Mamografia: os erros perigosos do Ministério da Saúde ao falar do exame
A postagem na última quarta-feira (25) no perfil de Instagram do Ministério da Saúde, assinada também pelo Inca (Instituto Nacional de Câncer), criava a oportunidade: "Dúvidas sobre a mamografia? Tire aqui".
No entanto, se você arrastasse as imagens, encontraria uma sequência de informações mal explicadas e disparates, como afirmar que o exame, se realizado por quem tem menos de 50 anos, ofereceria riscos — o que, além de equivocado, é um desserviço, capaz de afastar ainda mais as mulheres do rastreamento do tumor maligno que é o mais incidente entre elas, se a gente desconsiderar o câncer de pele não melanoma. E tinha mais erros ali.
Descobri que, em algumas instituições de saúde, sociedades médicas e grupos de especialistas no WhatsApp, a publicação também havia gerado burburinho. Sem contar comentários, contundentes, de seguidores. Mas nem adianta procurá-la na rede social. Não está mais lá (veja as imagens abaixo).
Além de ir atrás de médicos, quis ouvir o Ministério da Saúde, que foi procurado na sexta-feira (27), no mesmo dia em que li a nota. A assessoria pediu um tempo para checar quem, na área técnica, teria sido responsável pela aprovação.
À noite, me ligou informando que não havia mais problema: a postagem acabara de ser retirada porque não estava clara ao "tentar traduzir dados científicos". Insisti que gostaria de uma entrevista ou de um texto justificando a publicação. Mas, apesar de estender o prazo de fechamento desta coluna, não houve resposta.
De todo modo, o fundamental é esmiuçar, linha por linha, o que foi divulgado, desfazendo confusões que podem até ser comuns e que, infelizmente, só foram reforçadas na página do Ministério da Saúde.
"A mamografia de rotina é recomendada para mulheres de 50 a 69 anos"
O certo seria dizer simplesmente que é a faixa etária para a qual o exame é oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde), apoiando-se no que diz a OMS (Organização Mundial de Saúde), quando leva em conta a dificuldade de acesso em países como os africanos e perfis diversos de populações.
Porque — atenção! — essa não é, faz tempo, a recomendação das sociedades médicas no Brasil — como a SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia) e a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e de Obstetrícia) —, nem de sociedades americanas e europeias.
O que elas preconizam é que a mamografia seja feita por toda mulher a partir dos 40 até, no mínimo, os 75 anos. E se, ao chegar a essa idade, a avaliação médica apontar que a mulher ainda tem, pelo menos, uma expectativa de 8 anos de vida, a mamografia continuará sendo realizada de rotina.
"Nesta semana, por acaso operei uma senhora de 91 anos com câncer de mama", conta o mastologista Augusto Tufi Hassan, presidente da SBM e coordenador do Serviço de Mastologia do Grupo CAM/Oncoclínicas, em Salvador, na Bahia.
"Não existe isso de que, a partir de certa altura, a mulher estará livre de ter esse tumor", assegura. "Devemos respeitar o que o serviço público oferece, se ele não tem condições de realizar esse exame nas mais idosas, nem em quem tem seus 40, 40 e poucos anos. Mas não podemos esconder dessas mulheres que ele deveria ser feito", opina.
A radiologista Camila Guatelli, especialista em imagem mamária do A. C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, explica que, nos últimos dez anos, o mundo inteiro assiste a um crescimento contínuo de casos de tumor mamário em pacientes com menos de 50 anos de idade. "Não recomendar a mamografia para elas é negligenciar o diagnóstico precoce", diz.
Aliás, é deixar de 30% a 40% das brasileiras com câncer de mama sem tal possibilidade: no nosso país, essa é a proporção de pacientes com menos de 50 anos que têm a doença. Não à toa, a maioria dos casos é flagrada em estágios mais avançados. Ora, as mulheres — boa parte, dependente do SUS — esperam demais para entrar no rastreamento.
"A mamografia de rotina é recomendada a cada dois anos"
De novo, a recomendação das sociedades médicas é diferente. Elas orientam que a mamografia seja anual. "Isso é ainda mais importante para as mulheres na faixa dos 40 anos, porque elas têm um risco maior de apresentar um câncer de comportamento agressivo", informa Camila Guatelli.
O intervalo de dois anos dá prazo para um crescimento significativo do tumor, capaz, então, de invadir a pele e os gânglios — ou indo até além —, reduzindo a chance de cura. "Quantas histórias você já não ouviu de alguém que tinha uma mamografia normal e que tudo mudou de um ano para outro? Agora, imagine aguardar dois anos!", diz a radiologista.
