'Acham que quero destruir os homens', mas ela só faz perguntas sobre sexo

Sozinha com uma câmera, um tripé e um microfone, Anaterra Oliveira tem feito barulho na internet. Seus vídeos entrevistando homens e mulheres pelas ruas do Rio de Janeiro têm gerado uma série de debates sobre como os dois gêneros encaram de sexualidade ao cuidado com os filhos.

Tudo começou em 2023 quando a vontade de migrar do teatro para a psicologia alinhada à superação de um relacionamento abusivo e a venda de produtos de sexshop de mesa em mesa nos bares da cidade levantou na influenciadora uma série de questionamentos sobre o papel de homens e mulheres na sociedade.

"Foi aí que eu pensei 'deixa eu mostrar para vocês esse negócio aqui que eu descobri' e comecei a filmar para mostrar que muitas coisas que os homens falam não são normais", comentou Anaterra.

Em entrevista a Universa ela relembrou os motivos que a fizeram migrar das ruas —seu local de trabalho natural com o teatro— para a internet e o que ela anda aprendendo e ensinando sobre tudo isso.

Universa: Um dos motivos de você ter começado a fazer os vídeos na internet foi o fato de você ter passado por um relacionamento abusivo. Como foi esse período?
Anaterra Oliveira:
A principal coisa que me fez ver que eu estava em um relacionamento abusivo foi a terapia. Cresci em um lar disfuncional e quando isso acontece você atrela a violência ao amor e acredita que quando uma pessoa te agride ela não deixa de te amar.

'Eu te bato, mas eu te amo', muitas crianças escutam essa frase. E a terapia foi me fazendo questionar isso.

Quando o amor dos seus pais está atrelado à violência física e psicológica, muitas vezes isso se reflete nos seus relacionamentos afetivos e amorosos. Esse relacionamento foi muito conflitante porque ao mesmo tempo que teve uma agressão física, tinha muito carinho, afeto e amor.

Você comentou que cresceu em um lar disfuncional. Como foi isso?
Agressão física, psicológica, pai ausente e minha mãe foi mãe pela primeira vez aos 18 anos. Nasci quando ela tinha 20 e minha terceira irmã nasceu quando ela tinha 25. Ela recorria muitas vezes à violência física, psicológica.

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Também fui abusada sexualmente por uma pessoa da família. Então, quando falo que foi um lar disfuncional, falo nesse sentido.

Estava num ambiente de muito álcool vivendo com minhas irmãs sozinha em casa e a gente aprendeu a se apoiar, se cuidar.

E como a venda de produtos de sexshop influenciou a criação dos seus vídeos?
Acho o vibrador uma ferramenta de emancipação feminina. Quando a gente pega o vibrador a gente está se conhecendo, não está simplesmente entregando nosso prazer na mão do outro. Com meu primeiro vibrador eu descobri que podia ter orgasmos muito maiores e melhores sozinha.

Pensei: 'Caramba, as mulheres não estão conseguindo gozar e com o vibrador você consegue fazer isso tão fácil, eu quero vender isso'.

Então ia nos bares, em cada mesa, e vendia os vibradores baratinhos, tinha vibrador de 20 reais. Até o primeiro vídeo que gravei foi para divulgar minha loja e o negócio explodiu no Twitter e começou a ter mais repercussão.

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Como assim as mulheres não estão gozando? Como assim só o homem goza? Nós temos capacidades de orgasmo muito maiores, podemos ter um orgasmo andando de bicicleta. A gente só não estuda e não acessa essa capacidade por pressões sociais.

Alguns comentários nos seus vídeos sugerem que você combina as respostas com as pessoas que entrevista. Como é esse processo de abordagem dos entrevistados?
Ao contrário do que as pessoas falam, que só seleciono as piores respostas, tenho que selecionar as melhores, tem dias que só tem resposta absurda. Gravei um vídeo sobre métodos contraceptivos e perguntei sobre um método específico e ninguém acertou. Tive que chamar uma médica para explicar.

Temas relacionados à sexualidade é mais difícil encontrar pessoas que queiram participar porque elas têm vergonha, mas o processo de gravação varia de duas a quatro horas dependendo do tema e do lugar onde gravo.

As pessoas acham que quero acabar com a imagem dos homens, que quero destruir os homens. Mas eu só pergunto a mesma coisa para homens e para mulheres.

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Tem alguma experiência que te marcou mais durante as gravações?
Cada experiência é única, mas acho que o que me marcou mais foi um dia que fiz um vídeo perguntando quantos parceiros no máximo a mulher tem que ter tido para poder namorar com o cara e vi nos comentários um homem dizendo que quando a mulher tem muita relação a vagina dela fica larga e daí tirei um tema para outro vídeo.

E um dos homens que entrevistei se sentiu confortável o suficiente para passar a mão na minha cintura e para perguntar se eu era apertada ou larga, o que foi claramente uma situação de assédio.

Fiquei muito impactada, me perguntando se a pessoa tem coragem de falar isso na frente de uma câmera, o que ela não tem coragem de fazer quando não está sendo filmada?

E quando acabou a entrevista ele me disse que falou o que muito homem não tem coragem de dizer, ele achou que tinha arrasado. Então, o que me marcou mais foi essa capacidade que eles têm de falar as coisas e achar que estão sendo incríveis falando isso.

E de onde surgem as ideias de pauta?
Da vida, de questões pessoais, questões de pessoas próximas. Costumo dizer que o processo de gravação dos vídeos é um processo terapêutico, levo muito para a rua e para a tela questões que me afetam.

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Através das suas conversas, como você percebe que o machismo impacta a vida das mulheres?
O machismo impacta em tudo na vida das mulheres, a forma como elas criam os filhos e filhas, o ambiente de trabalho, impacta o simples fato de elas andarem na rua, mas impacta na vida dos homens também.

Teve um vídeo que fiz perguntando para os homens e para as mulheres quando foi a última vez que você chorou. A maioria dos homens não se lembrava quando tinha chorado e só lembrava de chorar quando morria alguém próximo dele. Então, os homens muitas vezes não se permitem expressar seus sentimentos.

O machismo faz com que o homem engula esse choro porque como homem ele tem que performar uma masculinidade que o afeta e também afeta as mulheres que se relacionam com eles.

Para você, qual a principal importância dos seus vídeos?
A importância de ser mais uma peça no quebra-cabeça, não é a pretensão de ser a mudança na vida das pessoas, mas é a pretensão de fazer com que as pessoas reflitam, é fazer com que elas pensem porque uma mulher é cobrada de uma forma e o homem é cobrado de outra.

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