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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Para evitar os 5 tumores ginecológicos: coisas que talvez você nem imagine

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

30/09/2021 04h00

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Setembro acaba hoje e não sei se reparou: neste mês nasceu uma flor. Você vai me dizer que nasceram muitas, já que brotou a primavera. Mas, não, eu me refiro a uma florzinha única e esta tem cinco pétalas, uma de cada cor.

A rosa é para nos fazer lembrar do colo do útero. A laranja é para remeter ao endométrio. A verde tem o tom associado aos ovários. A roxa é a da vulva. E a última, azulzinha, a da vagina.

A flor é o símbolo de uma campanha feita sob medida nos sensibilizar em relação aos tumores ginecológicos. Afinal, a cada ano cerca de 30 mil brasileiras são diagnosticadas com um deles. Setembro já era o mês internacional de conscientização desses cânceres. Daí a época e, melhor, a hashtag da iniciativa nacional, que é #setembroemflor.

Não digo que ela chegou em boa hora. Chegou até que tarde. Não dá para entender por que nada parecido emplacou no passado. "Eu estudei Medicina no Rio Grande do Norte e, já naquele tempo, via mulheres com câncer de colo de útero avançado e me incomodava por ser uma doença prevenível", lembra a oncologista clínica Andréa Gadelha Guimarães, do A. C. Camargo Cancer Center, em São Paulo. "Embora formada há mais de vinte anos, essa realidade não mudou, o que me intriga. Ora, estamos falando do segundo tumor mais frequente em mulheres."

A médica é coordenadora de advocacy do EVA, como é conhecido o Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos, criado ainda em 2010 e idealizador da campanha. No início, ele reunia apenas médicos. Depois, se expandiu para outros profissionais de saúde e agora também atrai pacientes com conteúdo sobre esses tumores em seu site e nas redes sociais.

Aviso: nem vou ficar descrevendo muito um por um, mas contar aquilo que pode surpreender a mulherada e nos deixar espertas. Porque, sabe como é, a vida tem seus espinhos. E não queremos nos machucar com eles.

A vacina do HPV não é um "liberou geral"

Achei a comparação da oncologista Audrey Tsunoda ótima: "Sabe a história que a gente aprendeu com a covid-19, a de que nenhuma vacina é 100% eficaz e que, mesmo vacinada, a pessoa pode pegar a doença? Pois então: é a mesma com o HPV".

Cirurgiã oncológica do Hospital Erasto Gaertner e coordenadora do programa de cirurgia robótica do Pilar Hospital, em Curitiba, no Paraná , a doutora Audrey é também a coordenadora do EVA. Mas prefere se definir como "uma pessoa interessada na saúde das mulheres."

Por isso mesmo, fica desolada quando os pais não levam os adolescentes para o posto de vacinação. Andréa Guimarães compartilha desse sentimento: "A mensagem que precisa ficar clara é a de que essa é uma vacina contra o câncer", diz ela.

Verdade. Se olhamos só para o de colo de útero, 98% dos episódios têm esse vírus por trás. Sem contar que, entre mulheres, o HPV também é responsável por tumores de vagina, de vulva e, saindo do território ginecológico, de orofaringe e de ânus.

No entanto, em 20% a 30% das pessoas, o imunizante contra esse vírus não consegue barrar a infecção. Mas — de novo, lembrando o que acontece após a vacina contra o Sars-CoV 2, quando dificilmente um sujeito que se infectar desenvolverá um quadro grave de covid-19 — o risco de uma lesão por HPV evoluir para um câncer é mínimo se a mulher tomou a vacina. Ainda assim, existe.

"Portanto, a vacinação não dispensa o uso de preservativo nas relações sexuais", alerta a doutora Audrey. Assim como mulheres vacinadas nunca deveriam adiar a consulta periódica no ginecologista, seguras de que estão blindadas.

"Durante dois ou três anos, o câncer de colo de útero não tem qualquer sintoma", ensina a doutora Audrey. "Se não perder a consulta, esse período é uma janela de oportunidade para a mulher detectar a doença cedo." Leia-se: enquanto ela é curável.

Não tolere aquela gotinha vermelha após o sexo

Muita mulher imagina que, se notar um pouco de sangue depois do bem-bom, será sinal de que ela está para menstruar ou que, vá lá, a pegada sob os lençóis foi mais forte. Pode até ser. Mas — aí é que está — pode não ser também. Bote a pulga atrás da orelha.

"Sangrar na relação sexual, mesmo sem sentir qualquer dor, às vezes é o único sintoma de um tumor inicial de colo de útero ou de vagina", conta a doutora Audrey.

Se aconteceu uma única vez, tudo bem. Mas, se volta a acontecer, o papo é outro. "Aí, o certo é buscar o médico, sem ficar um ano inteiro negligenciando a situação", orienta a doutora Andréa Guimarães.

O mesmo vale para sangramentos em outros momentos, que não sejam associados ao sexo. "Não é o período de menstruar? Saiu do padrão? Então, o sangramento merece ser investigado", resume a médica.

