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Nadadora teve parada cardíaca aos 5 e virou campeã: 'Queria deixar legado'

Jhennifer Alves, medalhista de ouro e bronze nos jogos Pan-Americanos e recordista sul-americana - Divulgação / Fila
Jhennifer Alves, medalhista de ouro e bronze nos jogos Pan-Americanos e recordista sul-americana Imagem: Divulgação / Fila

Natalia Andrade

Colaboração para Universa

04/11/2021 04h00

O esporte salva vidas. A frase, que é amplamente repetida, se torna mais que literal quando falamos da nadadora Jhennifer Alves, 24 anos. Aos cinco, ela sofreu uma parada cardíaca e seus pais decidiram investir no esporte para melhorar a saúde da filha, sem saber que aquele seria o primeiro passo para uma carreira brilhante na natação. Com uma medalha de ouro e duas de bronze nos jogos Pan Americanos, ela é uma das principais apostas da natação brasileira para as próximas Olimpíadas —e quer deixar um legado para as nadadoras mais novas.

Natural de Nova Friburgo (RJ), Jhennifer pratica canto, balé e outras atividades, e investiu na natação como alternativa para melhorar as condições de saúde. A relação com as piscinas começou com um projeto que duraria inicialmente apenas três meses, mas continuou assim que o professor enxergou o talento que ela tinha dentro d'água. Quando chegou a idade de competir, recebeu uma proposta do Botafogo, mas a paixão do pai falou mais alto.

Eu queria muito competir, me federar, mas meu pai é flamenguista doente. E quando o Botafogo me chamou ele conversou comigo, me pediu para esperar um pouco mais, que depois surgiria uma oportunidade melhor e eu não poderia me mudar para o Rio naquela época.

Acabou que, um ano depois, veio uma proposta do Flamengo e ela poderia continuar em sua cidade natal, que fica na região serrana do estado. "Na época eles queriam só me federar, mas quando eu competi o primeiro brasileiro, eles conversaram com meu pai e disseram que eu era muito boa. Que era hora de decidir se eu queria realmente me profissionalizar, dar prioridade à natação e ir treinar na Gávea."

'Vi que aquilo ali era real'

No Flamengo, ela ficou por três anos. O pai se mudou com ela para o Rio, para viver o sonho da filha. Em 2014, ela conseguiu se classificar para o Pan Americano de Toronto, em que conquistou a medalha de Bronze no revezamento, e passou a sonhar com a Olimpíada. Lá também passou a conviver com grandes referências da natação, sendo a principal delas a nadadora Joanna Maranhão.

Eu era a mais nova da seleção e ali foi quando eu olhei e disse: quero ser igual a esse pessoal que está aqui. Igual Felipe Lima, Bruno Fratus, Thiago Pereira, Joanna Maranhão. Já que está acontecendo para mim tudo mais cedo do que aconteceu para eles, eu quero ser igual e conquistar mais do que eles conquistaram.

Jhennifer tinha, então, 16 anos. "Estar ao lado da Joanna e do Bruno, me sentir abraçada pelos meus ídolos, foi fundamental. Eu vi que aquilo ali era real."

A nadadora Jhennifer Alves - Divulgação - Divulgação
A nadadora Jhennifer Alves
Imagem: Divulgação

Após o Pan, ela recebeu uma proposta para treinar e estudar nos Estados Unidos, mas a família não teria condições de sustentá-la e ela perderia a bolsa do clube, que a mantinha no esporte. Ainda assim, a prioridade passou a ser a natação e o objetivo era a Rio 2016.

Minha vida deu uma mudada, eu tive que amadurecer muito, não tive uma vida normal como as minhas amigas de infância. O estudo não era a minha prioridade, apesar de eu não tirar notas vermelhas ou coisa do tipo.

A atleta decidiu, então, correr atrás do resultado que teria se tivesse mudado para os EUA. "Passei a me dedicar o dobro. Em 2015 eu não estava mais feliz no Flamengo, porque a estrutura lá não era tão boa e o foco era o futebol. Eu recebi uma proposta do Pinheiros, que é o principal clube para natação, e abracei uma vida nova. Lá tinha outra menina treinando a mesma modalidade, e isso me incentivava muito."

Nadando entre homens

Desde os 14 anos, Jhennifer conviveu em um meio majoritariamente masculino. Morando apenas com o pai e sendo a única mulher a nadar peito no Flamengo, ela precisou se reafirmar por diversas vezes no esporte. O modelo feminino vinha das irmãs e da mãe e, depois, no Pinheiros, quando passou a conviver com outras nadadoras. Hoje, além da ex-nadadora Joanna Maranhão, ela cita a colega Etiene Medeiros como principais parâmetros no esporte.

