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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A convivência comunitária no combate às violências: nós queremos conviver?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

23/04/2021 04h00

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Desde que comecei a escrever aqui no VivaBem, tenho pensado em formas de contribuir para o debate sobre infâncias, adolescências e a saúde enquanto um direito que está diretamente atravessado por diversos outros. Podemos, por exemplo, pensar no direito à educação e em sua ligação direta ao direito à saúde. A cultura é outro direito que promove saúde, o esporte também.

Pensar saúde para além do agendamento de consulta médica é ampliar o olhar e entender as pessoas de forma integral, com inteireza. Dessa forma, é possível imaginar que todo acesso ou negação de um direito reflete em todos os campos da vida de uma pessoa, não só naquela área específica.

Não ter o que comer reflete diretamente no desempenho escolar. Estar em situação de violência reflete diretamente na saúde mental. Ser proibido de conviver com outras pessoas fragiliza diretamente no desenvolvimento do senso de comunidade e respeito à diversidade.

E é por aí que quero tecer uma reflexão:

A violência e o desrespeito às pessoas que tem existências, costumes, ideias e afetos diferentes dos nossos, muitas vezes, estão relacionados ao pouco investimento de energia para a construção de espaços de aproximações e convívio.

Sem perceber o impacto do afastamento, vamos ensinando as crianças a se distanciarem de tudo que é diferente de nós. Então, se somos de determinada religião, ensinamos as crianças que as outras religiões são erradas. Se somos um casal heterossexual, ensinamos às crianças que casais homoafetivos são errados. Ou seja, ensinamos às crianças que a diversidade até existe, mas é errada, perigosa e por isso precisa ser mantida longe.

Que danos isso gera a médio e longo prazo?

Ora, já podemos dizer isso a partir de nossa própria vivência.

Somos a população que mantém o Brasil no topo da lista de países mais perigosos para pessoas transgênero. Somos o país que está em quinto lugar no ranking de países que mais violentam mulheres cisgênero. Somos o país que mobiliza grupos de pessoas adultas para fazer um ato na porta de um hospital que atendia uma criança vítima de violência sexual. Essas pessoas somos nós!
Podemos ler esse texto e dizer: Nós, não. Eu não sou assim.

Quero que saibam que eu, sozinha, também não sinto que sou assim. Mas coletivamente, enquanto um país, nós somos. Coletivamente, fazemos parte de uma estrutura que tenta criar uma separação e fragilização das pessoas. E é doloroso admitir isso (eu sei), mas precisamos dar esse primeiro passo para mudar a realidade.

Precisamos pensar e construir uma sociedade que não tente criar leis para afastar pessoas LGBT do convívio com crianças, por exemplo.

Aliás, existem crianças que fazem parte de famílias LGBT e que sofrem violências —não por ter dois pais ou duas mães que as amam, mas por estarem numa sociedade LGBTfóbica que afasta as demais crianças da possibilidade de convívio com elas.

Negar que as crianças ampliem seus olhares sobre a diversidade de famílias contribui para que elas exerçam o distanciamento de configurações familiares e de pessoas diferentes delas. Conhecer e aproximar-se de outras existências só nos ensina que é possível coexistir e respeitar todas as pessoas que compõem a sociedade.

Promover a convivência familiar e comunitária é uma forma de combater as violências. E você, está pronto para conviver?