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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'A senhora me acha bonito?': insegurança e autoimagem na adolescência

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

08/10/2021 04h00

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O cenário é uma atividade na sala de aula de uma escola pública, localizada na região sul da cidade de São Paulo. O tema do encontro era "Afetos na Adolescência" e, naquele momento, falávamos sobre apaixonamento. Paulinho* passou a atividade inteira fazendo o oposto do que era pedido. Pulava quando era para sentar e se concentrar, falava quando era para escutar e se calava quando era convidado a falar.

No final da atividade, a turma toda foi embora e dali um tempo, Paulinho voltou e me perguntou se eu queria ajuda para organizar a sala. Ele nem esperou a resposta e já começou a organizar as cadeiras em fila.

- A senhora mora aqui perto?

Respondo que não, não moro muito perto. Ele diz que mora quase do lado da escola e que da sua casa dá até para escutar o sinal da escola.

- A senhora ganha dinheiro para falar dessas coisas com a gente?

Respondo que às vezes sim, às vezes não.

- E a senhora me acha bonito?

Assim, do nada. Como se essa fosse a pergunta que ele realmente quisesse fazer desde o início. Prontamente respondo que sim e pergunto se ele se acha bonito.

- Ah, eu não acho, não. Nem eu, nem ninguém aqui me acha bonito.

Silêncio.

Conto esse episódio para ilustrar algo recorrente em todas as fases da vida, mas que na adolescência se torna mais intenso: a insegurança com relação à autoimagem.

Você já deve ter lido que a adolescência é uma fase de intensas transformações físicas, psicológicas e sociais —e, de fato, é mesmo. E também já deve ter escutado que é sempre importante entender que não existe somente uma adolescência, mas adolescências, no plural mesmo.

Ao chegar nesse período da vida, trazemos conosco memórias e vivências de infâncias que são, também, plurais. O passado de muitos adolescentes é marcado por traumas vividos na primeira década de vida, mas também por potências que devem ser acolhidas de forma igual.

É importante que nós, pessoas adultas (seja na atuação dentro de um serviço que atende essa parcela da população, ou como comunidade e responsáveis legais) tenhamos olhares e posturas que considerem os impactos do capacitismo, do racismo, das desigualdades de gênero e outras interseccionalidades na vida desses jovens, pois tudo isso faz parte da construção do olhar que eles terão sobre si e sobre o mundo.

Nesse sentido, é fundamental que nós valorizemos também a caminhada de potência que muitos adolescentes têm feito. É importante reconhecer esse movimento e dizer para eles coisas que para nós podem ser óbvias, como "você tem beleza", "eu valorizo sua presença" e "eu vejo você."

O adolescente da história que inicia esse texto, o Paulinho, não me disse o motivo de não se achar bonito, mas eu tenho minhas hipóteses. A gente nunca mais se viu, mas desejo profundamente que ele e outras pessoas nessa fase da vida encontrem acolhimento e que toda a adolescência esteja aprendendo a enxergar a própria beleza. Por fim, desejo que nós, pessoas adultas, possamos criar um ambiente em que esses jovens encontrem afetos protetores e direitos garantidos.

* Paulinho é nome fictício.