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Dante Senra

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Doença de Alzheimer. Ressurge a esperança?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

25/07/2021 04h00

Todos sabemos que o futuro é incerto, mas quando os "ontens" começam a desaparecer torna-se assustador, até porque as lembranças costumam ser o orgulho de uma vida vivida com dignidade.

O que pode confortar em certa medida é que as pessoas acometidas pelo Alzheimer não têm essa consciência, mas essa afirmação ainda carece de confirmação para os estágios iniciais da doença.

No Brasil, a possibilidade é de que existam cerca de 1,2 milhão de pessoas com Alzhheimer, sendo que a maior parte das pessoas com a doença ainda não recebeu o diagnóstico médico e o tratamento necessário.

Estima-se que 50 milhões de pessoas sofram de algum tipo de demência no mundo. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), 70% dos casos de demência são causados pelo Alzheimer.

Quando pensar em Alzheimer?

O esquecimento é a característica mais marcante da doença, mas outros sintomas costumam estar presentes e até precedê-lo como as mudanças do humor, desinteresse, apatia, depressão, ansiedade, irritabilidade, perda de iniciativa, dificuldade de compreensão, da escrita e da fala.

Ou seja, há perda progressiva de funções cognitivas conduzindo a alterações na personalidade e incapacidade funcional.

Como disse, a depressão pode fazer parte dos sintomas, mas muitas vezes pacientes recebem esse diagnóstico como única responsável pelo quadro por muito tempo.

Por que ocorre?

Em razão do envelhecimento da população mundial, o Alzheimer pode ser considerada um problema de saúde pública, visto que é a principal doença neurodegenerativa e, portanto, a principal causa de demência, seguida não muito de perto pelos déficits de circulação cerebral (quadros isquêmicos).

Infelizmente as causas reversíveis de demência, como as ocasionadas por hipotireoidismo ou deficiência de vitamina B12, representam não mais de 1,5% dos casos.

Outros fatores de risco para o desenvolvimento da doença são a baixa escolaridade, história familiar para Alzheimer, traumatismos cranioencefálicos moderados ou severos e distúrbios do sono (insônia e síndrome de apneia obstrutiva do sono).

Sem dúvida, o Alzheimer tem na idade avançada o seu principal fator de risco, sendo que a incidência e a prevalência da doença duplicam a cada 5 anos após os 70 anos, chegando a atingir 47% das pessoas com mais de 85 anos. Cerca de dois terços desses doentes são do sexo feminino, talvez pelo simples fato de viverem mais do que os homens.

Também existe a forma precoce da doença diagnosticada antes dos 65 anos de idade, mas felizmente em "apenas" 1,5% dos casos.

Além do enorme desgaste emocional e do desequilíbrio estrutural familiar (assumir os cuidados de um familiar enfermo costuma ser uma tarefa bastante complexa), estima-se nos EUA um gasto anual aproximando-se de US$ 100 bilhões com a doença.

Em um mundo que envelhece, dado o tratamento medicamentoso atual que apenas controla os sintomas da doença e não modifica a progressão, estima-se que o número de doentes acometidos com esta doença poderá triplicar em 2050 se nada mudar.

A chegada da esperança

Como disse Heráclito, filósofo nascido em Éfeso por volta de 540 a.C., tudo que existe está em transformação e a única coisa que é permanente é a mudança.

Assim, também a ciência tem evoluído e recentemente o FDA (Food and Drug Administration), agência reguladora dos EUA equivalente à Anvisa, aprovou com ressalva ainda, o uso de um medicamento que promete desacelerar a evolução do Alzheimer.

A FDA não aprovava um novo medicamento contra o Alzheimer desde 2003.

A doença de Alzheimer tem como causa o acúmulo de proteínas no cérebro que se designam de proteínas amiloide e tau e a droga testada, chamada aducanumabe, teria a capacidade de eliminar estas substâncias atacando diretamente sua causa, desacelerando a progressão da doença e o declínio cognitivo.

A ressalva do órgão regulador americano se deve ao questionamento de parte da comunidade cientifica americana sobre os benefícios da droga. A dúvida consiste no fato de que se a remoção dessas substâncias, que podem ser comprovadas com exames, traria realmente benefícios sobre o declínio cognitivo ou apenas estacionaria a doença.

O que a farmacêutica Biogen e seu parceiro japonês Eisai, que desenvolveram a droga, não explicaram, ou pelo menos o fazem de forma superficial, é que este medicamento tem como alvo a fase sintomática mais precoce da doença, chamada de comprometimento cognitivo leve devido ao Alzheimer.

"O tratamento deste período pré-demência é o que a FDA está decidindo", afirmou Richard Isaacson, diretor da Clínica de Prevenção de Alzheimer na Weill Cornell Medicine and NewYork-Presbyterian em Nova York, que teve pacientes nos estudos clínicos originais com aducanumabe.

Assim, o FDA solicitou novos estudos para a aprovação definitiva, mas mesmo assim a empresa já solicitou autorização para comercialização da droga em diversos países, inclusive no nosso.

Por enquanto somente se pode afirmar que para aqueles com comprometimento cognitivo leve e suas famílias, a droga trouxe esperanças. Os demais, ainda devem moderar as expectativas.

Outro ponto é o diagnóstico precoce.

Visto que essas substâncias que se depositam no cérebro podem ser identificadas em exames complementares, torna-se agora fundamental o diagnóstico preciso e precoce da doença.

A etapa principal do diagnóstico dessa forma de demência é o exame clínico associado a testes de rastreio cognitivo, exames laboratoriais e de imagem. Essa combinação permite hoje uma acurácia diagnóstica bastante elevada.

Apesar disso, estima-se que aproximadamente 50% dos clínicos no mundo inteiro não fazem diagnóstico de demência em estágio inicial.

Assim, torna-se fundamental que os familiares solicitem de seus médicos exames laboratoriais e de imagem para que seja estabelecido um diagnóstico preciso.

O mundo não pode mais prescindir de cérebros que se foram antes da morte como o de Ronald Reagan, Winston Churchill e Willian Hanna.

O filme "Para Sempre Alice" retrata a vida de uma renomada professora de linguística vivendo o estágio inicial de Alzheimer. E assim sendo, aprendendo segundo ela, a arte de perder todos os dias. Perdendo seus modos, perdendo objetos, perdendo sono e, acima de tudo, perdendo memórias.

Nele fica claro que o Alzheimer faz com que até nossos mais profundos sentimentos por alguém sejam esquecidos e deletados de nossa lembrança.

Isso não pode mais ser assim. É cruel demais.

Oremos para que o aducanumabe e novos remédios realizem o que propõem. Merecemos destino melhor!