagnóstico precoce, drogas mais modernas, equipamentos de radioterapia e melhores tabelas de reembolso, que andam defasadas", pensa o médico.

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Quando já há sintomas

A orientação atual do INCA (Instituto Nacional de Câncer), por exemplo — cercada de um tanto de controvérsia —, é fazer exames para ver se a glândula masculina está doente só quando há sintomas. Mas existem, aí, alguns problemas.

Um deles é que os sintomas do câncer podem se confundir com os da hiperplasia, o crescimento benigno da próstata. "Acima dos 70 anos, a maioria dos homens terá sintomas e será hiperplasia, não um câncer", diz o oncologista.

Por outro lado, quando é tumor maligno de próstata, se há sintomas é porque ele já está avançado. Difícil pensar em uma decisão boa e viável para a saúde pública então...

Mas, segundo Herchenhorn, os próprios médicos, que muitas vezes falam que um programa de rastreamento precoce para o câncer de próstata não compensaria, fazem exame para dosar o PSA no sangue — molécula que levanta a suspeita da doença — e vão ao urologista de rotina.

"Temos enormes problemas no que diz respeito ao diagnóstico precoce e diria que até mesmo para prover profissionais capacitados a realizar o tratamento do câncer de próstata em algumas regiões do país", comenta o doutor.

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Ou seja, precisamos de um plano muito bem feito para enfrentar o tsunami de casos que está por vir.

Pior para nós

Em parte, o envelhecimento da população ajuda a entender o cenário mundial e a projeção feita pela comissão The Lancet. E, até por causa desse envelhecimento, o aumento de incidência não é linear em todos os lugares observados pelos autores do artigo.

"Ele é maior nos países em desenvolvimento, como o Brasil, enquanto aqueles que são desenvolvidos, com mais gente madura, estão próximos de um platô, com um crescimento muito pequeno do câncer de próstata", explica Herchenhorn.

Não dá para fazer nada mesmo?

Os médicos conhecem cada vez mais os mecanismos que levam às doenças. Praticamente entram nas células e assistem à sua transformação em um tipinho maligno. Mas, uma vez que essa metamorfose é iniciada, desarmar a bomba da doença se torna uma missão impossível para eles.

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Logo, o ideal será evitar que o tal processo aconteça. A genética pesa na história, isso é fato. "Mas a gente sabe que alimentação desequilibrada, tabagismo e sedentarismo também contribuem para desencadear alguns tipos de câncer", aponta o oncologista. "E, no caso dos tumores de próstata, a obesidade, em particular, é um fator de risco importante."

No entanto, mesmo se todos os homens resolvessem, a partir de hoje, se afastar do cigarro, fazer ginástica e controlar o peso, para muitos o tal processo maligno — que é lento — já deu largada.

E agora?

Se não dá para sair fazendo exame físico e dosagem de PSA em todo mundo, a sugestão dos autores do estudo é que os médicos fiquem de olho pelo menos naqueles homens que já têm diagnóstico tardio de outras doenças, como o diabetes e a hipertensão. "O câncer de próstata dificilmente vem isolado", pondera o doutor Herchenhorn.

Nos Estados Unidos e na Europa, dados indicam que esse tumor é mais agressivo nos homens negros, sugerindo um fator biológico. E, com isso, eles mereceriam uma atenção ainda mais especial.

Nos brasileiros, porém, de acordo com um estudo de 700 mil casos atendidos pelo SUS, Daniel Herchenhorn e seus colegas não notaram diferença entre raças. Ou seja, os homens negros que estavam sendo corretamente tratados não tinham um câncer de próstata mais avançado que os homens brancos. Sinal de que a explicação possivelmente não está apenas na biologia, mas talvez principalmente no bom e sempre desejado acesso à saúde.

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Quando um homem consegue se cuidar, tudo muda. Por isso, devemos — todos! — discutir sobre isso, sabendo da inevitável prova de resistência que a saúde masculina tem pela frente.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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