Lúcia Helena

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Opinião

Covid longa: o que dizem dados mais recentes sobre a proteção das vacinas

Covid longa é uma dor de cabeça. Uma dor de cabeça só, não! Para alguns, esse quadro se traduz em um corpo que vive arrasado pelo cansaço quando não se sente todo moído, em uma tosse insistente até não poder mais, em uma memória que parece enguiçada e que demora para achar informações nos labirintos do cérebro e em mais uma série de sintomas neurológicos, cardíacos e respiratórios que, se a gente assumir uma definição corrente, duram mais de quatro semanas depois do sumiço do vírus no nosso organismo.

Mas será que, até mesmo hoje, tomar vacina contra a covid-19, incluindo suas doses de reforço, faria diferença para evitar o perrengue desses sintomas persistentes, em plena era de ômicron, a variante que muitos acham ser assim tão "boazinha"?

Pois foi justamente o que pesquisadores da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, em São Paulo, buscaram avaliar. E uma das diferenças de seu artigo, que acaba de ser sair no Antimicrobial Stewardship & Healthcare Epidemiology, o ASHE Journal — publicação da Sociedade Americana de Epidemiologia Hospitalar — é que ele faz uma revisão criteriosa dos trabalhos realizados sobre esse tema em diversos cantos do mundo desde o início da imunização contra o Sars-Cov-2 até praticamente o que seria "anteontem" — ou seja, até junho passado.

Os autores, ao mergulharem de cabeça na literatura científica, encontraram precisamente 32 estudos avaliando a efetividade das vacinas para nos proteger da covid longa, que envolviam, juntos, nada menos do que 775.931 indivíduos. Então, compararam 24 deles — o que os cientistas chamam de metanálise — para chegar a alguma conclusão mais consistente.

A redução para esse número foi porque descartaram, por exemplo, pesquisas que consideraram como sujeitos vacinados ou não vacinados quem ficou no meio do caminho, por assim dizer, e tomou uma única dose de imunizante. A comparação, aqui, foi entre quem não recebeu vacina alguma contra a covid-19 e quem tomou pelo menos duas doses.

Não estranhe terem encontrado só essa quantidade de trabalhos no final das contas: "A maioria das publicações científicas avaliam se as vacinas evitam mesmo a infecção e, o que é mais importante, a manifestação da doença, as hospitalizações e as mortes. Mas a questão da covid longa não foi muito explorada ainda", justifica o infectologista Alexandre Marra, que é um dos autores dessa revisão que traz à tona dados mais quentes sobre essa covid que, digamos, "foi embora, só que não".

Integrante do Einstein, o médico brinca que está "emprestado para a Universidade de Iowa", nos Estados Unidos, onde conduz pesquisas realizadas em parceria com a faculdade e o hospital paulistanos.

Ele explica que o trabalho atual inclui tanto pacientes que ficaram hospitalizados por causa da covid-19 quanto aqueles que tiveram uma infecção mais branda ou moderada. E não tem dúvida: as vacinas contribuem demais para a prevenção da covid longa. "E, de acordo com a nossa análise, quem recebeu uma dose de reforço ficou ainda mais protegido", adianta.

O quanto as vacinas protegem

Entre os indivíduos que completaram o esquema vacinal primário — isto é, que tomaram duas doses de qualquer vacina —, notou-se uma proteção em torno de 36% contra a covid longa.

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Mas veja que interessante: entre aqueles que, além do esquema primário, receberam uma dose de reforço, essa proteção subiu para 68,7%, em média. Atenção, a efetividade das vacinas é sempre em relação a quem não foi imunizado.

Alexandre Marra ressalta que o estudo levou em consideração as doses e não quem tomou esse ou aquele imunizante. Pode ser que, no futuro, outros trabalhos se debrucem sobre as diferenças entre as vacinas nessa proteção. Mas, por enquanto, podemos concluir que pessoas em dia com a carteirinha de vacinação têm um risco muito menor de uma chateação que dura, ô, como dura...

"Precisamos de mais pesquisas para saber por até quanto tempo os sintomas de covid longa são capazes de persistir", diz ele. "A boa notícia é que a maioria dos casos melhora em até dois anos após a infecção." Tudo bem, só que haja paciência ao longo desses dois anos!

As vacinas ou ômicron?

Aí, talvez você se pergunte: mas, se a análise foi realizada até tempos muito recentes, quando ômicron já estava dominando o pedaço e se espalhando mais que fogo no palheiro, será que essa proteção elevada encontrada em quem foi atrás do reforço não seria porque, nessa altura, há uma combinação de pessoas que receberam mais doses da vacina e uma variante que, talvez, pegue mais leve? Pode ser. Ainda assim...

"A prevalência da covid longa, de fato, diminuiu ao longo dos anos", reconhece o infectologista. "E a gente não sabe até que ponto isso é por causa da vacinação — eu acredito que tenha muito a ver, sim — e até que ponto seja porque ômicron e suas subvariantes causem processos inflamatórios menos intensos e, com isso, gerem menos sequelas."

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Os dados indicam que a proporção de indivíduos que manifestavam covid longa nos primeiros anos da pandemia era sempre acima de 20%. Hoje, segundo os estudos que foram comparados na metanálise, a prevalência de caiu para 11% entre os não vacinados . Mas, se a gente olha para quem tomou a vacina, ela fica menor ainda, em 5%. Ou seja, é uma diferença importante para quem não quer arriscar.

É claro que, como Alexandre Marra faz questão de lembrar, há outros fatores que podem pesar para aumentar ou diminuir um pouco o risco de cada um, como a idade e a existência de comorbidades.

Um problema que precisamos entender

O assunto covid longa, ele próprio, também deve ir longe. "Quando pensamos na efetividade da imunização, precisamos de mais estudos para entender o impacto que teria a vacina bivalente ou a monovalente, que começou a ser dada agora", diz o médico, referindo-se àquela vacina feita contra uma única subvariante mais recente de ômicron, que nem é mais a que se encontra frequentemente por aí, mas é mais próxima dela do que versões do vírus antepassadas.

Alexandre Marra comenta, ainda, que faltam trabalhos sobre a efetividade da imunização contra o Sars-CoV-2 para evitar a covid longa em crianças — sim, elas também são grandes vítimas de sintomas persistentes.

Os cientistas também mal e mal compreendem quem tem maior probabilidade de desenvolvê-los, mesmo entre adultos. O fato de ter apresentado uma infecção mais grave pesa bastante na história — mas seria só isso? É uma pergunta que merece resposta.

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"E, finalmente, falta descobrirmos marcadores, isto é, substâncias no organismo que possam apontar quem está com covid longa e quem está sentindo um mal-estar por outra causa qualquer. Um teste para revelar algo assim fará enorme diferença", acredita o infectologista.

Afinal, quando pensamos que 11% de não vacinados e que 5% dos indivíduos imunizados continuam sofrendo pela infecção do passado, isso ainda é muita, muita gente.

Para você ter uma noção, pegando uma informação fresquinha, a Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias) divulgou na semana passada que, dos 7.061 testes rápidos realizados em farmácias entre 3 e 9 de outubro deste ano, 32% tiveram diagnóstico positivo, um número de duas a três vezes maior do que os registros até agosto. Veja, é um recorte pequeno — ora, tem gente que não faz o teste em farmácia, seja porque ignora os sintomas que parecem gripais, seja porque prefere procurar um pronto-atendimento, um laboratório de análises clínicas ou, quem sabe, um hospital.

Mas o salto deixa claro que a covid-19 está aí. E, no seu rastro, a covid longa.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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