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Filha de Mano Brown, Domenica Dias grava filme sobre aborto: 'Culpa e medo'

Domenica vive Sofia em "Ainda Assim", que chega aos cinemas em 2023 - Luciana Barreto/Divulgação
Domenica vive Sofia em "Ainda Assim", que chega aos cinemas em 2023 Imagem: Luciana Barreto/Divulgação

Alan de Faria

Colaboração para Universa, de São Paulo

17/04/2022 04h00

"Não sei como a história da Sofia, uma jovem de 17 de anos que fica grávida, chegará às meninas que estão lidando com a mesma situação, mas o mais importante é como as pessoas que convivem com essas jovens serão atingidas pela trama", afirma Domenica Dias, que encarna a personagem Sofia no filme "Ainda Assim", que deve chegar aos cinemas em 2023 e cujas filmagens terminaram no dia 27 de março, na capital paulista —Universa acompanhou um dia de gravações no mês passado.

Para Domenica, o tema principal da história é a importância do afeto e do amor das pessoas no entorno e uma jovem que se vê nesse momento de "susto e desespero". Na trama, dirigida por Lillah Halla, a protagonista é uma promissora jogadora de vôlei, que, aos 17 anos, descobre a gravidez quando está prestes a disputar um campeonato amador importante para as suas pretensões esportivas. Sua única única certeza é de que não pode virar mãe, ao menos agora, e, por isso, o tema do aborto se estende durante a história.

Filha da empresária e advogada Eliane Dias e do rapper Mano Brown, Domenica encara o seu primeiro papel como protagonista —sua estreia nos cinemas foi em 2014 em "Na Quebrada". "Sempre torci para que um trabalho profissional como este acontecesse, não pelo protagonismo em si, mas por poder contribuir de maneira mais profunda para um trabalho", diz Domenica, que em 2020 criou a marca de roupas Yebo com a mãe e atualmente cursa o último ano de artes cênicas na Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Nas palavras dela, Sofia é uma adolescente com muita potência e, ao mesmo tempo, frágil. Não à toa, em um período de transição da adolescência para a vida adulta, lidando com um transtorno gigantesco, como uma gravidez indesejada, e à beira de embarcar em novas possibilidades de futuro, precisa de acolhimento.

Lillah, que além da direção assina o roteiro com María Elena Morán, conta que a ideia de realizar este projeto surgiu no fim de 2015, quando se formava na Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, em Cuba. De lá para cá, porém, muita coisa mudou na história. "Viver neste Brasil atual me levou a radicalizar um pouco a história", afirma a cineasta, integrante do Coletivo Vermelha, que promove ações e realiza debates e pesquisas sobre a política de gênero e diversidade de narrativas no audiovisual.

Domenica Dias - Luciana Barreto/Divulgação - Luciana Barreto/Divulgação
Filme é estreia de Domenica como protagonista no cinema
Imagem: Luciana Barreto/Divulgação

Enquanto nos últimos dois anos a Argentina e Colômbia descriminalizaram o aborto, no Brasil, uma menina de dez anos, grávida após ser estuprada, quase foi impedida de realizar um aborto legal. Assim, afirma a diretora, perseguições em relação ao gênero foi incorporada no roteiro.

A equipe na qual Sofia joga, Capão Leste (ou C.Leste), por exemplo, é formada por meninas cisgênero, trans e não binárias. Universa esteve no set de filmagens de "Ainda Assim" em um dia em que foram realizados ensaios de uma sequência na qual um grupo invade uma quadra de vôlei para agredir Sofia, que é defendida por suas colegas.

"Mas o filme não é só sobre essa violência. É sobre sonhos, possibilidades de existência e a importância do espaço coletivo como força motora contra qualquer tipo de opressão", completa Lillah, que, em 2020, exibiu o curta-metragem "Menarca" na Semana da Crítica do Festival de Cannes.

A palavra aborto

A diretora comenta que procurou usar a palavra "aborto" com cuidado. "Venho refletindo sobre este termo desde a primeira sinopse do filme. Em sistemas de saúde onde a interrupção é descriminalizada, como no Uruguai, as palavras são outras. Por lá, encontra-se a expressão 'interrupção voluntária da gravidez', o que já tira o peso pejorativo da palavra aborto", diz ela.

"Entendo que existem corpos no Brasil que são considerados espaços a serem dominados e disputados. Em último lugar estão a saúde, o bem-estar e a decisão da pessoa. A mulher pode morrer, ficar infeliz para o resto da vida, mas não pode decidir por si", critica Domenica, referindo-se à política brasileira relacionada ao aborto.

Para a atriz, isso pode mudar por meio da informação. "Difundindo as ideias, a gente consegue salvar muita vida, a gente tranquiliza e tira a culpa e o medo. A gente hackea o sistema", sentencia Domenica.

Mulheres à frente

Mulheres estão nos principais cargos do filme "Ainda Assim". Além da diretora e da roteirista, há uma diretora de fotografia, Wilssa Esser, e uma diretora de arte, Maíra Mesquita. De acordo com Lillah, o longa, devido à temática, chamou a atenção de muitas mulheres que se prontificaram a ajudá-la na produção. Pessoas que, segundo ela, embarcaram no projeto por alguma razão pessoal, não apenas cinematográfica.

"Após várias cenas, eu pensava: 'Ah, que bom que são mulheres que estão ao meu redor", confessa Domenica. "Eu me lembro de ter feito uma cena superforte na chuva, uma cena de choro, desespero. Assim que finalizamos, cinco mulheres vieram até mim, com roupão, chazinho. Elas arrumaram meu cabelo, sabiam como encostar no meu cabelo, o que podiam falar, o que não falar, respeitar o silêncio."