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Por que Oscar de 2022 pode ser histórico para mulheres

Ana Carolina Pinheiro

Colaboração para Universa, de São Paulo

27/03/2022 04h00

A participação de mulheres entre os indicados da 94ª edição do Oscar, cuja cerimônia será realizada neste domingo (27) pode ser vista como uma busca pelo equilíbrio entre os gêneros em Hollywood. O número de candidatas neste ano é menor em relação aos três últimos anos —apenas 28% das indicações correspondem a mulheres—, mas Jane Campion, diretora de "Ataque dos Cães", se tornou a primeira mulher a concorrer pela segunda vez na categoria de melhor direção, e pode ser a terceira, em toda a história, a conquistar a estatueta.

A edição ainda conta com uma aposta de vitória feminina inédita na categoria de melhor direção de fotografia com Ari Wegner, de "Ataque dos Cães", sendo a segunda mulher na história da premiação indicada à categoria. Antes dela, a diretora Rachel Morrison foi a primeira a ser indicada, em 2018, pelo seu trabalho em "Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississippi", da cineasta Dee Rees.

Em entrevista à CNN, a favorita Ari Wegner reagiu sobre a ausência de vitórias de mulheres na categoria. "Espero que isso mude em breve." Uma pesquisa do Estudo da Mulher na Televisão e no Cinema da Universidade Estadual de San Diego aponta que entre os 250 filmes de maior bilheteria americana, no ano passado, somente 6% contou com uma mulher na direção de fotografia, mostrando que o problema vai além da premiação.

Quando olhamos para a etnia das profissionais indicadas, o copo fica mais vazio pela falta de diversidade. São apenas seis mulheres negras e duas latinas concorrendo, sendo que Germaine Franco, nomeada em trilha sonora original por "Encanto", é a primeira mulher latina a ser indicada nesta categoria. Kristen Stewart, aposta para melhor atriz por "Spencer", e Ariana DeBose, que disputa o troféu de melhor atriz coadjuvante por "Amor Sublime Amor", representam uma parcela escassa de nomeadas LGBTQIA+.

Conheça a trajetória dessas mulheres que já entraram para a história do Oscar ao driblar a desigualdade de gênero no audiovisual e que podem trazer mais vitórias neste domingo.

Ari Wegner

Cena de "Ataque dos Cães", com direção de fotografia de Ari Wegner - Divulgação/Netflix - Divulgação/Netflix
Cena de "Ataque dos Cães", com direção de fotografia de Ari Wegner
Imagem: Divulgação/Netflix

A arte sempre esteve presente na vida da diretora de fotografia de "Ataque dos Cães", Ari Wegner. Filha de artista plástico e de uma entusiasta da cultura, estudou cinema e desenvolveu o seu trabalho voltado para o cenário independente até 2016, quando filmou "Lady Macbeth", produção que a projetou para o cenário mainstream.

O convite para participar de "Ataques dos Cães" foi feito pela própria Jane Campion, diretora do longa, que tinha conhecido anteriormente em um projeto publicitário, por uma ligação de telefone, em 2018. Juntas, elas construíram um trabalho meticuloso de pré-produção durante um ano, que agregou a Ari conhecimentos essenciais para a história, como vegetação, rochas e particularidades da criação de gado. O resultado desse mergulho já foi reconhecido no BAFTA com o prêmio de melhor fotografia, e tem tudo para se repetir no Oscar.

Germaine Franco

Em "Encanto", trilha original foi feita por uma mulher - Divulgação/Disney - Divulgação/Disney
Em "Encanto", trilha original foi feita por Germaine Franco, a primeira latina indicada para categoria do Oscar
Imagem: Divulgação/Disney

Nascida na Califórnia, a compositora Germaine Franco foi criada em El Paso, cidade estadunidense que faz fronteira com o México. A cultura dos seus antepassados a abraçou de forma única, reforçando, inclusive, sua conexão com a música.

Ela é indicada por melhor trilha original pelo seu trabalho na animação "Encanto" e é a primeira mulher latina a ser convidada para fazer parte da Academia de Hollywood. Também é a primeira mulher a compor uma música para uma animação da Disney e primeira latina indicada ao Oscar na categoria de melhor trilha original. Ela, porém, não vê muito o que se comemorar por esses títulos.

"Sinto-me mal por ser a única, mas faço parte de diferentes organizações para trazer mais mulheres, especialmente não brancas ,para a nossa indústria. Do meu jeito, estou tentando abrir as portas, mas é difícil, não acho que uma única pessoa consiga fazer isso sozinha e, nesse sentido, é tudo muito triste", declarou.


