Após sequestro, tentativa de estupro e tiro, jovem diz: 'Anos de superação'
Pâmela Tainá, em depoimento a Ed Rodrigues
Colaboração para Universa, de Recife
28/08/2022 16h37
Há exatamente dois anos, em agosto de 2020, a mineira de Belo Horizonte Pâmela Tainá tinha 25 anos e passou por uma experiência horrível: foi sequestrada e baleada duas vezes na cabeça pelos criminosos e sobreviveu. No dia do crime, a moça estava no estacionamento de um supermercado quando foi abordada por dois homens que colocaram Pâmela em um carro e foram para um matagal. Ela foi obrigada a tirar as roupas e os bandidos iniciaram uma discussão para decidir quem abusaria dela.
Durante a abordagem, ela sentiu uma pancada forte na cabeça e desmaiou. Quando acordou, Pâmela estava sozinha e com a cabeça sangrando. Sentia muita dor. Esperou amanhecer para buscar socorro. Ela disse que a visão estava turva. No hospital, após uma tomografia, ficou sabendo que havia sido baleada à queima-roupa na cabeça.
A vítima lembra que o médico que a atendeu disse era para ela estar pelo menos com uma das partes do seu corpo paralisada. No entanto, foi operada e no dia seguinte à cirurgia já recebeu alta e hoje vive sem sequelas físicas. Confira abaixo a história de Pâmela Tainá.
"Criminosos me fizeram ficar nua para ter certeza que não estava escondendo nada"
"Minha vida mudou há dois anos. Era uma segunda-feira à tarde, por volta das 4 da tarde. Eu estava no supermercado fazendo compras para casa. Como era início de mês, o estacionamento do piso superior estava lotado, e eu havia estacionado o carro no subsolo.
Eu havia descido com o carrinho e estava passando as compras para meu carro quando os bandidos chegaram até mim. Usavam máscara de proteção contra a covid-19, e já estavam com a arma apontada para mim. Mandaram que eu continuasse passando as compras para o carro e que não fizesse nenhuma 'gracinha', senão atirariam em mim. Disseram que queriam apenas o carro e me largariam.
Um deles tomou a direção do meu carro, enquanto o outro estava assentado ao meu lado com a arma em minha cintura. Saíram do supermercado e já pegaram uma via de acesso rápido. Em minutos estavam na estrada e dirigiram até uma mata na cidade de Itaúna.
Eles falavam entre si e comigo. Eu pedia para me deixarem descer, que já estavam com o carro, e eles falavam que iriam parar, mas que eu deveria ficar quieta. Não me deixavam virar a cabeça para os lados e nem para trás, me batiam com a arma. Tomaram meu celular, cartões de crédito e documentos pessoais. E me fizeram ficar nua para conferirem que não estava escondendo nada.
"Sentia que as minhas forças estavam chegando ao fim, mas tinha que lutar mais"
Eram dois homens. Me fizeram entrar no mato ao ponto de a estrada desaparecer. Eles conheciam bem o local. Me fizeram tirar a roupa novamente, mas, dessa vez, falaram claramente que iriam abusar de mim. Eu comecei a chorar, e pedir para que não fizessem aquilo, mas eles me batiam e diziam que eles que mandavam.
Então, começaram a discutir entre si sobre quem iria cometer tamanha covardia comigo. Apontando a arma na minha cabeça. Nesse impasse, vesti minha roupa novamente.
Eu me lembro de eles vindo para cima de mim e apaguei com uma pancada forte que senti na cabeça. Quando acordei na mata, já estava escuro, minha cabeça sangrava e minha visão estava embaralhada. Eu pensei que haviam me dado uma coronhada ou pedrada. Fazia muito frio. Eu não conseguia me levantar, enxergava quase nada. O mato era alto. Passava dos meus cotovelos.
Eu não sabia se eles estavam por perto, então fiquei deitada onde estava, na espera do sol chegar na manhã seguinte. Eu me lembrava de tudo, não perdi a consciência em momento algum. Quando o sol bateu em meu rosto, me esquentei e reuni forças para caminhar.
Estava extremamente fraca e enxergava cada vez menos. Fui segurando nos matos e caminhando, mas eles eram tão altos, o chão fofo por causa do mato, que eu caí diversas vezes. Chorava. Pedia socorro a Deus. Sentia que as minhas forças estavam chegando ao fim, mas eu tinha que lutar mais um pouco.
Lembrava da minha família e dos meus irmãos, havia menos de um ano que nossa mãe havia falecido. Eu sou a mais velha, eles precisavam de mim. Então, me levantava e dava mais alguns passos até a próxima queda.
