Kenzo Takada, o "parisiense" dos estilistas japoneses, lança autobiografia
Kenzo Takada celebra 80 anos de idade com um livro no qual retraça sua carreira.
Mesmo se há quase 20 anos ele não é mais o dono de sua marca, que pertence desde a década de 1990 ao grupo de luxo LVMH, Kenzo Takada continua em plena atividade. Entre colaborações na área da decoração de interior, projetos como pintor e a criação de perfumes (como uma linha lançada com a Avon disponível no Brasil), ele não parece disposto a se aposentar.
Esse dinamismo faz parte de sua personalidade, mesmo se sua imagem discreta e sempre impecável nos leva a crer o contrário. Mas basta dar uma olhada no retrovisor para entender que essa fachada de bom moço esconde um festeiro de primeira.
Cliente assíduo do Sept, do Palace e do Bains-Douche, as discotecas que marcaram a noite parisiense nos anos 1970 e 1980, ele chegou a fazer um desfile para marcar a abertura do Studio 54 em Nova York, em 1977, e vivia cercado por nomes como Grace Jones ou Jerry Hall, outras baladeiras de carteirinha.
“Os anos 70 foram geniais! Éramos livres e podíamos fazer tudo. Era realmente uma festa”, se lembra, sem esconder a saudade dessa época, quando descobriu uma vida bem mais agitada que em seu Japão natal.
Essa alegria ele levou para as passarelas, fazendo as modelos dançarem durante os desfiles, ou até entrarem em cena montadas a cavalo, como na apresentação da coleção outono-inverno 78-79.
Pioneiro, ele também abriu o caminho para toda uma geração de estilistas japoneses, de Issey Miyake a Yojhi Yamamoto, passando por Rei Kawabuko, que desembarcaram em Paris em seguida. Mas ao contrário de seus compatriotas, que defendiam uma moda muitas vezes sombria e mais conceitual, Kenzo queria que suas criações fossem usadas por todos, contribuindo assim para a democratização que a moda viveu a partir do final dos anos 1970.
Em uma entrevista exclusiva concedida à "RFI" em seu escritório em Paris, ele fala sobre sua trajetória e o livro assinado com Kazuko e Chihiro Masui.
RFI – Esse livro traz, entre outras coisas, mais de 300 imagens que nos contam sua história, mas também seu talento de desenhista. Foi graças aos seus desenhos que o senhor começou na moda, não é mesmo?
Kenzo Takada – Quando eu cheguei em Paris, em 1965, após ter sido um dos primeiros garotos a estudar na Bunka (uma das principais escolas de moda de Tóquio, que um ano antes de sua chegada só aceitava meninas), nunca pensei que pudesse trabalhar nessa área. Estava na França em férias e queria apenas ver como as parisienses se vestiam. Mas depois de uns seis meses decidi ficar. Então fiz alguns desenhos e bati na porta da maison de alta-costura de Louis Féraud, onde propus meu trabalho. A mulher dele olhou meus desenhos e comprou cinco! Foi assim que tudo começou.
RFI – O senhor também publica nesse livro as primeiras cartas que enviou para sua mãe quando desembarcou na capital francesa. Na época, o senhor dizia que não conseguia nem dormir nos primeiros dias, tamanha era a excitação ao descobrir a cidade. Paris ainda o encanta?
KT – Como eu moro aqui há mais de 50 anos, me acostumei. Mas no final da tarde, quando passo pela praça da Concorde, pelo Grand Palais ou pelo rio Sena, sempre digo "uau, isso é realmente muito lindo". Eu continuo apaixonado por Paris.
RFI – O senhor diz frequentemente que Paris lhe deu a liberdade para criar. Por quê?
KT – No Japão tudo é muito protocolar. Já em Paris, como eu não conhecia ninguém, fazia o que queria. Para mim foi uma liberdade total. Foi por essa razão que eu quis ficar em Paris. Claro que foi por causa da moda, mas também por essa liberdade.
RFI – Nos anos 1970, quando o senhor lançou sua marca, que na época se chamava Jungle Jap, a imprensa aderiu imediatamente. Logo começaram a identificá-lo por causa das estampas de flores, que na verdade não tinham nenhuma influência do movimento hippie, como alguns disseram.
KT – Antes da abertura da primeira loja, eu seguia a fio as tendências da alta-costura, sempre muito sóbria e estruturada. Mas depois comecei a procurar minha própria identidade e a me questionar sobre o que conhecia melhor do que os estilistas franceses. Como eu sou japonês, tinha que aproveitar minha cultura. Então eu voltei ao Japão, comprei tecidos de quimono, alguns acessórios e também muito tecido de algodão em lojas populares de Paris, com os quais eu fiz vários vestidos. As estampas de flores, que vinham dos quimonos, eram algo raro em Paris naquela época. Acho que foi isso que deu o frescor às coleções.
RFI – Esse frescor vinha também dos desfiles bastante festivos. A performance também era uma maneira de se diferenciar?
KT – Na verdade, no começo eu contratava apenas modelos fotográficas, que não sabiam desfilar. Então eu disse que invés de caminhar como as demais, elas podiam dançar na passarela. Foi assim que os desfiles viraram uma espécie de festa. Além disso, sempre tinha champanhe circulando nos bastidores, o que deixava todo mundo animado e mais espontâneo.
RFI – Apesar dessa paixão pela moda e essa dimensão festiva, o senhor vendeu sua marca há quase 20 anos. Não sente falta da animação dos desfiles?
KT – Eu adorava aquela euforia, mas ao mesmo tempo era exaustivo. Era uma grande responsabilidade e uma pressão enorme. E eu fiz isso durante 30 anos ! Então em um determinado momento eu quis parar. Às vezes sinto falta, só que não dá para ter tudo na vida.
RFI – A saída de sua própria marca também coincide com a época em que o marketing começou a pesar cada vez mais no mundo da moda. Esse poder dos marqueteiros era algo que o incomodava?
KT – É muito difícil fazer algo que seja ao mesmo tempo muito criativo e muito comercial. E é preciso ter os dois lados. Confesso que nos anos 1970 eu não me preocupava com os negócios. Apenas com os desfiles e as festas. Com a chegada dos anos 1980, eu tive que organizar minha empresa e pensar mais no lado comercial. A coisa cresceu e os negócios prosperaram. Mas aí os jornalistas começaram e dizer que eu estava ficando comercial demais.
RFI – Como o senhor vê a moda contemporânea?
KT – Houve mudanças enormes. Nos anos 1970 tínhamos que esperar dois ou até três meses para ver as fotos de um desfile. Hoje vemos tudo imediatamente. A comunicação é muito rápida e acho isso muito bom. Mas, ao mesmo tempo, falta um pouco de diversidade. Antes, quando eu ia ao Japão ou ao Brasil, por exemplo, sempre descobria uma moda diferente. Hoje quando viajo encontro as mesmas lojas e os mesmos modelos em todos os lugares. E isso é uma pena, mesmo se entendo que a moda se tornou uma indústria muito importante.
RFI – O senhor sempre se inspirou de uma certa forma de exotismo. O que o inspira hoje?
KT – Eu preciso continuar trabalhando com equipes jovens, estar em contato com o que acontece nas ruas. Minha inspiração está em Paris, mas também em exposições, no cinema, nos museus, nos livros... Minha inspiração está em toda a parte.
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