Jane Campion

A dobradinha de filmes dirigidos por Jane Campion com indicação ao Oscar segue a sua trajetória disruptiva. Após 28 anos de "O Piano" concorrer como melhor direção e ganhar melhor roteiro original, a diretora neozelandesa está novamente na disputa pela estatueta, tornando-se assim a primeira mulher a realizar este feito como diretora.

Há duas semanas, Jane venceu o prêmio do Sindicato de Diretores da América, reforçando seu favoritismo para o Oscar. Caso isso se concretize, ela será a terceira mulher a levar o grande prêmio para casa. Além da própria nomeação, a diretora ainda tem mais 11 chances de ver seu filme premiado. "Ataque dos Cães" é a produção com mais nomeações neste ano e dificilmente ficará sem uma estatueta.

Falta representatividade

Entre as principais categorias Oscar 2022, somente a de atriz coadjuvante conta com indicações de mulheres negras. São duas: ArianaDeBose, pelo filme "Amor, Sublime Amor", e Aunjanue Ellis, por "King Richard: Para Além do Jogo".

Aunjanue interpreta Brandi Williams, a mãe das tenistas Serena e Venus Williams. A atuação da norte-americana rendeu sua primeira indicação na categoria.

Aunjanue Ellis como Brandi Williams em "King Richard" - Reprodução - Reprodução
Aunjanue Ellis como Brandi Williams em "King Richard"
Imagem: Reprodução

Além da atuação, a atriz marcou o debate de gênero e raça no audiovisual ao questionar a disparidade salarial no elenco, denúncia apoiada por Will Smith.

"Depois de conseguir o emprego, a luta não acabou. Você sabe que tem que lutar pela igualdade salarial? Eu fiz esse trabalho, e sou grata por isso, mas poderia ter sido mais bem paga. [Smith] abordou isso com o aumento do meu salário, e os outros atores do filme também tiveram seus salários aumentados, o que é a prova de que quando as mulheres negras se dão bem, todo mundo se dá bem", disse em uma carta sobre a sua participação em "King Richard".

Mudança de cenário

Para a atriz e roteirista Nara Chaib Mendes, que pesquisa como o patriarcado vem afetando a existência das mulheres na arte, a redução nas indicações femininas nesta edição deve acender um sinal de alerta. "O Time's Up e o Me Too [movimento pelos direitos das mulheres na indústria cinematográfica americana] mostraram a importância da nossa voz ser ouvida e representada no audiovisual, mas é impossível não se preocupar com um possível retrocesso. Essa luta tem que ser constante. Vamos celebrar as conquistas, mas sempre atentas para não deixar a peteca cair", reflete Nara, que também é preparadora de elenco.

Voltar a atenção para a composição da Academia do Oscar também é um movimento urgente, na visão de Nara. "São 8 mil membros ocupando aquele lugar. Gostando ou não do Oscar, a estatueta confere visibilidade e, consequentemente, dinheiro a quem recebe, por isso a diversidade precisa partir desses olhares", defende.

"A maneira como as histórias são contadas interfere na sociedade, então, se a gente tem o protagonismo de homens brancos contando-as, temos, muitas vezes, um retrato reduzido e distorcido da realidade. Agora, se nós estamos atrás das câmeras e na tomada de decisão, o recado será outro."

O caminho para chegar a essas premiações precisa passar por mais acesso à formação adequada, ponto crucial para decidir quem terá ou não chance de se desenvolver profissionalmente. A diretora e atriz Ana Flávia Cavalcanti, a Carola de "Além do Tempo" (Globo), reflete sobre como enfrentou esse processo.

"Cheguei na escola de teatro com 25 anos, depois fiz um ano de estágio na França e comecei profissionalmente mais bem colocada, aos 30 anos, o que é considerado um pouco tarde para outras pessoas. Mas, com o tempo, construímos outras realidades. Hoje, por exemplo, estou em um filme em que a única criança é um menino negro retinto. Isso mostra que é necessário formação e interesse das produtoras para contemplar pessoas diversas", considera Ana Flávia, que atualmente prioriza sua participação em obras pensadas por profissionais negros.

"O cinema, entre todas as artes, é o mais elitista, depois das artes plásticas. Há o impulso de reagir diante do racismo, acredito que meu maior desafio é conseguir respirar nessas situações. Mas também há a delícia de poder ocupar espaços que não foram sonhados e só se tornaram reais com o acesso à educação", aponta a diretora.