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Como homens trans podem evitar gravidez? Prós e contras de cada método

O comunicador Ravi Spreizner inseriu um dispositivo subdérmico para evitar gravidez não planejada - Breno Andreata
O comunicador Ravi Spreizner inseriu um dispositivo subdérmico para evitar gravidez não planejada Imagem: Breno Andreata

De Universa, em São Paulo

28/10/2022 04h00

Até o início deste ano, o comunicador Ravi Spreizner, 29, nunca havia pensado em engravidar. "Havia colocado na cabeça que, para ter filhos, a adoção seria um caminho melhor", diz ele, que iniciou terapia hormonal para afirmação de gênero em 2020.

A conversa sobre o assunto surgiu com uma ex-namorada, e sua opinião mudou. "Passei a considerar ter filhos biológicos e repensei retirar o útero —por causa dos hormônios, há um processo de atrofiamento que demanda sua retirada em algum momento para que não cause problemas maiores, como câncer." Mas conta que ainda quer esperar para tomar essa decisão, já que uma gestação incluiria lidar com a interrupção da terapia hormonal, riscos e preconceito.

Enquanto isso, como método para evitar uma gravidez não planejada, Ravi usa o implanon, uma haste flexível inserida sob a pele do braço contendo hormônios que impedem a liberação de óvulos. Em novembro de 2021, ele inseriu o dispositivo pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Desde o ano passado, a cidade de São Paulo incluiu, por meio de uma normativa, pessoas trans na lista de pacientes prioritários para a inserção do implanon pela rede pública. Atualmente, o contraceptivo é oferecido para mulheres em idade fértil em situação de rua; com HIV/AIDS; privadas de liberdade; trabalhadoras do sexo; e em tratamento de tuberculose. "Fui o quinto cara trans a colocar o implanon", conta Ravi, que fez um vídeo em seu Instagram para contar como foi o procedimento.

Um levantamento clínico global feito com 231 adolescentes e jovens adultos transgêneros revelou que 40% não usavam método anticoncepcional, e 54% descontinuaram seu método contraceptivo assim que pararam de menstruar —o uso da testosterona, hormônio mais utilizado por pessoas transmasculinas (termo que abrange identidades de gênero de pessoas trans e não binárias alinhadas ao masculino), tem esse efeito.

A pausa da menstruação pode dar uma falsa sensação de segurança com relação a possibilidade de engravidar, diz o ginecologista e obstreta Edson Santos Ferreira Filho, que atua no ambulatório para pessoas LGBT do Hospital Clínicas de São Paulo. "Mas, caso essa pessoa se relacione com alguém que produz esperma, existe, sim, o risco de gravidez", afirma.

Como pessoas trans podem escolher método contraceptivo?

Além do implanon, utilizado por Ravi, todos os outros métodos disponibilizados para pessoas cisgênero (que se identificam com o gênero ligado ao sexo biológico) podem —e devem— ser considerados como opção para pessoas trans, diz o médico. Ele explica que a primeira etapa para escolher um método contraceptivo é avaliar os riscos de uma gravidez não planejada e levar em conta o histórico do paciente, atividade sexual e relacionamentos.

"Uma pessoa transmasculina não vai precisar se preocupar com contracepção se houver retirada de útero. Se o útero foi preservado e ela está em um relacionamento transcentrado, se relacionando com uma mulher trans, ou se relaciona com um homem cis, ela precisa considerar essa proteção", diz o médico.

O ginecologista Emmanuel Nasser, que atua no Ambulatório para Pessoas Trans e Travestis da Unidade Básica de Saúde Santa Cecília, em São Paulo, explica que a hormonização pode ter impacto momentâneo ou permanente sobre a fertilidade. "Alguns atuam do mesmo modo que uma pílula anticoncepcional; outros, não."

Há pesquisas que apontam que o próprio tratamento hormonal pode ser considerado método contraceptivo —mas com eficácia ainda não estipulada. "Por isso, para pacientes bissexuais ou que estão em relacionamento transcentrados, aconselhamos associar métodos contraceptivos."

