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Político do PL é acusado de abusar de filha e netas: 'Admitiu o que fez'

Luiza Souto

De Universa, do Rio de Janeiro

08/07/2022 16h04

O ex-vice-presidente do PL estadual de São Paulo, que fazia parte da executiva nacional do partido, José Renato Silva, 72, é acusado pela filha, Cintia Renata Lira da Silva, 48, de abuso sexual contra as próprias netas. O crime teria acontecido entre 2012 e 2021. Cintia, que é secretária de Administração da Prefeitura de Suzano (SP), diz que também sofreu abuso quando criança.

Em entrevista a Universa, Cintia afirma que resolveu expor o pai para ajudar outras mulheres que passam pela mesma situação. "Como vítima, posso dizer que a gente procura outras falas semelhantes. A gente quer se identificar". O caso foi registrado na Delegacia da Mulher em Suzano, no último dia 5 de abril e, no fim de maio, José Renato foi indiciado por estupro de vulnerável. O caso está sob segredo de Justiça por envolver menores de idade.

O advogado de José Renato, Denis Souza do Nascimento, enviou mensagem a Universa afirmando que "não existe nenhum processo sobre o caso. O que existe é uma investigação em andamento que, de fato, tramita sob segredo de Justiça". "Portanto, nada deve ser falado sobre o caso, até mesmo para não atrapalhar as investigações, bem como para preservar todas as partes envolvidas." O PL não se pronunciou.

No site da Assembleia Legislativa de São Paulo consta que José Renato era assessor-chefe de gabinete até 13 de abril último. A página também informa que ele estava no PL até 12 de abril. Ou seja: saiu do cargo e foi afastado do partido uma semana após a denúncia.

Mãe das duas adolescentes, de 16 e 18 anos, e de mais três rapazes, de 14, 17 e 20 anos, Cintia contou a Universa que soube dos abusos em 2019, quando a filha mais mais nova, então com 14, teve uma crise de ansiedade. Quando a mais velha foi tentar ajudar e ouviu o relato de abuso, uma acabou sabendo da outra.

"Esse foi o pior dia da minha vida, porque eu não consegui entrar no coração delas e tirar aquela dor", afirma Cintia. Ainda sem entender ao certo o que haviam passado, as meninas perguntaram à mãe: "Mas você acha que é verdade?". E ela conta que respondeu: "Sim, porque conheço ele".

Leia o relato de Cintia na íntegra:

"Nesse dia [em que as filhas revelaram os abusos] eu abri o casulo de uma vez, porque passei pelo mesmo. Foram 42 anos achando que estava vivendo uma vida comum. Peguei uma situação, coloquei numa caixinha com 500 cadeados e deixei para lá, porque não ia resolver.

Quando criança, ele me chamava para tomar banho e eu tinha que lavá-lo. Mas só lembro isso. Dos 7 aos 13 anos, eu apaguei tudo o que aconteceu comigo e achava que aquela lembrança era um pesadelo. Mesmo assim, eu não gostava de ficar perto dele. Ele me dava tapas na bunda, me abraçava e olhava para os meus seios. Eu só congelava e rezava para ele me soltar logo.

Além disso, se realmente tivesse acontecido algo, entendia que foi porque ele era muito novo, com 20 e poucos anos.

Fui criando uma afinidade grande com ele, uma convivência familiar muito intensa. Mas, aos 20 anos, contei sobre esses pesadelos para uma amiga. Ela me alertou que estava com cara de abuso, porque não era normal uma criança ter pesadelo com o pai desse jeito.

Casei, tive meus cinco filhos e achei que estava conseguindo viver.

Aos 34, consultei informalmente uma amiga psicóloga, falei dos desconfortos que sentia na presença do meu pai, do apagão que tenho dos 7 aos 13 anos, e, diante do relato, ela falou: 'Cintia, você foi abusada'.

Fiquei quieta, porque aquilo estava no passado, e voltei com a ideia de que foi algo que ele fez antes de amadurecer. Até que vieram os relatos das minhas filhas.

Antes mesmo de saber de tudo, eu percebi sinais, como automutilação e instabilidade emocional muito grande. Mas eu associava à idade, à adolescência e à pandemia.

