Topo

Lavagem da Madeleine chega à sua 19ª edição homenageando escritoras negras e indígenas

A Igreja de Madeleine fica em Paris e terá nesse ano a 19ª edição de sua lavagem - Pierre Suu/Getty Images
A Igreja de Madeleine fica em Paris e terá nesse ano a 19ª edição de sua lavagem Imagem: Pierre Suu/Getty Images

11/09/2020 14h20

A já tradicional festa baiana em Paris, a Lavagem da Madeleine, chega à sua 19ª edição depois de amanhã, apesar da pandemia de covid-19. E, pela segunda vez, a Lavagem conta com a a ala Mulheres da Resistência, criada por Nellma Barreto, que este ano homenageia escritoras negras e indígenas, como Carolina de Jesus, Sônia Guajajara, cacica Kerexu Yxapyry, Esperança Garcia, Célia Xakriaba e Joice Berth, entre outras.

"A ala representa a força, a luta, a resistência da mulher. Ela vem homenageando grandes mulheres da história brasileira e francesas. Mulheres estas que fizeram e continuam fazendo História", diz Nellma.

Ela conta que a ideia para o desfile deste ano surgiu logo após a estreia da ala na Lavagem, no ano passado: "Logo após o primeiro desfile da Ala Mulheres da Resistência, na Lavagem da Madaleine de 2019, as participantes do grupo sugeriram que se homenageassem escritoras. A ideia foi sendo amadurecida e evoluiu para escritoras indígenas, que são luta e resistência, e as escritoras pretas, que são pouco divulgadas, pouco lembradas", explica.

As mulheres, membros do coletivo de mesmo nome, ajudaram na escolha dos 15 nomes a serem homenageados.

Mães do Brasil

Nellma explica as escolhas de escritoras e pensadoras indígenas:

"As índias são as mães do Brasil, foram elas que chegaram primeiro, antes de nós. E continuam lutando, como é o caso da Sônia Guajajara, da Célia Xakriaba, entre outras, que continuam nesta luta para encontrarem o seu lugar na sociedade, mesmo que elas já estivessem lá. A homenagem a elas é mais do que válida, é um reconhecimento a estas mulheres que estão resistindo e protegendo o nosso bem maior, que é a nossa Amazônia."

Sobre as escritoras negras, Nellma volta às origens da Lavagem, inspirada na tradicional Lavagem do Bonfim, que ocorre em Salvador, Bahia, desde 1754.

"A escolha de escritoras pretas é devido à Lavagem em si, que o Robertinho [Chaves, criador da Lavage de la Madeleine] trouxe, se inspirando na Lavagem do Senhor do Bonfim, que é uma festa do nosso povo, uma festa de preto, da diversidade, da ancestralidade".

Mas, lamenta Nellma, apesar da decisão, não havia muitos nomes propostos: "As escolhas foram difíceis porque eu ouvia sempre dos membros do grupo que existiam poucas".

"Este ano eu tentei seguir a linha do ano passado, de homenagear mulheres que vieram antes, que abriram o caminho para nós na história, mas — e isso me doeu —, na busca destas escritoras pretas do passado, foram poucas encontradas. Eu cheguei à conclusão de que elas foram apagadas, silenciadas, não tiveram a oportunidade de deixar os nomes delas na história. Isso me marcou muito", conta.

Lavagem com Covid

Nellma Barreto diz que, apesar de terem conseguido autorização para fazer a Lavagem da Madeleine este ano, ela será reduzida tanto em participação, quanto em trajeto.

"Este ano teremos uma lavagem especial, vai ser simbólica. Não teremos o cortejo que saía da Praça da República e ia até a Igreja da Madeleine. O evento vai ser realizado com todas as medidas de precaução, com máscaras, com gel, com barreiras... vamos fazer o cortejo dando voltas em torno da igreja", explica.

Mas, segundo ela, a pandemia não impede a Lavagem de trazer a cada ano surpresas para o público.

"Os grupos foram reduzidos, as alas virão com menos pessoas. Ma teremos a volta do mestre Leto, que não participava há mais de cinco anos, e vai trazer o seu grupo de maracatu. E outras surpresas que vão acontecer ao longo da cerimônia, como a homenagem ao ex-embaixador [do Brasil na França] Paulo César Campos, morto este ano, que foi alguém que esteve sempre presente conosco, abraçando e apoiando o evento", conta.

Apesar de a ala criada por Nellma ser exclusiva para mulheres, alguns homens pedem para participar também, como voluntários. E são bem-vindos, informa a organizadora.

"Eles vão nas laterais, fornecendo água, fazendo a segurança das participantes — para ninguém invadir a nossa ala. Eles vestirão camisetas com os nomes das mulheres homenageadas. Nas reuniões antes da Lavagem, os chamamos para que entendam quem foram ou são aquelas mulheres homenageadas. Conhecer sua história, entender um pouco a nossa luta e para trazê-los para um meio feminista. Para que compreendam que a nossa luta não é uma guerra contra eles, mas por direitos iguais", afirma Nellma.

A lavagem é gratuita e começa às 13h na parte de trás da Igreja da Madeleine. Logo após a cerimônia simbólica da lavagem das escadarias da Igreja - com presenças de um padre católico e um pai de santo — haverá um show com músicos brasileiros que moram em Paris.

"A nossa resistência é diária", finaliza Nellma, que é também uma das personagens do filme "Madeleines", da cineasta baiana radicada em Paris Liliane Reis. Uma parte do filme será gravada durante o evento deste ano e estreará em 2021, quando a Lavagem completará 20 anos.