Consegui chegar nessa estrada e percebi que não tinha forças para gritar por socorro, estava muito fraca, com sede, fome e como não enxergava, fiquei mais próximo da cerca.
Eu abanava os braços, mas ninguém parava para ajudar. Estava usando uma blusa branca e ela estava ensanguentada, então as pessoas me viam, mas não paravam. Até que vi um carro vermelho dando ré. Ufa, pensei. Graças a Deus. Dois homens que passavam por lá, decidiram voltar e ajudar a menina ensanguentada na estrada.
No hospital, os médicos me perguntavam por que minha cabeça estava sangrando e eu dizia que não sabia, que poderia ser coronhada ou pedrada. Mas, após o resultado da tomografia, o médico me disse que eu havia tomado dois tiros à queima-roupa na cabeça.
Os médicos me examinaram e afirmaram que o abuso físico não havia sido concretizado. Depois que descobri que havia levado dois disparos na cabeça, inicialmente eu tive um choque, e logo comecei a perguntar o dano que seria aquilo.
Eu perdi mais de 70% da minha visão na época e perdi totalmente meu campo de visão de um dos olhos. Devido à região que as balas estão alojadas.
Apesar de os médicos dizerem que eu deveria estar cega e paraplégica, eu me apeguei ao que eu estava sentindo. Eu via vultos, sem nitidez, mas via alguma coisa, então acreditei que voltaria a enxergar.
Eu havia caminhado e conseguido meu próprio socorro, então, acreditava com todo meu coração que meu corpo não iria parar de funcionar.
O processo de recuperação foi bem doloroso, minha cabeça doía tanto que eu pensava que iria enlouquecer. Minha família chegou ao hospital e me trouxe de volta para BH, onde comecei a ser acompanhada por diversos médicos, neurologistas, neuro-oftalmologistas, psicólogo e psiquiatra.
Minha visão ficou como a de um recém-nascido, comparou o neuro-oftalmo que consultei. E, assim como um bebê, fui dia após dia reaprendendo a me desenvolver. A sentar sozinha, levantar, dar uns passinhos... até o momento em que meus nervos ópticos desincharam e eu retomei minha visão. Esse processo durou cinco meses, aproximadamente.
Faço terapia com um excelente profissional desde o início do processo, o que foi fundamental para que eu pudesse enfrentar todos esses desafios que tinha. A luta emocional foi muito maior do que a física, podem acreditar.
Precisei tomar remédio para dormir por muitos meses, pois fechava os olhos e via a mata e aqueles bandidos. Tinha pesadelos terríveis. Aí, nisso o psiquiatra que me acompanha me ajudou.
"Levo uma vida normal mas vivo mais em alerta sobre perigos"
Meus desafios não terminaram quando sai daquela mata, por muito tempo fiquei refém dos meus traumas, inabilitada a me locomover sozinha, roubaram minha independência, meu trabalho, minha rotina, muitos dos meus sonhos daquele ano.
Tive que recomeçar a viver e a vida, do zero. Mas eu tinha o principal, a vida, e eu luto por ela. Hoje eu levo uma vida normal. Mas vivo mais em alerta sobre perigos. Eu nunca havia sido assaltada.
Eu já consigo fazer corridas leves, saio sozinha de casa, trabalho home office. Sou contadora, estou abrindo meu escritório online e sou funcionária de uma boa empresa.
Continuo com terapia, o que recomendo para qualquer pessoa e quero fazer pelo resto da vida, e faço fisioterapia neurológica atualmente, para estimular meu cérebro, na tentativa de ampliar meu campo visual.
Ainda não voltei a dirigir, o que é minha grande paixão, mas acredito que em breve terei segurança para voltar dirigir e condições financeiras para comprar um novo carro. O meu carro nunca foi encontrado, o seguro me pagou, mas usei o valor para custear parte do meu tratamento.
Aqueles caras foram maus, cruéis, pensaram que passariam ilesos, mas se esqueceram de que Deus existe e que ele é justo. Ninguém viu eles me abordarem, mas Deus viu. Gosto de falar que vamos sim encontrar muitas pessoas ruins, mas que as boas ainda são maioria. Pessoas que nem me conheciam me ajudaram, oraram por mim, doaram... e o amor delas me impulsionou a lutar por diversas vezes, até hoje me motiva, quando vem o pensamento de que não vou conseguir vencer mais desafios.
Eu uso meu Instagram para ouvir as pessoas e mostro a vida real. Tem dias que choro, que fico deprimida e desmotivada, e isso é normal. Não podemos é parar e desistir. E faço isso usando muito a minha própria história.." Pâmela Tainá, 27 anos, é contadora e nasceu em Belo Horizonte.