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Ana Cañas fala sobre orgasmo, BDSM e mais em novo programa: 'Papo reto'

Ana Cañas estreia como apresentadora de TV no programa "Sobrepostas" - Divulgação
Ana Cañas estreia como apresentadora de TV no programa 'Sobrepostas' Imagem: Divulgação

Mariana Toledo

Colaboração para Universa

27/10/2021 04h00

Nesta semana, a cantora Ana Cañas fez sua estreia como apresentadora à frente do "Sobrepostas", que vai ao ar pelo Canal Brasil às segundas, às 23h45. No programa, que é dirigido por Lívia Cheibub e Martina Sönksen, Ana encontra mulheres cis e trans e pessoas não-binárias para conversas sobre sexualidade. A cada episódio, ela recebe convidades em uma casa para papos sobre temas relacionados à energia que motiva as mulheres a encontrarem prazer, afetos e intimidade.

As trocas têm o intuito de naturalizar o assunto e inspirar mulheres de todas as idades a resgatarem suas próprias memórias da iniciação sexual, passando pelos momentos de excitação, frustração, autoconhecimento, desejo e fantasias, incentivando a conversa de forma natural e acolhedora. Há episódios sobre menstruação, orgasmo e masturbação, entre outros temas.

Na atração, cenas ficcionais dialogam com as experiências compartilhadas pelas convidadas. Essas imagens são sensoriais e buscam a poética sexual de cada pessoa, de cada corpo. "A experiência do programa me transformou completamente", conta Ana, em um bate-papo exclusivo com Universa.

Esse exercício de sair da nossa bolha é muito importante. Eu sou uma mulher branca, cis, magra, bissexual. Dentro da estrutura social, tenho privilégios. Então foi muito especial esse processo de conversar com outras mulheres —às vezes com experiências iguais às minhas, às vezes muito diferentes.

A artista confessa ter ficado nervosa. "Falava muito sobre isso com as diretoras. Porque, por exemplo, uma coisa é você conversar com uma pessoa não-binária normalmente e outra é você conversar com uma pessoa não-binária sendo gravada, para todo mundo assistir."

Tinha medo de cometer deslizes. Mas estudei muito, li sobre as especificidades. E não tinha vergonha de perguntar, de me colocar nesse lugar de aprendizado.

"Eu tinha roteiros para seguir mas, muitas vezes, não me prendia a eles, porque as conversas eram muito informais, num ambiente acolhedor", conta. "Todas as convidadas foram incríveis. Eu as acolhi e elas também me acolheram na minha ignorância em relação a alguns aspectos", completa.

'Tenho interesse por BDSM'

Entre as convidadas da temporada, estão Marina Vergueiro, que fala sobre o sexo após o diagnóstico de HIV; Fernanda Bourbon, uma mulher trans que bate um papo sobre sexo oral; a não-binária AJ, que discute sexo menstruade; e Anna Gabrielle, que participa do episódio sobre BDSM, um dos que Ana mais gosta.

Ana Cañas - Divulgação - Divulgação
Ana Cañas: 'Sexualidade feminina é um instrumento de empoderamento'
Imagem: Divulgação

"Tenho super interesse por BDSM. Nunca pratiquei, mas tenho curiosidade. Nesse episódio fiz muitas perguntas. E esse é o diferencial do programa, esse tom de papo reto. Fui me sentindo cada vez mais à vontade conforme fui gravando. Se tivéssemos a figura de uma especialista ali, acho que o tom seria diferente."

Desconstruindo o tabu

Ana acredita que falar sobre sexo e especialmente sobre a sexualidade feminina ainda não seja algo naturalizado na sociedade. "Estamos em um momento de desconstruir o tabu, mas ainda precisamos falar mais a respeito. Há muitas mulheres que não conhecem o próprio corpo e, sem conhecer, você não tem como fazer uma troca de qualidade, se realizar completamente, indicar o caminho para o parceiro ou parceira."

Sexualidade feminina é um instrumento de empoderamento. Estamos falando de mudanças em um nível individual e coletivo. Isso transforma vidas. É uma das ferramentas de mudança de estrutura social.

A cantora e apresentadora lê autoras feministas —entre elas Djamila Ribeiro, Audre Lorde e bel hooks, que ela considera grandes referências. "A Djamila diz que a única forma de derrubar a opressão e o estigma é quebrando o silenciamento. Esse seria o primeiro passo. E eu concordo muito!"

'Dani Calabresa foi corajosa'

Ana revela que sofreu um episódio de assédio dentro da própria família quando ainda era nova. "Foi ali que percebi como tudo isso era um grande tabu —pela forma como aconteceu, pela maneira como as pessoas à minha volta lidaram com isso. Houve uma pressão por silenciamento dentro da minha casa. Isso reverberou ao longo de toda a minha vida. E esse foi só o meu primeiro contato com o assédio e toda essa questão de violência de gênero", relembra.

Depois, trabalhando com música, a artista enfrentou alguns outros casos de assédio. "Dentro de gravadora, na televisão. Isso é muito comum. Temos falado mais sobre isso, ainda bem. O caso da Dani Calabresa ajudou muito nesse sentido. Ela foi muito corajosa de expor tudo o que passou. Essa ainda é uma realidade brutal dentro das famílias e nas hierarquias de trabalho", reforça.

Ana Cañas - Divulgação - Divulgação
Ana Cañas: 'A experiência do programa me transformou completamente'
Imagem: Divulgação

'Fama de sapatão'

Aos 15 anos, Ana começou a sair com meninas —o que deixou ainda mais claro para ela como a sociedade não lidava bem com a sexualidade e a liberdade das mulheres. "Na escola, logo fiquei com fama de sapatão. E diziam isso como uma coisa muito pejorativa, de forma agressiva mesmo."

Lembro uma vez em que um dos professores, na chamada, me chamou de 'Ana Paula Sapatão'. Foi horrível. Fiquei muito traumatizada. Levei muito tempo para voltar a sair com mulheres. Na época, eu agia como se aquilo tudo não me atingisse.

"Tinha personalidade forte, enfrentava aquela violência, o bullying. Mas depois percebi que isso tinha me atingido de uma forma muito profunda", confessa. A artista, inclusive, foi casada com um homem e passou alguns anos nesse relacionamento até voltar a se envolver com mulheres. "Passei por muito julgamento social e preconceito desde muito nova e isso me afetou bastante. Foram anos para me recuperar dos traumas, reviver minha sexualidade sadia."

Hoje, ela acredita que estejamos no meio de um caminho que ainda é longo, mas já apresenta mudanças sutis. "Temos muita estrada pela frente para percorrer, mas é um início. Já percebo recortes de pequenas mudanças. E acho que a televisão acolher um programa como o 'Sobrepostas' —que tem cenas eróticas, constrói uma nova narrativa para a sexualidade feminina, é filmado por mulheres, recebe mulheres reais, de todos os tipos— é muito importante."