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Mulher é autorizada a fazer aborto ao descobrir anomalia em feto; entenda

Maria*, de Curitiba, descobriu malformação do feto na 12ª semana:  "Toda vez que fazia exame, me informavam sobre coisas que eu não queria saber: que o bebê não tinha uma perna, depois que não tinha as duas pernas. Era muito sofrido" - iStock
Maria*, de Curitiba, descobriu malformação do feto na 12ª semana: "Toda vez que fazia exame, me informavam sobre coisas que eu não queria saber: que o bebê não tinha uma perna, depois que não tinha as duas pernas. Era muito sofrido" Imagem: iStock

Lorena Pelanda

Colaboração para Universa, em Curitiba (PR)

31/05/2022 04h00

A curitibana Maria* estava na 12ª semana de sua primeira gravidez quando descobriu o risco de o embrião ter desenvolvido uma malformação. Ao fazer uma ultrassonografia, confirmou que o feto sofria de Body Stalk, um problema raro decorrente de falhas da formação no cérebro, que atinge um a cada 15.000 embriões.

Apesar de não ser o mesmo que anencefalia —caso em que o aborto é autorizado pelo STF (Supremo Tribunal Federal)—, o Body Stalk também impede a vida extrauterina porque não há o desenvolvimento de partes essenciais do corpo. Querendo evitar o trauma de ter que terminar a gestação e fazer um atestado de óbito seguida de uma certidão de nascimento, Maria procurou a Defensoria Pública do Estado do Paraná para pedir o direito de interromper a gestação.

A Universa, ela contou que foi autorizada e que o procedimento para retirar o feto foi feito no dia 18 de maio. "Descobri o problema no dia 21 de março, após ter um sangramento. Tinha de ir ao médico três vezes por semana, fazer acompanhamento psicológico e passar pelas equipes paliativas. Peguei trauma de fazer ecografia atrás de ecografia, de escutar o coraçãozinho", diz Maria.

"Fui contra o aborto, mas só nós sabemos o que passamos"

Maria conta que, após a detecção do risco de malformação, o processo de acompanhamento médico se tornou um período de sofrimento extremo. "Toda vez que fazia o exame, me informavam sobre coisas que eu não queria saber, que o bebê não tinha uma perna, depois que não tinha as duas pernas. Era muito sofrido", relembra.

No começo, ela conta, teve muito medo de seu pedido não ser aceito. "Sempre fui contra o aborto, mas só a gente sabe o que passa diariamente", afirma.

"Eu tinha um bebê que chutava a minha barriga mas que sabia que não sobreviveria. Íamos sofrer meses durante a gestação. Isso me dá paz agora. Eu ficava muito assustada, agora estou aliviada. Estou com a consciência limpa."

7.000 mulheres por ano não conseguem direito ao aborto legal

"Essa é uma forma de garantir o acesso à saúde dessa mulher. Ainda existe uma grande resistência do Judiciário por causa de questões morais e religiosas que estão envolvidas e que são usadas como argumentos para negar esses direitos às mulheres que estão em risco. O feto tinha uma síndrome considerada letal pela literatura médica", afirma a Universa a defensora pública Mariana Martins Nunes, coordenadora do Nudem (Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Estado do Paraná).

Segundo o Ministério da Saúde, todos os anos 7.000 mil mulheres não conseguem o direito de interromper a gravidez, mesmo com alguma questão abarcada pela lei, como o fato de não sobreviver após o nascimento atestado por médicos.

"A gestão transforma-se, então, em um processo semelhante a uma tortura, a qual sequer terminará após o parto, pois a mulher ou seu companheiro terá de proceder o registro de nascimento e ao sepultamento do recém-nascido, mesmo que ele não esteja vivo. É um sofrimento que poderia ser evitado", diz Nunes.

Assim que estiver recuperada, Maria pretende engravidar novamente. "Por enquanto, quero passar por esse processo traumático e voltar à vida normal. Pretendo ter um filho daqui a um ano ou um ano e meio", diz.

Interrupção de gravidez, conforme a lei

A legislação brasileira autoriza que a gravidez seja interrompida em dois casos, previstos no Código Penal: se não há outro meio de salvar a vida da gestante (ou seja, nos casos em que manter a gestação pode levar a mulher à morte) e se a gravidez for resultante de estupro. O terceiro, decidido pelo STF, é para o caso em que o feto sofre comprovadamente de anencefalia. Nos dois primeiros casos, a autorização decorre da lei penal.

"Por causa dessa decisão do STF, nesse caso da síndrome de Body Stalk e de outras síndromes consideradas fatais, a gente pede que o caso seja julgado em analogia a essa decisão", explica a Defensora Pública Mariana Martins Nunes.

*o nome foi alterado a pedido da entrevistada.