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'Precisam parar de dizer que os indígenas são todos iguais', diz estilista

Day Molina, finalista da categoria Influenciadoras do Prêmio Inspiradoras 2022 Imagem: Júlia Rodrigues/UOL

Colaboração para Universa

19/08/2022 04h00

Branca, magra, com traços europeus. Estas foram, por muitos anos, as características de uma mulher que estaria em uma capa de revista. Porém, desde 2017, a indústria brasileira ganhou uma voz impactante que tenta trazer traços indígenas e ancestralidade para o mercado de moda do país. A da estilista Day Molina.

Nascida em Niterói (RJ), a designer de moda sempre se manteve conectada a suas raízes graças à avó, Nana, 89, nascida na aldeia Fulni-ó, no sertão de Pernambuco. Começou a costurar cedo e, há 15 anos, entrou para a indústria da moda. Mas, nos primeiros anos de carreira, não pôde levar sua história com ela.

"Eu precisava trabalhar para ganhar dinheiro, mas a moda é um mercado bastante branco, racista. A indústria não se abria para as conversas e diálogos que eu queria ter", diz. Nos trabalhos que fazia, se sentia silenciada. Foi então que, em 2017, pode soltar a voz ao criar a própria marca, Nalimo.

Minha missão é também mudar o mercado sistematicamente. Comecei a entender a importância de inspirar as mudanças de forma prática.
Day Molina

A estilista, uma das finalistas do Prêmio Inspiradoras 2022 na categoria Influenciadoras, é uma grande ativista pelo movimento de descolonizar a moda. Ou seja, se afastar das referências eurocêntricas e tornar o design de roupas do Brasil mais próximo às suas raízes latinoamericanas e indígenas.

Embora ainda haja muito a ser feito, ela já reconhece que hoje é possível que descendentes dos povos originários possam valorizar e a própria cultura, os próprios corpos. "Eles sempre foram negados, rejeitados, tidos como exóticos, feios, inadequados", diz.

Segundo ela, este é um processo de inclusão e uma forma de abraçar a diversidade da cultura brasileira. "A estética dos indígenas é parte dessa inspiração de uma moda feita no Brasil, mas que não é referenciada e que, muitas vezes, ficou no anonimato, na invisibilidade. Protagonizar esse espaço é necessário política e socialmente."

Um time só de mulheres

Day começou a fazer a mudança internamente. Nalimo seria o primeiro lugar onde ela colocaria todas as suas ideias em prática - a começar pela contratação dos profissionais que trabalhariam consigo. E não foi esforço nenhum para que a estilista criasse, por fim, uma equipe composta 100% por mulheres, majoritariamente indígenas, negras, imigrantes e transgênero.

"Comecei a enxergar uma necessidade de dar maior possibilidade para mulheres racializadas. Ainda não temos as mesmas oportunidades que as brancas. Se o recorte de gênero é crucial nas nossas vidas, temos que considerar que isso atinge ainda mais as mulheres racializadas", afirma.

Elas estão presentes em todas as etapas de produção da Nalimo, mas principalmente nas posições de tomada de decisão. Indígena Aymara da Bolívia, Gabrieli Lecoña, 24, é uma dessas profissionais. Ela e Day se conheceram pelo Instagram, onde Gabrieli divulgava seu trabalho de conclusão de curso em moda relacionando ancestralidade, cultura andina e identidade. Hoje, a jovem trabalha como assistente principal de criação de Day há um ano. As duas, juntas, criaram um vestido para uma campanha do MET Gala do "E! Entertainment".

A Day é pioneira na luta por representatividade indígena na moda. O trabalho e o ativismo dela impactaram a minha vida de muitas formas desde o princípio.
Gabrieli Lecoña, estilista

A parceira conta ainda que Day foi sua primeira referência de mulher indígena se destacando no mercado da moda. "Ela está hackeando o sistema de dentro para fora, dando cada vez mais espaço e protagonismo para outros criativos indígenas. Conseguimos sonhar com um futuro mais justo e diverso não só na moda, mas em todas as áreas."

