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Dante Senra

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As tragédias não vêm apenas do céu

Bombeiros realizam buscas na Vila dos Milagres, em Recife, após chuvas fortes - Sergio Maranhao/AFP
Bombeiros realizam buscas na Vila dos Milagres, em Recife, após chuvas fortes Imagem: Sergio Maranhao/AFP

Colunista do UOL

12/06/2022 04h00

Neste mundo distópico, com uma capacidade que parece infinita de agredir, corremos o risco de nos acostumar e perdermos nossa capacidade de indignação com o sofrimento alheio. Tudo que é comum demais passa a ser "normal".

Quer por erro de avaliação, quer por mecanismo de defesa, a pandemia já não preocupa mais. Até essa guerra insana (todas são) já saiu do noticiário.

Talvez porque tenhamos aqui nossa guerra diária pela sobrevivência com atendimento à saúde precário, uma educação que não prepara, desemprego ou subemprego com um mercado de trabalho que paga mal e não permite uma vida digna.

Somos um país moldado pela corrupção e privilégios. Temos a violência dos serviços públicos, a violência urbana e até a violência familiar. Não à toa, temos o maior número de UTIs do mundo.

A fome voltou no Brasil.

A falta de alimentos e moradia digna tornaram-se realidade para milhares de famílias brasileiras. A principal determinante para os elevados níveis de pobreza que afligem a sociedade brasileira é a desigualdade da renda e das oportunidades de inclusão econômica e social.

Antes da pandemia, havia 57 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar no país, sem acesso pleno e permanente a alimentos; em abril de 2021, 116,8 milhões de pessoas passaram a viver em insegurança alimentar, sendo que 43,3 milhões não tem acesso aos alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada) e 19 milhões passam fome (insegurança alimentar grave), segundo pesquisa da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), realizada em dezembro de 2020.

Assim, estamos assistindo inertes a fragilidade dos avanços sociais, ainda agravado pelo discurso de ódio entre os brasileiros.

A narrativa de que tudo piorou no mundo inteiro, embora em parte verdadeira, não pode abrandar nosso espírito e acalmar nossos corações.

Um recente estudo de Oxford da conta que nos próximos anos o mundo produzirá 1 milhão de pessoas em estado de extrema pobreza a cada 30 horas e no mesmo período também produzira um bilionário. Como construir uma sociedade assim?

Mas e no Brasil? "O país do futuro" com infinitas riquezas?

O Brasil é um país muito rico em recursos naturais. Um dos mais ricos em biodiversidade. É um dos 17 países que, juntos, possuem 70% da biodiversidade do planeta. O conjunto dos biomas terrestres brasileiros (Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado, Caatinga e Pampa) abriga cerca de 20% de todas as espécies de animais e plantas do planeta.

Extremamente rico em reservas naturais. Para citar as principais: temos bauxita, cobre, estanho, ferro, manganês, nióbio, níquel, ouro, gás natural, potássio, calcário, alumínio, diamante, cromo, urânio, entre outros.

Somos o 13° maior país do mundo em reservas de petróleo. São estimadas em 20 bilhões de barris (reservas 3P - provadas, prováveis e possíveis).

Temos a Amazônia. As estimativas situam a região como a maior reserva de madeira tropical do mundo. Seus recursos naturais —que, além da madeira, incluem enormes estoques de borracha e castanha, por exemplo— representam uma abundante fonte de riqueza natural. O rio Amazonas detém o pódio de maior rio em volume de água do mundo. Nele, é encontrado o maior peixe de água doce do mundo, o pirarucu.

Temos luz solar o ano inteiro.

Nosso solo é considerado de qualidade para a agricultura, fazendo do agronegócio uma grande força para economia do país.

A água é um dos principais ativos do país. O Brasil possui 12% das águas superficiais disponíveis no planeta. A maior bacia hidrográfica do planeta é a bacia amazônica.

A pecuária brasileira é considerada uma das mais produtivas em todo o mundo. O Brasil é um dos maiores exportadores de carne bovina e por isso, a pecuária tem grande relevância e é um dos grandes pilares econômicos do Brasil empregando mais de um milhão e meio de pessoas.

Não temos vulcões, tsunamis ou furacões e não estamos sobre nenhuma placa tectônica.

Mas temos o descaso. O descaso com a pobreza e a exclusão.

A pobreza e a extrema pobreza continuam, ano após ano, a ser uma grande marca na sociedade brasileira. Segundo os dados mais recentes do IBGE, o país tem 13,5 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza, de acordo com critérios do Banco Mundial. Somadas aos que estão na linha da pobreza, chegam a 25% da população do país.

Um quarto da população brasileira, 52,7 milhões de pessoas, vive em situação de pobreza ou extrema pobreza.
Não se fala das mortes que a pobreza produz.

O que significa não ter saúde, não ter emprego, não ter comida? É morrer cedo nas filas dos hospitais e nas encostas dos morros.

Esta semana assistimos mais uma vez a morte trágica de 128 pessoas em Pernambuco e se diz que é porque choveu demais.

Em fevereiro, 233 mortos e mais de 600 desabrigados em Petrópolis após chuvas fortes.

O Brasil tem registrado sucessivos desastres pós-chuvas. O maior deles ocorreu na Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011, e deixou cerca de 900 mortos.

Três em cada dez moradias da região metropolitana de São Paulo, com exceção da capital paulista, estão em áreas de risco, ou seja, locais com grande probabilidade de inundações, escorregamentos e erosões. Foi o que revelou o estudo Mapeamentos de Risco nas Escalas Regional e Local, no seminário Estratégias para Redução de Riscos e Desastres a Eventos Geodinâmicos.

Um estudo do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e do IBGE, publicado em 2018, com base no Censo de 2010, contabilizou pelo menos 6,2 milhões de pessoas morando em áreas sujeitas a deslizamentos de terra no país. Destes, 9,2% são crianças menores de 5 anos de idade e idosos com mais de 60 anos.

A vida em áreas de risco está quase sempre ligada à precarização socioeconômica a qual a população é submetida sobrando para as classes menos favorecidas viverem em encostas e locais distantes de grandes centros.

Assim amigos, não foi a chuva que matou essas pessoas, mas o descaso. O descaso das "autoridades". O descaso da sociedade. O descaso do país do futuro. Futuro que nunca chegará para estes brasileiros que nasceram em um país rico, mas pobre em responsabilidade e consciência.