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'Já dancei em caixa de cerveja': quem é responsável por rebolados de Anitta

Arielle Macedo é coreógrafa de Anitta há 12 anos e foi a criadora de passos de hits como "Show das Poderosas" e "Envolver": "Trabalhar com ela não é para as fracas" - Reprodução/Instagram
Arielle Macedo é coreógrafa de Anitta há 12 anos e foi a criadora de passos de hits como "Show das Poderosas" e "Envolver": 'Trabalhar com ela não é para as fracas' Imagem: Reprodução/Instagram

De Universa, em São Paulo

21/09/2022 04h00

Arielle Macedo viu pela TV da sala de casa, no Rio de Janeiro, Anitta surgir no palco do Video Music Awards, premiação internacional da MTV que celebrou em 28 de agosto os melhores clipes do último ano. A cantora brasileira se apresentava ao lado de nove dançarinos. Todos os movimentos que o grupo executava —assim como os que você repete quando escuta algum hit da Anitta— tinham saído da cabeça de Arielle. "Foi uma emoção que não dá para descrever. Chorei, óbvio. Pensei: 'Está dando certo', diz a coreógrafa de Anitta a Universa.

Mas a verdade é que já dá certo há pelo menos 26 anos, quando Arielle tinha 8. Ela dançava num evento da escola, esqueceu a coreografia, parou e começou a chorar. A mãe, na plateia, repetia: "Continua, não para". "Trago essa cena comigo até hoje", diz Arielle. "Deu vontade de parar no meio do caminho. Ainda mais para mim, uma mulher preta, de família humilde. Esbarrei em muita dificuldade. Trabalhei em loja de açaí para pagar aula de dança."

Há 12 anos, Arielle, já dançarina, conheceu Anitta, com quem passou a trabalhar. Depois, em 2013, a cantora lhe pediu que coreografasse "Show das Poderosas", cujos passos são até hoje repetidos à exaustão em festas de todas as naturezas. Desde então, a parceria entre as duas é estreita. "Tem vezes que ela me liga e diz: 'Vou gravar um clipe amanhã'. E tenho que organizar tudo, juntar 20 bailarinas e fazer essa correria de montar a coreografia toda. Quem trabalha com ela aprende a ser bem rápida. Não é para as fracas", brinca a dançarina.

"No começo não tinha nem palco. Já dancei até em mesa de sinuca"

Arielle ao lado de Anitta: parceria de 12 anos - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Arielle ao lado de Anitta: parceria de 12 anos
Imagem: Reprodução/Instagram

Nascida em uma comunidade de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, Arielle costuma rir com Anitta ao se lembrarem dos perrengues vividos no início da carreira. A última vez foi prestes a subir ao palco do festival Coachella, na Califórnia, em abril deste ano. O evento recebeu cerca de 125 mil pessoas por dia e reuniu os maiores astros da música mundial.
"Ela disse: 'Olha onde estamos'. Nos lembramos da correria do início, tinha vezes que fazíamos show sem palco, eu dançava em cima de mesa de sinuca, caixa de cerveja", diz.

A equipe de Anitta, na época ligada à Furacão 2000, famosa produtora de funk carioca, era formada pela mãe da cantora, que fazia as vezes de motorista, o irmão, produtor e DJ, Arielle e mais uma bailarina. "Já lotava o carro. Eles saíam de Honório Gurgel, depois passavam em Niterói pra pegar a outra dançarina e aí São Gonçalo, pra me pegar. Fazíamos quatro, cinco shows em uma noite. Na volta, o mesmo caminho. Era uma excursão", relembra.

Infância com James Brown, MC Hammer e Janet Jackson

A família, diz ela, é de origem humilde: a mãe é porcelanista, e o pai, motorista. Mas foi a melhor escola artística que ela poderia ter tido. "Minha avó sapateava, tenho primas e tios que dançavam, como hobby mesmo. Meus pais se conheceram num baile charme, e vão até hoje, todo domingo. É a igreja deles."

Ver sua coreografia no palco do VMAs, aliás, a fez voltar no tempo e se lembrar das fitas cassetes do pai com clipes e apresentações de seus ídolos, às quais ela assistia escondida quando criança.

"Não tinha TV a cabo, então, se passava um clipe, ele corria pra botar a fita pra gravar. De uma dessas fitas ele tinha muito ciúme, com Michael e Janet Jackson, várias apresentações do VMAs. Ele guardava num armário com cadeado, mas achei a chave e ficava assistindo quando ele ia trabalhar. Assistia e já pegava a coreografia."

"Aí vi minha coreografia naquele palco, que eu via da minha casa nas imagens gravadas uma fita verde, tendo que assoprar pra funcionar? Fiquei pensando nas voltas que o mundo dá."

Os pais também foram os responsáveis por seu gosto musical. "Fui criada ouvindo James Brown, MC Hammer, Michael Jackson", ela lembra, mas ressalta: "Todos homens".

A primeira mulher que a hipnotizou virou sua referência: Janet Jackson. "Ela é a rainha. Quando conhecer nem sei se vou conseguir falar", divaga Arielle.

Na lista de sonhos, o que ocupa o topo é se apresentar no Super Bowl, como é chamado o jogo final do campeonato de futebol americano dos Estados Unidos, que sempre conta com uma estrela da mais alta grandeza pop para fazer o show do intervalo.

Dá para rebolar e ser inteligente, sim

O sucesso estrondoso de Anitta, a maior artista pop brasileira da atualidade, tem a marca forte marca de Arielle, que cresceu junto com a ascensão do funk ao estrelato.

Com o que conseguiu juntar até hoje, comprou um apartamento no Rio de Janeiro e uma casa para os pais. "Tenho meu carrinho, viajo, estudo. Faço tudo com meu dinheiro da dança, que no passado me diziam que não era trabalho."

Sobre as críticas em relação ao ritmo, suas letras e danças sexualizadas, Arielle dá sua resposta à moda de uma bailarina. "A dança dá muita liberdade. A gente não tem pudor, dançar é uma forma de comunicação. Sempre penso nisso e tento fazer com que essa ideia se aproxime das pessoas", diz.

"O planeta é machista, e isso também é reproduzido por mulheres. Mas mostrando um bom trabalho, a gente vai mostrando que, independentemente do que faz com seu corpo, a parte intelectual não tem a ver com isso. Pode ser trabalhar, estudar, e além disso fazer o que quiser com seu corpo."

Ressalta, também, que muito desse preconceito está ligado à origem social do ritmo. "Quando a gente fala de funk, não tem a ver só com a dança, tem toda uma cultura envolvida, da favela. Tem também a questão racial. Hoje eu sei que, como mulher preta, estou chegando longe e alimentando a expectativa a vontade realização de muitas meninas como eu", diz.

"Com um pouco de voz que tenho, quero dar esperança e mostrar que é possível chegar onde quiser."