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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Por causa de gripe ou covid, sinusite é uma adversária de respeito na Copa

Antony durante partida entre Brasil e Sérvia - Lucas Figueiredo/CBF
Antony durante partida entre Brasil e Sérvia Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Colunista de VivaBem

01/12/2022 04h00Atualizada em 01/12/2022 14h54

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A gente fica na torcida, mas sem saber direito o que acontece com Antony, Paquetá e Neymar, três dos nossos jogadores que manifestaram "quadros gripais", expressão que serve para descrever muita coisa.

Na Copa do cala-a-boca, todos driblam a pergunta se não poderia ser covid-19, já que a Fifa ignorou a necessidade de um protocolo para testar atletas com sintomas de infecção respiratória. E as arquibancadas estão lotadas de turistas que não precisaram comprovar vacinação para entrar no Qatar.

Todos passam a bola do problema às mudanças bruscas de temperatura, com um calor desértico ao ar livre e um frio de vestir casaco dentro dos estádios.

O ar-condicionado a mil, aliás, foi alvo de preocupação dos alemães antes do empate com a Espanha no último domingo, 27, porque sete integrantes do time já tinham ficado com sinusite desde a chegada para os jogos.

Sinusite que também impediu o comentarista Luís Roberto, da Rede Globo, de narrar os jogos por alguns dias. Olha, está aí uma adversária de respeito!

Não importa se tudo começou com resfriado, gripe ou covid-19: uma infecção viral respiratória sempre pode levar a uma sinusite aguda, capaz de produzir toxinas que derrubam o desempenho de qualquer um, dentro e fora do campo. E a temperatura do ar, em si, é a menor das culpadas.

O nariz em condições normais

Para o otorrinolaringologista Richard Voegels, diretor de rinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), onde é professor associado, esses casos cheiram mesmo a alguma virose. "Isso porque são várias pessoas com o problema e sinusite não passa de uma para outra", diz, justificando a aposta.

Entenda, antes de mais nada, que o nariz se mete em três funções para quais é chamado a cada vez que você inspira: aquecer, umidificar e filtrar o ar, que já sai dele com 37ºC, 100% de umidade e limpo.

"O calor e a umidade dão as condições ideais para as trocas gasosas", explica o professor Voegels. "Logo, a gente oxigena melhor o sangue." No contexto da Copa, óbvio que isso é essencial para alguém jogar bem.

O atleta rende mais também por dormir melhor. É que, segundo o médico, a fase do sono R.E.M —sigla do inglês para "movimento rápido dos olhos"— depende muito de uma boa oxigenação.

Para filtrar o ar, no entanto, o nariz depende de um time formado pelas cavidades em suas redondezas: uma dupla de seios paranasais maxilares e outra, de seios frontais, abaixo e acima dos olhos, respectivamente Há, ainda, os seios etmoidais, entre as órbitas oculares, e os esfenoidais, bem atrás delas. "Ou seja, tudo em volta dos olhos é oco", descreve o professor.

Em todas essas cavidades é secretado um muco clarinho e levemente espesso, que nem a saliva. "São cerca de 2 litros por dia em um adulto saudável", calcula Voegels. "E nada fica parado."

A mucosa interna desses seios é um tapete de cílios que, movimentando-se feito uma vassoura, vão conduzindo o muco para o óstio, nome de uma estrutura comparável a um ralo.

"Quando inspiramos, o ar forma um turbilhão e as impurezas, girando, acabam batendo no muco, onde há enzimas de defesa", ensina Voegels. "Ali, gruda de poeira a vírus e bactérias. Tudo é levado pelos cílios até descer pela garganta e cair no estômago, onde os microrganismos que restaram acabam sendo destruídos pela acidez."

Esse processo, que faz o ar seguir limpinho para os pulmões, é chamado pelos médicos de clearance mucociliar. "Quando você vê um casal em que só um pegou covid-19, uma das possíveis razões é que um teria esse mecanismo melhor do que o outro", exemplifica Voegels.

Como acontece a sinusite

O roteiro de uma bela sinusite geralmente começa com o vírus que deixou o nariz congestionado. "Se aquela espécie de ralo natural dos seios paranasais também entope, a secreção que normalmente demoraria 30 minutos para fazer o percurso até o estômago pode se arrastar por horas", conta Voegels.

A lentidão faz com que ela desidrate pelo caminho, ficando grossa. Para os cílios, então, a movimentação para mandar tudo embora vira um trabalho pesado. E aí é que está: "A região do nariz é cheia de bactérias", conta o médico. "Elas se aproveitam e se reproduzem. Surge, então, a sinusite."

O catarro fica amarelado. Vem a dor de cabeça junto. Antes mesmo de chegar a esse ponto, a própria infecção viral já atrapalharia um jogador da seleção, ao mobilizar o organismo para combatê-la. "Ele se dividirá entre o esforço físico dos jogos e cortar o processo infeccioso", observa o médico.

