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Elas enfrentam ódio e assédio para falar de esportes nas redes sociais

Bianca Goes fala sobre futebol no TikTok - Divulgação
Bianca Goes fala sobre futebol no TikTok Imagem: Divulgação

Anita Efraim

Colaboração para Splash, em São Paulo

03/04/2022 04h00

É verdade que os canais de TV têm aberto mais espaço para mulheres na programação esportiva. É cada vez mais comum ver repórteres, comentaristas, narradoras e apresentadoras nos espaços que, antes, eram dominados por homens. No entanto, representatividade não quer dizer que o número de mulheres seja igual ao de homens. Numericamente, o equilíbrio ainda está distante.

Com a mudança acontecendo ainda a passos lentos, a internet tem sido o caminho para que as mulheres criem conteúdo sobre esporte. Embora seja, junto das redes sociais, um ambiente ainda bastante hostil.

Bianca Goes, 26 anos, encontrou no TikTok a ferramenta ideal para falar sobre futebol. Ela afirma que "se acostumou" com comentários machistas desde a infância, com homens minimizando o gosto pelo futebol e o conhecimento sobre o esporte.

Mas, na internet, ela sente que o "hate" da rede social tem piorado. "Com relação ao ódio, parece que cada vez mais isso está aumentando. As pessoas descontam suas frustrações nas outras e fazem tudo para machucar a outra pessoa, como uma reação a uma opinião de que ela não gostou", relata Bianca, que também faz parte do time de criadores de conteúdo das redes sociais do UOL Esporte.

Pessoalmente, ela se lembra apenas de uma ocasião em que foi ofendida ao entrar no estádio.

Conhecida pelos fãs de NBA, Alana Ambrosio, comentarista da ESPN, começou nas redes sociais antes de chegar à televisão. Ela conta que, no início da carreira na TV, era comum ler na internet questionamentos como: "O que você fez para merecer estar lá?" ou "Por que não vai comentar basquete feminino?". Há, ainda, o assédio.

"O assédio é constante. Às vezes, vem mascarado de elogio. Às vezes, é até uma grande mistura. Tentam justificar que você conseguiu algo porque é bonita. Ignoram toda a sua trajetória e simplesmente têm vontade de te atacar", diz.

Pior do que o mundo real

Alana Ambrosio, comentarista da ESPN, entende tudo de basquete - Divulgação - Divulgação
Alana Ambrosio, comentarista da ESPN, entende tudo de basquete
Imagem: Divulgação

Apesar de o ambiente online ser uma importante ferramenta para que as mulheres construam o próprio espaço, a internet e as redes sociais são mais hostis do que o mundo real, como explica David Nemer, professor de Estúdios de Mídia, na Universidade da Virgínia, e autor de "Tecnologia do Oprimido".

"A internet amplifica todos os anseios da nossa sociedade. Ou seja, se nós vivermos numa sociedade que é misógina e patriarcal, isso vai ser amplificado na internet", afirma.

Questionado sobre a potencialização da agressividade dos usuários nas redes sociais, Nemer confirma que o anonimato faz com que as pessoas se sintam mais livres para destilar ódio. "Há essa percepção geral de que as pessoas são mais agressivas e diretas online porque elas são anônimas. E, ali, elas podem agir tão desagradavelmente quanto quiserem, sem consequências imediatas", diz.

David Nemer toma cuidado para não seguir pelo caminho clichê da resiliência. "É claro que a primeira coisa que vem na cabeça é falar que as mulheres precisam ser resistentes e lutar, mas é claro que isso tudo tem um preço. Tudo tem um limite, e isso é muito desgastante para a saúde mental das mulheres. E até mesmo para a saúde física."

Para que o ambiente fique mais sustentável, ele afirma que há um papel importante das mulheres se apoiarem, mas também dos homens: "Eles precisam fazer parte da luta feminista e dar apoio às mulheres. Porque são os homens, na maioria, que promovem essa opressão diante das mulheres. Quando compartilhamos opiniões, colunas, notícias das mulheres ou as falas delas, começamos a normalizar a presença das mulheres nesses espaços."

Alana Ambrosio define que manter a sanidade em meio ao ambiente digital é um exercício de paciência, resiliência e autocontrole. "É imprescindível filtrar as críticas e ter o discernimento do que é pontual em relação ao seu trabalho, de onde você pode melhorar, e do que é um puro ataque."

"Para cada mensagem ruim, tem uma tonelada de mensagens massa e uma rede de apoio muito bacana, com pessoas que curtem o trabalho e acompanham. Acho que o caminho é fazer esse filtro."

Vergonha da câmera

Bianca conta que encontrou no TikTok a ferramenta ideal para falar sobre futebol. A ideia, inicialmente, era criar um canal no YouTube ou no Instagram, mas a timidez a impediu. "Eu sempre tive muita vontade de ter um canal, de criar conteúdo no Instagram, mas sentia vergonha. Não conseguia pensar em aparecer na frente da câmera", conta.

"Até que um dia eu baixei o TikTok despretensiosamente, só para assistir mesmo. E acabei criando um vídeo com umas fotos, relacionadas com o futebol, claro. E o vídeo deu muita visualização. A partir daí, comecei a repensar a ideia de aparecer."

Hoje, Bianca está perto dos 400 mil seguidores na rede social —e não tem mais medo de expor seu rosto. São-paulina, ela faz vídeos sobre o time do coração e também sobre futebol feminino no geral. Bianca conta que criar o próprio espaço para falar de esporte é um sonho de criança realizado.

"Quando eu era pequena, eu não via mulher fazendo isso. Era uma ou outra comentarista específica de um esporte ou outro. Então, estar conseguindo conquistar meu espaço é gratificante e a realização de um sonho."

Dos blogs para a TV

Já Alana iniciou seu trabalho nas redes sociais, antes de chegar à televisão. "Eu comecei a criar conteúdo de basquete em 2016, simplesmente porque eu adorava. Eu adorava o jogo, adorava assistir com meu pai. Era um programa sagrado para mim."

O início foi no Twitter e também em um blog, que atualizava sem periodicidade definida. Ao entrar na faculdade de jornalismo, não mirava o esporte —tanto que, por sete anos, trabalhou em outras áreas do jornalismo, e não com basquete, como hoje.

Ainda assim, a presença nas redes foi importante quando uma oportunidade chegou. "Mas, no fim, foi exatamente isso que acabou me abrindo portas. Na hora em que surgiu a oportunidade em um programa de TV, várias pessoas lembraram meu nome porque eu comecei a fazer esses posts."

Hoje, em um espaço de mais visibilidade como a televisão, Alana afirma que vê a internet como uma ferramenta imprescindível para que mulheres consigam reforçar que o esporte é também o lugar delas.

"As portas não se abrem simplesmente quando você é mulher. É preciso se inserir e achar uma forma de encontrar um pertencimento, de agarrar essa representatividade. Nada é entregue de mão beijada."

Bianca completa: "Se você tem vontade mesmo, você tem que ir atrás, lutar. E tem de começar por algum lugar, porque as coisas não vão brotar da terra para você. Tem que colocar sua cara, mesmo. Vergonha todo o mundo tem no início, mas liga a câmera, começa a gravar, ou começa a escrever. E quanto mais você for conhecendo novas pessoas, você vai ver que tem uma comunidade muito massa, com gente legal, disposta a te ajudar e te dar as mãos."