A Nalimo também tem um trabalho de colaboração com mulheres em 15 comunidades indígenas de diferentes partes do Brasil, sendo que 10 delas ficam na Amazônia. Pouco antes de conversar com Universa, Day estava em uma dessas comunidades no norte do país. Nelas, a estilista cocria acessórios para a marca, além de oferecer capacitações em acabamentos de peças de moda. "A gente pensa toda uma forma de estruturar cada uma dessas comunidades para que elas tenham sua autonomia financeira", explica a designer.

De dentro para a fora

A estética indígena não é algo novo no mercado de moda, mas ainda assim há um grande desconhecimento sobre a cultura dessas pessoas. Segundo o Censo IBGE de 2010, há 305 povos indígenas no Brasil. Nas roupas, os códigos são misturados e apropriados, vendidos como moda "étnica".

As pessoas precisam parar de dizer que os indígenas são todos iguais. Nós somos muito diversos. E tudo que víamos [na moda], até então, era bastante caricato.
Day Molina

Para a designer, uma pessoa não precisa estar com um cocar na cabeça para reforçar suas origens indígenas. "Um homem indígena que se formou em Direito pode defender o que acredita, o seu povo, e estar usando um terno e gravata", afirma.

Uma roupa da Nalimo não está dentro do que conhecemos como "moda étnica". Ela é minimalista, com cores sólidas. É que, para Day, a ancestralidade e o envolvimento dos seus princípios estão, na realidade, nos processos que ela usa dentro da marca. "Estou conectada aos valores sociais e éticos. Tenho uma responsabilidade ambiental, cujos povos indígenas têm um papel muito importante, bastante forte. Exerço o meu trabalho como estilista profissional, mas não esqueço minhas origens. Não preciso usar grafismos, códigos que muitas vezes são sagrados, um monte de elementos associados à cultura de vários povos"

Day, no entanto, não impacta apenas no trabalho interno da Nalimo ou como um exemplo positivo. Em seu esforço para descolonizar a moda, ela criou, junto com a modelo e ativista Zaya, o coletivo Indígenas Moda BR, que reúne profissionais, criativos e modelos indígenas. "Descolonizar é ocupar todos os espaços do mercado. Não é só colocar uma mulher indígena na capa de uma revista, mas entender que existem criativos atuando no mercado brasileiro. Descolonizar de uma forma prática é potencializar esses profissionais, empreendedores, modelos e o design autoral feito no Brasil."

E isso pode mudar a vida de muitas mulheres indígenas. É que trazer o debate sobre a ancestralidade para a moda potencializa a autoestima dessas pessoas. "É mostrar que é possível sonhar e realizar nossos sonhos. Tirá-la de um lugar de estereótipo, da sexualização e mostrar que essa beleza é diversa. Quando estou nas comunidades, ouço as meninas falando ?quero ser estilista, quero trabalhar com moda?. Isso não acontecia antes. Olha a importância que tem em reafirmar a nossa identidade. Acredito que, quando a gente retoma a nossa conexão ancestral, a gente retoma também o lugar de profunda autoestima. A gente se reconhece e se inspira".

Sobre o Prêmio Inspiradoras

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e do Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. São 21 finalistas, divididas em sete categorias: Conscientização e acolhimento, Acesso à justiça, Inovação, Informação para a vida, Igualdade e autonomia, Influenciadoras, Representantes Avon. Para escolher suas favoritas, basta clicar na votação a seguir. Está difícil se decidir? Não tem problema: você pode votar quantas vezes quiser. Também vale fazer campanha, enviando este e os outros conteúdos da premiação para quem você quiser. Para saber mais detalhes sobre a votação, basta consultar o Regulamento.

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O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. O foco está nas seguintes causas: enfrentamento às violências contra mulheres e meninas e ao câncer de mama, incentivo ao avanço científico e à promoção da equidade de gênero, do empoderamento econômico e da cidadania feminina.


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