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Ela quer ajudar ucranianas a escapar do tráfico sexual através da culinária

A ativista Maria Canabal na fronteira da Ucrânia com a Polônia - Arquivo pessoal
A ativista Maria Canabal na fronteira da Ucrânia com a Polônia Imagem: Arquivo pessoal

Júlia Flores

De Universa

04/04/2022 09h13

Ao cruzar a fronteira da Ucrânia para a Polônia, o cenário é melancólico. Nos postos das alfândegas que dividem os países, carrinhos de bebê vazios ocupam o espaço; os objetos ficam ali à disposição de mães necessitadas que fogem do país apenas com as roupas do corpo e os filhos nos braços.

Desde que o conflito entre Rússia e Ucrânia começou, em fevereiro deste ano, estima-se que cerca de 3 milhões de ucranianos já tenham deixado o país —a maior parte desses imigrantes são mulheres e crianças, já que os homens com menos de 60 anos, por sua vez, foram proibidos de cruzar a fronteira e obrigados a lutar na guerra.

Com isso, milhares de mães de família fugiram sozinhas à procura de um novo lar. A situação fica ainda mais problemática quando olhamos para o perfil socioeconômico dessas imigrantes: a maioria é pobre, sem formação qualificada nem histórico profissional e sem reservas financeiras. O país, antes mesmo de a guerra explodir, já enfrentava um cenário cruel de desigualdade de gênero.

De acordo com dados do Fórum Mundial de Economia, desde 2014 a diferença salarial entre homens e mulheres na Ucrânia aumentou de 24 para 26%. Segundo outra pesquisa realizada pelo Fundo de População das Nações Unidas, a maior parte dos homens ucranianos —mais de 40%— acreditava que a mulher deve abandonar o trabalho pago para passar mais tempo com a família, em trabalhos não remunerados.

Sem formação adequada, muitas dessas mulheres ficam vulneráveis a falsas promessas de trabalho e à prostituição forçada. Para tentar impedir que isso ocorra, uma ativista francesa criou um plano para empregar imigrantes por meio da gastronomia. Universa conversou com Maria Canabal sobre o projeto.

"É incrível a resiliência da mulher ucraniana"

Canabal atendeu a ligação de Universa dois dias depois de voltar da cidade de Przemysl, umas das principais rotas de fuga da Ucrânia para a Polônia. Ao responder a habitual pergunta "como você está?", disse: "Estou bem. Senti vontade de chorar, mas segurei. Ucranianas não choram, é incrível a resiliência delas".

Maria é a presidente de um projeto gastronômico que empodera mulheres por meio da culinária, o PARABERE Forum. Com aliadas espalhadas pelo mundo —inclusive no Brasil— o programa busca combater a desigualdade de gênero com eventos, programas e iniciativas ligadas à área.

Atenta à situação da Ucrânia, Canabal decidiu criar uma campanha para ajudar as imigrantes a conseguirem empregos em restaurantes ou bares da Europa. "A maior parte das ucranianas não têm experiência com trabalho pago, porque eram desestimuladas a trabalhar fora de casa; elas tinham que ficar em casa cuidando do filho. Por outro lado, a maioria delas sabe cozinhar, justamente porque essa é uma das principais tarefas domésticas", comenta.

Na opinião da ativista, essas imigrantes são presas fáceis para o tráfico humano, já que o trabalho doméstico não permite que elas juntem dinheiro ou garantam maior qualificação profissional. A opinião de Maria também é compartilhada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que, em publicação recente no Twitter, referiu-se ao cenário da Ucrânia como uma "oportunidade" para predadores e traficantes de seres humanos.

#ParabereForUcraine

A campanha criada por Maria Canabal busca, além de arrecadar dinheiro para um auxílio de emergência, desenvolver um "banco de talentos" com mulheres ucranianas que saibam cozinhar.

O PARABERE soma mais de 8 mil membros espalhados por 60 países. Como é o caso da chef londrina Clare Smyth, uma das mais reconhecidas do ramo. "A Clare me ligou e disse que está de portas abertas para receber mulheres ucranianas desempregadas", compartilha Maria.

Para saber mais da campanha, basta procurar pela hashtag #ParabereForUcraine nas redes sociais. "O mais importante para essas mulheres, agora, é encontrar emprego. Elas não têm nem o que comer", finaliza.