A mastologista e cirurgiã Fabiana Baroni Alves Makdissi, também do A. C. Camargo Cancer Center, onde é líder do Centro de Referência em Tumores da Mama, explica que não é só uma questão de diminuir a mortalidade, quando a mamografia é feita anualmente a partir da quarta década de vida: "Há uma melhora na qualidade de vida, pois, se eu pego um tumor pequeno, bem inicial, posso tirar só um pedacinho da mama e não extrair os gânglios das axilas", conta. Há casos assim que dispensam até a quimioterapia.
A mamografia não seria recomendada abaixo dos 50 anos porque as mamas são mais densas e com menos gordura
Era o que dizia a postagem do Ministério da Saúde. Bem, se fosse há uns 15 anos, seria válido: "No passado, na mulher idosa, sempre víamos uma substituição das glândulas —que, concentradas, tornariam a mama densa— por gordura", lembra Camila Guatelli. "Hoje, encontramos densidades diferentes em todas as idades", conta.
As mais novas, até pelo aumento da obesidade, podem apresentar muita gordura nas mamas, que fica entre as glândulas, diminuindo a densidade, o que ajudaria a mamografia a visualizar eventuais alterações. Já as mais velhas, nas gerações atuais, podem apresentar mamas muito densas, preenchidas por glândulas mamárias. "São mulheres que, ao longo da vida, foram muito mais expostas a hormônios, inclusive pela alimentação", observa a doutora Camila.
Ou seja, a questão da densidade já não é um argumento dos mais fortes.
"Há riscos de fazer a mamografia de rastreamento quando a mulher não tem sintomas? Sim"
A frase alarmante da postagem não faz o menor sentido. Afinal, programas de rastreamento servem para detectar uma doença quando ela ainda não tem sintomas. "Se eles já existem, não é mais rastreamento e, sim, exame de diagnóstico", diferencia Camila Guatelli.
Ou seja, você sente um carocinho na mama e vai ver se é câncer ou não. Detalhe: aí, talvez, o diagnóstico nem será precoce, quando o tumor teria o tamanho de uma lentilha. "Se a mulher ou o médico notam algo nesse estágio é muita sorte", garante o mastologista Augusto Tufi Hassan. "Só se o câncer, pequenino, estiver em uma região superficial, bem próxima da pele. Ou como eu conseguiria palpá-lo com 10 centímetros de glândulas por cima? Impossível."
Entre os riscos estariam resultados falsos positivos e falsos negativos
A nota do Ministério também dizia isso. "Toda tecnologia tem limitações e, no caso, a sensibilidade da mamografia pode ser menor antes dos 50 anos. Mas será que isso justifica não fazer o exame?", questiona o mastologista Alexandre Vicente de Andrade, da Comissão Nacional de Imaginologia Mamária da Febrasgo e professor da Faculdade de Medicina da PUC (Pontifícia Universidade Católica), em Sorocaba.
Diga-se, não importa a idade, a sensibilidade da mamografia é a mesma para acusar calcificações — aliás, é o único exame que faz isso! Elas muitas vezes não querem dizer nada. "Mas, quando se aglomeram preenchendo os ductos mamários e têm certas características, desconfiamos de um câncer engatinhando. Pedimos, então, uma biópsia ou orientamos que a mamografia seja refeita após seis meses", aponta Camila Guatelli.
Já os nódulos, feito bolinhas, podem mesmo confundir porque aparecem na mesma cor das glândulas mamárias: "É branco sobre branco", descreve a médica. Porém, o azar de a lesão não aparecer é muito mais provável quando o exame é feito em mamógrafos sem manutenção, como infelizmente encontramos aos montes pelo país.
"Há o risco de ser diagnosticada e tratada de um câncer que não ameaçaria a vida"
Nunca li nada parecido. Tudo bem, existe, sim, o tumor mamário in situ. Ele pode até ficar grandalhão, mas não se espalha pelo organismo. Portanto, realmente não ameaça a vida. "Mas um dos problemas de usar esse argumento é a dimensão: esse tumor é bem menos frequente", diz o professor Alexandre de Andrade.
Outro, mais grave: é quase impossível assegurar que o tumor in situ não irá mudar e, num belo dia, virar um tipinho invasivo. "Quem escreve que ele não é ameaça deve ter uma bola de cristal", diz o doutor Tufi Hassan. A doutora Fabiana Makdissi completa: "Nenhum médico, em sã consciência, escolhe qual câncer de mama in situ tratar e qual não tratar na faixa dos 40 ou 50 anos". Na dúvida, todos são extirpados.
O pior efeito das 72 horas em que a postagem ficou no ar foi ter colocado dúvidas na cabeça das mulheres que já adiam esse exame, com medo de dor ou de más notícias. Associar a mamografia a riscos quando ela reduz 25% da mortalidade por câncer de mama é para fechar, de um jeito lamentável, este outubro.
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