"Eu cresci no meio dos meninos. No Rio não tinha outra menina na minha modalidade e foi bem difícil, porque eu sempre me inspirei na minha mãe. E eu queria não só ganhar medalhas, mas crescer como uma mulher que deixaria um legado para as meninas que estão vindo. E entrar no Pinheiros, ver as meninas, estar ali com as meninas me ajudou muito."

Hoje eu sou novamente a única mulher que treina peito, mas ter treinado com outras mulheres me fortaleceu para me entender enquanto a mulher que eu sou, a não me entender enquanto sexo frágil, e mostrar para os meninos que se eles derem mole, a gente vai passar na frente deles.

A atleta conta que ela e outras nadadoras conseguiram chamar a atenção da confederação brasileira para a questão da desigualdade de gênero. "Aconteceu que, para uma ação na pandemia, eles levaram 16 pessoas e eram só duas mulheres. A gente se reuniu e decidiu que não deixaria mais isso ocorrer. O Brasil tem capacidade de ter atletas muito boas, mas precisamos de um olhar mais voltado a isso."

São poucas as atletas que sobrevivem até o alto rendimento porque a gente enfrenta muita dificuldade para fazer o nosso melhor. Eu tento tirar do meu bolso para competir fora quando posso, para isso se tornar natural, para que as meninas mais novas vejam que é possível.

Depressão

Outro ponto em comum com Joanna, esse não tão positivo, foi a depressão. A cobrança excessiva pelos resultados e a responsabilidade de ser uma das principais promessas na natação quase abreviaram a trajetória de Jhennifer nas piscinas.

Sim, eu pensei em desistir. A minha carreira foi muito rápida, em 2016 eu tive depressão porque era pressão demais, dos meus pais, do clube, do técnico e minha mesmo.

"A gente já tem a nossa cobrança, somada às outras... Foi bem difícil sair", conta Jhennifer. "Logo nos anos seguintes eu fiquei fora das seleções, por vários critérios. Em 2017 eu só peguei a seleção paramilitar, e eu pensei bastante: eu me dedico tanto para estar nessa situação? Não dependia só de mim, mas da confederação, que não tinha dinheiro para mandar a gente para as competições."

A nadadora Jhennifer Alves - Divulgação - Divulgação
A nadadora Jhennifer Alves
Imagem: Divulgação

Recentemente, após os Jogos de 2020, em Tóquio, a atleta pensou em desistir de novo.

Fechei a seletiva como melhor atleta feminina do país e estava fora da Olimpíada, eu não conseguia absorver isso tudo e eu não podia parar.

"Fiquei pré-classificada e tive que treinar como se fosse para Tóquio. Descobri aos 45 minutos do segundo tempo que eu não ia. E aí me falaram que o COB [Comitê Olímpico do Brasil] já estava me tratando como possível medalha para 2024. Eu já entrei no ciclo pra 2024, mas era difícil aceitar o tempo que eu fiquei parada, o que eu passei na pandemia, tanto que eu nem assisti direito aos jogos, não foi fácil. Eu era a melhor atleta do país, o que eu estava fazendo ali? E logo em seguida veio a seletiva para o mundial do final do ano, o que tirou um peso das minhas costas."

Biomedicina e maternidade

Além disso, Jhennifer faz faculdade de Biomedicina e está focada em concluir os estudos o mais distante possível das Olimpíadas, para que uma carreira não atrapalhe a outra. Além disso, a nadadora sonha ser mãe, mas sabe que conciliar a maternidade com o esporte seria quase impossível. Por isso, diz, pretende deixar as competições após a próxima olimpíada. Até lá, ela ainda faz uma ponta como digital influencer, expondo a rotina nas redes sociais na tentativa de atrair patrocinadores.

"Atualmente eu sou patrocinada pela Fila, que faz um trabalho muito bom e valoriza as mulheres atletas, inclusive faz campanha para que o público possa acompanhar as modalidades aquáticas femininas. E isso é muito importante, porque chegar em cima da hora e patrocinar é fácil, mas eu costumo dizer que os três anos que antecedem as Olimpíadas são muito mais importantes, porque eles é que determinam como a gente vai chegar lá, e infelizmente não tem essa visibilidade, natação feminina não passa na TV", desabafa.

A nadadora Jhennifer Alves - Divulgação - Divulgação
A nadadora Jhennifer Alves
Imagem: Divulgação

"E por isso eu uso as redes sociais, porque muitas vezes o atleta amador acompanha e quer saber o óculos que eu uso, o maiô que eu uso, qual material é melhor para ter um desempenho num determinado tipo de nado. Eu brinco que o atleta amador é uma criança com um cartão black, e seria importante que os patrocinadores também vissem isso."