'Tomar pílula pode ser motivo de sofrimento', diz médico

Embora haja poucos estudos sobre interação hormonal (a maioria é feita em e para mulheres cisgêneros), as pesquisas mostram que não há prejuízos ao tomar uma pílula anticoncepcional e fazer uso de hormônios para afirmação de gênero, diz o ginecologista. No entanto, há uma associação de métodos contraceptivos hormonais, como a pílula, com uma ideia de feminilidade, o que pode afastar homens trans ou outras identidades transmasculinas do seu uso.

O médico diz que é preciso derrubar paradigmas de que pode haver efeitos prejudiciais por ter uma associação dos hormônios, como o estrogênio e a progesterona.

"Alguns homens trans não querem tomar a pílula para evitar gravidez por ter um hormônio 'feminino'. Mas precisamos entender que hormônios não têm gênero: temos vários tipos circulando no nosso corpo, cada um com uma função, independentemente da nossa identidade de gênero. A diferença é a quantidade, e aí nascem esses estereótipos sociais", diz o médico.

Por outro lado, alguns métodos podem representar disforia (quando a pessoa apresenta sentimentos de angústia) para alguns —e o profissional de saúde que acompanha esse paciente deve informar, questionar e entender isso.

"A inserção de métodos como o DIU é realizada via vaginal, o que pode ser desconfortável por, por exemplo, representar alguma disforia para o paciente", afirma. "Tomar pílula todos os dias também pode ser um motivo de sofrimento."

DIU é opção para quem não quer hormônios

O DIU de cobre ou de prata podem ser uma boa opção para pacientes que têm receio de tomar pílula, por não conter hormônios considerados "femininos". "Conseguimos superar essa primeira barreira, além de ser um método de longa duração", explica Nasser.

No entanto, assim como em mulheres cisgênero, o dispositivo pode aumentar o fluxo menstrual e cólicas. "Quando a pessoa está sob hormonização, um efeito colateral é a interrupção da menstruação, o que poderia fazer com que essa não se adaptasse ao método e ele não seja uma primeira opção."

Além disso, outra ressalva importante é o fato de a testosterona, usada por quem faz hormonização, aumentar o volume dos músculos. Há estudos que dizem que o útero, por ser uma musculatura, também pode ter uma hipertrofia com as injeções do hormônio após um intervalo de tempo de quatro a cinco anos, o que pode evoluir para uma dor pélvica crônica.

Efeitos colaterais de implante compensam pela segurança

Ravi afirma que escolha deu liberdade sexual: "Estou conquistando meu amor próprio, autoestima e estou feliz" - Breno Andreata - Breno Andreata
Ravi afirma que escolha deu liberdade sexual: "Estou conquistando meu amor próprio, autoestima e estou feliz"
Imagem: Breno Andreata

Ravi afirma que tem sentido mudanças e desconfortos depois da inserção do implanon, como aumento de cólicas e sangramentos de escape. Mas que, como o foco é evitar a gravidez, ele optou por seguir com o método.

"Por ser uma pessoa com uma vida sexual intensa, me preocupa muito ficar grávido. Não quero viver isso em um momento que não decidi, ainda mais em um país com um debate raso sobre a legalização do aborto. Mesmo com os efeitos colaterais e incômodos, como cólicas recorrentes, ainda fico mais confortável com o implante anticoncepcional no meu braço", diz.

Como efeitos colaterais, Nasser explica que pode haver ainda aumento de oleosidade na pele —efeito que pessoas trans já podem sentir por conta da hormonização. "Outro são pequenos sangramentos no meio do ciclo menstrual, além de dor mamária devido à retenção de líquido causada pela progesterona."

Nasser pondera que cada método pode ser eficaz dependendo da realidade de cada um. O problema é a falta de acessibilidade para ginecologia, já que o profissional da área ainda é visto socialmente como o "médico da mulher" e pode colocar barreiras na discussão com seus pacientes. "A transfobia estrutural impede que pessoas trans cheguem até nós para debater os melhores métodos."