Que tal investir mais no seu filho e menos em brinquedos?

Proposta para este Dia das Crianças: oferecer um presente que não tem custo financeiro e que aumenta, significativamente, as chances de seu filho ter melhor desempenho escolar, maior sociabilidade, ganho cognitivo e de linguagem, maior renda no trabalho no futuro, enfim, de ser mais feliz. Só há um detalhe - requer energia e dedicação diária.

Que presente é esse? Brincar!

"Brincar é tão importante quanto comer, tomar banho e dormir", afirma Luiza Menezes, pediatra especializada em saúde mental infantil. "Costumo dizer que brincar é o idioma da infância, pois é a maneira pela qual a criança observa o mundo externo e expressa aquilo que sente internamente." E exemplifica: "Alguém que tem dificuldade em brincar sozinha, talvez tenha uma questão ligada à imaginação. Assim como uma criança que compartilha seus brinquedos com os amigos, provavelmente já incorporou essa atitude positiva".

Segundo Lúcia Rosenberg, psicóloga e autora do livro "Cordão Mágico - Histórias de Mãe e Filhos", "brincar ensina a desenvolver espírito de equipe e autoconfiança. Brincando juntos, ensinamos às crianças a vencerem sem arrogância e a perderem sem humilhação."

O tema ganhou tanta importância que, em 2018, passou a ser recomendado pela Academia Americana de Pediatria como instrumento fundamental para o desenvolvimento saudável da criança, cuja prescrição pode ser resumida como "Brinque com seu filho todos os dias".

Brincar com qualidade

Basicamente, ter qualidade no brincar significa o adulto estar presente totalmente para a criança, dedicando tempo e atenção exclusivos a ela. Segundo Elisa Altafim, psicóloga e doutora em saúde mental, "É preciso colocar a criança no centro, no papel de protagonista", ou seja, devemos observar o modo como brincamos. "Muitas vezes, na melhor das intenções, a mãe executa a brincadeira no lugar do filho, faz por ele, deixando-o num papel passivo. Outras vezes, o pai grita com a criança, sem perceber".

Estar presente totalmente não significa montar brincadeiras com regras o tempo todo, como lembra Luiza Menezes: "Muitas vezes, não é preciso estruturar a brincadeira. Basta deixar as crianças livres para irem criando, entrando em acordo - e para isso, não há ambiente melhor que a natureza".

Viver perto da natureza foi, segundo Lúcia Pereira, um privilégio para sua filha Marineide, nos primeiros 2 anos de vida. "Vivemos no sítio de minha família em Ipiaú (interior do estado da Bahia). Lá, ela estava cercada pelos avós, tios, primas e brincava livremente, inclusive com os objetos mais simples. Era madeira, colher de pau, árvore, terra..., mas depois, tive que voltar a trabalhar em São Paulo e ela passou a ficar as tardes com a vizinha. E lá, só via televisão com mais outra criança" - lamenta.

Telas, seja a da televisão, do celular, do tablet ou do computador, é um dos assuntos mais acalorados nas rodas de conversas dos pais. São muitas as opiniões sobre a maneira como os filhos consomem os conteúdos digitais e diante delas, vale citar o que a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda: antes dos dois anos, evitar a exposição a qualquer tipo de tela, mesmo que passivamente. Dos dois aos cinco, limitar ao máximo de uma hora por dia e sempre com supervisão de um adulto. São muitas as razões para essa limitação, especialmente na primeira infância, mas uma é bastante simples: "ficar perante uma tela significa deixar de correr, de interagir, de conversar para se chegar a um lugar em comum - o que prejudica o desenvolvimento", pontua a doutora Elisa.

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Outro tema relevante é o número de brinquedos que uma criança deve ter. "A quantidade não é proporcional à qualidade do brincar e do aprendizado", diz Luiza. Esse conceito parece ser corroborado por um estudo recente com 36 crianças menores de três anos, feito pela Universidade de Toledo (EUA), que comparou a qualidade do brincar com quatro e com 16 brinquedos. Com a quantidade menor, elas tiveram interações por um período maior, permitindo maior atenção e criatividade em cada atividade.

Como brincar se os adultos têm pouco tempo?

Luciana Barros e seu filho Artur, então com 12 meses. A família saiu da cidade de São Paulo e se mudou para Joanópolis (Serra da Mantiqueira) para que o filho ficasse em contato maior com a natureza
Luciana Barros e seu filho Artur, então com 12 meses. A família saiu da cidade de São Paulo e se mudou para Joanópolis (Serra da Mantiqueira) para que o filho ficasse em contato maior com a natureza Imagem: Mario Sene

Para a psicóloga Elisa Altafim, é fundamental que os pais entendam que brincar fortalece os laços e que é um meio de a criança entender os valores da família. "Hoje é muito comum os filhos pequenos irem à escola de manhã e só voltar no fim do dia. Mesmo que eles brinquem com os amiguinhos na escola, é importante que os pais reservem um tempo para brincar à noite e no fim de semana". E dá uma dica para a escassez de tempo: "O brincar pode acontecer em qualquer momento - cantando durante o banho, competindo no Quem se veste mais rápido, brincando de Adivinha no caminho da escola". Ela se lembra de um relato bastante ilustrativo, em que perguntou para uma família "Qual foi o momento mais divertido que tiveram juntos até hoje?". Os pais responderam: "Quando fomos ao parque de diversão". Já a criança disse: "Quando fizemos uma festa na cozinha, só eu, meus pais e meu irmão". A psicóloga observa que os pais costumam lembrar de momentos mais grandiosos, já as crianças, dos momentos em que há a presença, a interação verdadeira com a família.

Uma outra dica, segundo ela, é brincar de algo que o adulto também gosta. Assim, a diversão é mútua. Felipe Naufel, de 37 anos, pai de Joaquim, de dois anos, segue essa dica. Ele gosta de tocar instrumentos musicais com seu filho. "O Joca pega a bateria e eu, o violão. E aí é uma barulheira só! Me divirto muito com isso!". Ele também se lembra de suas brincadeiras de infância as quais reproduz com seu filho. "Quando jogo bola com o Joca, revivo os momentos quando meu pai jogava comigo. E isso é positivo".

Os primeiros anos de vida são uma oportunidade

Além de criar uma conexão fundamental com a criança, brincar estimula o aprendizado especialmente na primeira infância, período que vai do nascimento aos 6 anos de idade, pois em nenhuma outra fase, o cérebro aprende tanto. Segundo Charles Nelson, neurocientista e professor de Pediatria na Universidade de Harvard, os dois primeiros anos são o período em que o cérebro mais aprende em toda a vida - uma verdadeira janela de oportunidade. Nessa fase, cerca de 1 milhão de novas conexões de neurônios (sinapses) são feitas a cada segundo e o cérebro quase dobra de tamanho. Falando assim, parece ser um processo natural que irá ocorrer de qualquer forma, mas não é bem assim - o importante é a qualidade dessa formação. Em outras palavras, é essencial prover uma boa qualidade, o que significa dar bons estímulos à criança (e ao cérebro) - sensoriais, físicos, sociais e afetivos. E as brincadeiras são uma ótima maneira para isso.

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Então, já que falamos tanto de brincadeiras, que tal brincar com seu filho hoje e em todos os dias do ano? Afinal, é o melhor presente que você pode dar a ele.

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