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Dante Senra

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Remédios para o estômago: será que posso tomar tranquilamente?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

22/08/2021 04h00

Na minha época de recém-formado, e lá se vão algumas décadas, era difícil encontrar uma família em que não houvesse uma pessoa operada do estômago.

Assim como era quase impossível um plantão na UTI em que não houvesse pacientes internados com hemorragias ou perfurações e obstruções provocadas por complicações de úlceras gástricas ou duodenais.

Por sorte, logo surgiram os antiácidos e em seguida os medicamentos chamados antagonistas dos receptores de H2 da histamina (tagamet, zylium, antak dentre outros).

Em 1988, foi lançado na Europa outro potente grupo de medicamentos para este fim, chamados inibidores da bomba de prótons (IBPs), e um ano depois nos EUA. Eles tornaram-se rapidamente os medicamentos mais utilizados mundialmente para o tratamento das doenças ácido-pépticas.

No mercado, atualmente, existem seis representante desta classe: omeprazol, lansoprazol, pantoprazol, rabeprazol, esomeprazol e dexlansoprazol.

Tornaram-se rapidamente a terceira classe de medicamentos mais vendida dos Estados Unidos, superada apenas pelos antipsicóticos e pelas estatinas, atingindo mais de 100 milhões de receitas médicas anualmente.

Estima-se que se considerarmos a automedicação com este produto o número deva triplicar, o que movimentaria um mercado de quase US$ 20 bilhões apenas nos EUA. No Reino Unido, são mais de 50 milhões de prescrições desse tipo anualmente, e no Brasil estima-se que esse número seja o dobro disso.

É indiscutível que o advento dessas medicações para controle da hiperacidez gástrica trouxe qualidade de vida aos pacientes, o que certamente induz ao uso deliberado de automedicação, o uso por demais prolongado e as vezes até de forma contínua.

Efeitos colaterais possíveis

Como não há medicamentos sem efeitos adversos, muito tem-se discutido sobre o assunto, inclusive relacionando o seu uso com câncer de estomago, doença de Alzheimer, deficiência de vitaminas e de ferro.

Em geral, os IBPs causam notavelmente poucos efeitos adversos. Menos de 3% dos pacientes relatam efeitos colaterais inespecíficos no trato gastrintestinal, como náuseas, diarreia, prisão de ventre e flatulência.

Alguns efeitos no sistema central como dores de cabeça, tontura e sonolência são possíveis, mas ainda mais raros. Também já foram relatadas dores musculares, dores nas articulações e exantemas cutâneos (manchas na pele).

Há de se considerar também a possibilidade de uma correlação entre esses medicamentos e algumas doenças renais (nefrite intersticial aguda e progressão da doença renal crônica), mas ainda são necessários mais estudos clínicos para consolidar as evidências dessa ligação causal.

Podem causar Alzheimer?

Outra preocupação com o uso destes medicamentos diz respeito com a associação do seu uso crônico e a doença de Alzheimer.

Diversos estudos, dentre eles um finlandês publicado, pela American Journal of Gastroenterology em 2018 que avaliou quase 300 mil pacientes, concluiu que não existe nenhuma associação consistente, nem clinicamente significativa entre o uso de IBP e o risco de Alzheimer.

Entretanto, o uso desses medicamentos pode levar à má absorção de vitamina B12 no organismo, o que em alguns casos pode desencadear um tipo de demência que felizmente pela característica é evitável e reversível.

Esta foi a conclusão dos Pesquisadores da Division of Research do Kaiser Permanente, Oakland Medical Center, estudo publicado no Jama.

Além da demência, a deficiência de vitamina B12 pode causar anemia, dificuldades de locomoção, formigamentos nas mãos, pés e pernas, fraqueza muscular e até infertilidade.

Portanto, se faz uso crônico destes medicamentos, peça a seu médico a dosagem desta vitamina no seu próximo exame de sangue.

Podem causar câncer?

Outra grande preocupação é se esta medicação estaria associada ao aparecimento de câncer gástrico.
Até agora, não há uma comprovação de causa/efeito confirmada, e assim não é possível mostrar a relação direta do uso de medicamentos comumente usados no tratamento de gastrite, úlceras estomacais e refluxo com o desenvolvimento do câncer.

Mas existem, sim, alguns estudos mostrando que o uso prolongado inibidores de bomba de próton possa aumentar a incidência de tumores.

Um novo estudo desenvolvido em conjunto por pesquisadores das Universidades de Hong Kong e da University College de Londres publicado recentemente na revista médica de gastroenterologia chamada GUT traz novamente este alerta.

Segundo a pesquisa, esses medicamentos poderiam aumentar em até 2,5 vezes o risco de desenvolver a doença.

No estudo de Hong Kong, entretanto, além do "viés geográfico" por apresentar "riscos específicos para câncer de estômago que são bem conhecidos em pacientes asiáticos, não exclui na pesquisa outros fatores de risco para o câncer de estômago como histórico familiar, tabagismo, alcoolismo, obesidade entre outros e, portanto, sofreu muitas críticas da comunidade médica.

Assim a pesquisa mostra apenas uma correlação estatística, já que o câncer pode ter sido causado por outros fatores. Mas os resultados podem servir de alerta para o uso crônico desses medicamentos.

Portanto, novamente se você faz uso crônico destes medicamentos, discuta com seu médico a possibilidade de uma endoscopia digestiva com certa periodicidade.

É indiscutível que o controle das doenças ácido-pépticas traz mais qualidade de vida aos pacientes e previne complicações, mas a automedicação e o uso crônico destes medicamentos sem acompanhamento podem trazer mais problemas do que benefícios.

Estes estudos fazem as sociedades de gastroenterologia recomendarem cautela com a prescrição de uso crônico destes medicamentos, assim como deve ser com qualquer medicação.