No dia em que conversamos, elas contaram que ele chamava as netas para ver filmes e fazia carícias nelas. Também pedia para tocarem nele e falava que era um segredinho.

Tive que assumir o que aconteceu comigo e acolhê-las, ao mesmo tempo. E foi um período só nosso, além de psicólogas e psiquiatras. Eu perguntava muito o que elas queriam que eu fizesse, mas elas pediam para não contar para ninguém. Tinham muito medo da reação do pai delas, porque sabem do amor imenso que ele tem pelos filhos. Nós somos separados há seis anos.

"Ele admitiu o que fez por mensagem"

Eu não consegui enfrentar meu pai pessoalmente, porque nunca tínhamos tocado nesse assunto, mas mandei uma mensagem de texto para ele contando de mim e dizendo que já sabia das minhas filhas. Pedi para ele se afastar e se tratar.

Ele respondeu: 'Imagino o quanto você esteja sofrendo. Peço desculpas por isso, mas não lembro nada de você. Nunca te olhei diferente'. Mas prometeu que se trataria. Ou seja: admitiu o que fez com elas.

Até que, em dezembro, tive que viajar para o México. Nesse tempo, ele passou lá em casa com a esposa para saber se estava tudo bem com os netos. Ele encostou de novo na mais velha.

Ela [a filha] me ligou e disse: 'Não aguento mais, não quero que o vovô venha aqui nunca mais, porque ele não parou'.

Eu me senti a pessoa mais impotente do universo, porque estava lá no México. Enviei outro texto para ele mandando se tratar, e disse que a partir daquele dia ele estava proibido de olhar para qualquer um dos meus filhos. Ele disse que não entendia o que eu estava dizendo e que, de repente, só tinha esbarrado na coxa dela na hora de se despedir. Para mim foi pior do que uma confissão.

Naquele dia, eu enterrei o meu pai. A pessoa que está ali terá que arcar com o que fez durante a vida.

Dias depois, ele mandou um e-mail. Era meu aniversário. Ele disse que precisava dizer que me amava muito, que estava fazendo tratamento para entender o que o levou a fazer aquilo com minhas filhas e que foi um momento de insanidade.

Eu respondi que dele não queria nada nem sentia nada. E o mandei cuidar de sua vida.

As duas acabaram tendo outra crise de ansiedade, e foi quando o pai delas soube. Conversamos todos juntos, e a reação dele foi positiva, no sentido de acolhimento. Tive medo de ele me cobrar por ter feito algo, mas ele foi muito humano. Que bom que meus filhos têm esse pai com esse olhar.

"Minha mãe me incentivou a denunciar"

Algumas pessoas ficaram sabendo, e não podia proibir minhas filhas de falar com amigas sobre isso. A história chegou até minha mãe, que me chamou para conversar agora, no início de abril. Esse foi o dia mais libertador, porque eu pude contar com o colo dela. Quando voltei para casa, ela me ligou: 'Estou na delegacia da mulher e é melhor você vir'.

Eu não denunciei antes porque tinha medo de perder o emprego e também de acontecer o que está acontecendo agora, de as pessoas falarem que quero fazer uso político disso. Mas ninguém podia imaginar, nem o partido. Além disso, ele era um articulador muito influente.

O crime que eu sofri prescreveu, mas fizemos a denúncia pelas minhas filhas. A partir desse dia, houve uma mudança interna, uma sensação de justiça. E elas já foram ouvidas na delegacia.

Resolvi publicar um relato na internet para tentar ajudar e falar para as mulheres que vale a pena colocar para fora. E também para alertar que é preciso melhorar o acolhimento a essas vítimas.

Como vítima, posso dizer que a gente procura outras falas semelhantes. A gente quer se identificar. E quando comecei a falar, até familiares revelaram que também sofreram abuso de primo, do tio...

Cada um tem seu tempo para falar, e o importante é receber acolhimento, sem aquela obrigação de denunciar logo. Veja: sou uma pessoa instruída, secretária há dez anos aqui na cidade, terminando MBA e, mesmo assim, no pós-denúncia, não sabia o que fazer, para onde seguir.

Eu não tenho expectativas com relação ao processo. Hoje estou 100% voltada para a minha família e posso garantir que seguimos leve e estamos bem."