A fonte de energia e disposição do nosso corpo, porém, não é infinita. Nessa bola dividida, o rendimento com certeza cai. E piora ainda mais com o aparecimento da sinusite, porque a infecção bacteriana dentro das cavidades paranasais gera toxinas.

Nem todos têm esse azar. O professor Voegels conta que existem pessoas com aquela estrutura feito ralo muito boa: "Elas podem ter gripe ou covid-19, por exemplo, mas dificilmente desenvolverão a sinusite". No entanto, há também o sujeito que tem essa espécie de ralo muito ruim e que, praticamente a cada virose que pega, pena com uma sinusite.

Ar seco

No Qatar, pior do que o gelo do ar-condicionado é o clima extremamente seco. Aliás, o ar fica ainda mais seco ao passar por condicionadores. "Isso faz o catarro desidratar mais rápido e engrossar, sendo um fator muito mais importante do que qualquer questão de temperatura", informa Voegels.

Não à toa, bastante gente por lá está pegando virose. "E, nesses casos, não há muito o que fazer, a não ser tratar os sintomas", avisa o doutor. "Depois de três a cinco dias, o vírus some sozinho."

Mas, se o catarro escurece demais e a dor de cabeça explode, os médicos passam a desconfiar de uma sinusite bacteriana e só quando há bactérias é que se indicam antibióticos — como, ele chuta, seus colegas encarregados da saúde dos jogadores já devem estar prescrevendo, para garantir que consigam voltar ao jogo em dois ou três dias."Sem um antibiótico, uma sinusite aguda poderá levar dez, 15, 20 dias para melhorar."

Quando o problema é crônico

Há quem tenha sinusite crônica, sempre com catarro preso nos seios da face. De novo, o maior problema são as toxinas que se acumulam ali.

"Por causa delas, a pessoa está sempre mais cansada do que o normal", garante o professor Voegels. "Hoje, a sinusite já é considerada a principal causa de fadiga crônica, mas ninguém associa as duas coisas."

Na cidade de São Paulo, 5,6% das pessoas vivem abatidas por causa dela e boa parte nem se dá conta. Voegels e seus colegas chegaram a esse número realizando uma pesquisa, apontada como a única do mundo que checou a prevalência da sinusite crônica na população.

Os pesquisadores foram até a casa de 2.024 pessoas para diagnosticar os casos, tomando o cuidado de respeitar uma proporção conforme o número de habitantes de cada região da cidade, gênero, faixa etária e tudo mais, para que, assim, pudessem espelhar a realidade.

"Quem tem sinusite crônica nem percebe o muco mais grosso, talvez até por falta de parâmetro", lamenta Voegels. "O principal sintoma, de longe, é quando o indivíduo acorda e tem a impressão de que desce um monte de catarro por trás de sua cabeça", dá a dica,

O nariz às vezes fica mais entupido, fazendo a criatura dormir de boca aberta. Alguns reclamam de alterações no olfato e de dor ao redor dos olhos, mas nada disso é tão frequente quanto aquela sensação ao amanhecer. Quem a sente deve buscar ajuda.

Em alguns casos, os médicos fazem cirurgias para ampliar aquele ralo dos seios de 1 a 2 milímetros para 3 ou 4. Mas o mais comum é a indicação de medidas simples, lembrando que não adianta engolir antibióticos porque as bactérias irão se multiplicar de novo se o sistema de filtragem não for reestabelecido.

A primeira orientação é de beber bastante água. "Se a gente ingere pouco líquido, o organismo economiza, produzindo de cara uma secreção mais grossa", explica Voegels.

O melhor é evitar lugares muito secos e, se morar em um deles, usar umidificadores de ar no quarto. Pela mesma razão — a secura do ar —, bom não permanecer em ambientes com ar-condicionado. E, no mundo perfeito, o certo seria passar longe da poluição e da fumaça de cigarro: "Eles irritam a mucosa do nariz e, daí, os cílios deixam de funcionar direito", diz o médico.

Para completar, os otorrinolaringologistas recomendam lavagens em alto volume, aquelas feitas com umas garrafinhas apropriadas. Desse jeito, aos poucos, você livra o trajeto do ar da secreção emperrada.

O professor Voegels assegura: quando alguém resolve a sinusite crônica, ganha um novo ânimo. Claro que o problema da sinusite entre jogadores e torcedores no Qatar é agudo, uma história diferente porque começa com um vírus — feito o influenza da gripe, os adenovírus ou (sim, Fifa!) o Sars-CoV-2 . Mas, no final, dá na quase mesma: o lance é livrar as cavidades paranasais das toxinas para o jogo não ficar lento, em todos os sentidos.