A importância da dieta e do peso adequado

A gordura serve de matéria-prima para o estrógeno e esse hormônio, por sua vez, alimenta eventuais células cancerosas no endométrio, como é chamado o revestimento do útero, aquele tecido que descama a cada menstruação.

"Logo, excesso de gordura corporal costuma ser sinônimo de excesso desse hormônio feminino", explica a doutora Andréa. Daí por que combater a obesidade é fundamental para prevenir o tumor de endométrio.

A famosa dieta equilibrada interfere positivamente. Não só porque promove o emagrecimento, mas por conter porções moderadas de alimentos gordurosos que, se fossem consumidos em exagero, também incrementariam a linha de produção do estrógeno.

A atividade física protege pra valer

O resultado de ser fisicamente ativa vai além de controlar a obesidade. "O exercício libera substâncias protetoras no organismo, melhora a oxigenação dos tecidos e aumenta a imunidade", lista Audrey Tsunoda.

Sim, lembre-se que um sistema imunológico fortalecido muitas vezes é capaz de destruir uma célula de câncer que mal surgiu, cortando o mal pela raiz. Mas, para isso, é preciso acertar na intensidade do treino.

Não vale parar de se exercitar antes de sentir o suor escorrer. Por outro lado, o tiro sai pela culatra se alguém pratica uma atividade fisica extenuante. Ela pode derrubar as defesas. "O exercício é bom quando você sua a camisa e se sente energizada, mas não massacrada", gosta de dizer a doutora Audrey.

Alguém da família teve câncer de mama ou de intestino?

Se a resposta é sim, atenção. Estes não são tumores ginecológicos, mas podem ser resultado de alterações em dois genes — o BRCA1 e o BRCA2 — que estão envolvidos em 25% dos casos de câncer de ovário.

"Essa doença não dói, não dá coceira, nem causa sangramento no início", diz a doutora Audrey. "Ou seja, não tem muito jeito de prevenir nem de detectar precocemente, a não ser observando a história familiar, já que há um forte componente de hereditariedade."

A perda de apetite

A pessoa dá duas garfadas e já se sente satisfeita. As causas disso podem ser diversas e, entre elas, está o câncer de ovário, o qual também costuma estufar a barriga. A explicação é uma só: "Esse tumor leva a um acúmulo de líquido no abdômen, que faz a barriga inchar, e, ao mesmo tempo, pressiona o aparelho digestivo. Desse modo, ele se engana e acha que está pleno", descreve a doutora Audrey.

Fechar a boca com a barriga vazia leva a uma perda considerável de peso. Compensa ir ao médico ver o que está se passando. O câncer de ovário tende a surgir em mulheres jovens ou, em outro extremo, nas mais maduras. Estas, aliás, representam a maioria dos casos.

Coceira na zona íntima

"Se você sente a perna coçar, não vai na mesma hora olhar se não está com uma picada ou uma alergia ali? Então, por que não fazer o mesmo com a genitália?", provoca a doutora Audrey.

O tumor de vulva, segundo a médica, é perigoso — e, por sorte, raro. Ele pode ser causado pelo HPV, mas também está relacionado a uma alteração da mucosa conhecida como líquen escleroso, que causa bastante prurido.

É outra encrenca que costuma acontecer em mulheres mais velhas e elas geralmente têm vergonha de dizer que vivem sentindo coceira. Diga-se: ela nada tem a ver com falta de higiene.

O certo seria pegar um espelhinho e examinar a região. Manchas mais claras, escuras ou avermelhadas disparam o alerta. Assim como uma feridinha que não se fecha sozinha depois de alguns dias.

No que reparar no gineco

Um dos bons motivos da consulta é de fato fazer o exame de Papanicolau para rastrear o câncer de colo de útero. Ele é recomendado para quem tem entre 25 e 64 anos e uma vida sexual ativa.

Isso não significa, porém, que meninas mais jovens possam esquecer a ida ao médico, muito menos mulheres com 65 anos ou mais, especialmente se há qualquer sangramento após a menopausa ou quando os ovários se exibem aumentados no ultrassom. O normal é que atrofiem com a idade, às vezes até deixando de ser visualizados.

O médico deve aproveitar para examinar toda a genitália feminina, que está ali diante dele, exposta. Se você notar que ele só colheu a amostra para o exame do útero, antes de sair da posição ginecológica pergunte como está a sua saúde no "lado de fora".

Maligno?

Audrey Tsunoda não gosta do adjetivo. "Dá aquela impressão de uma doença intratável", justifica. De fato, muito câncer ginecológico é prevenível e todos podem ser tratados com sucesso, se flagrados cedo.

Amanhã, outubro vai raiar e vestiremos rosa, falando um bocado da saúde das mamas. É necessário. Mas não podemos esquecer que a mulher é um pacote completo. Com vulva, vagina, ovários e útero também. Em setembro nasceu uma flor. E esperamos que ela não morra.

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