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Campanha incentiva mãe a pôr nome de filho no currículo: 'Filho é potência'

Camila Antunes e Michele Levy fundaram a consultoria "Filhos no Currículo" - Arquivo pessoal
Camila Antunes e Michele Levy fundaram a consultoria "Filhos no Currículo" Imagem: Arquivo pessoal

Júlia Flores

De Universa

25/10/2021 04h00

Em 2018, as amigas Camila Antunes, de 38 anos, e Michele Levy, de 36 anos, se uniram para criar a consultoria Filhos no Currículo, que ajuda empresas a se tornarem lugares mais acolhedores para mulheres que, como elas, precisam se desdobrar para dar conta das inúmeras demandas da maternidade e da carreira. Desde a criação, a consultoria já atendeu grandes empresas como Magalu, Danone e Banco Votorantim.

Este mês, Camila, que é advogada e pedagoga, e Michele, que é comunicadora, lançaram a campanha #MeuFilhoNoCurrículo nas redes sociais para incentivar mães a adicionarem os nomes de seus filhos ao currículo. "Nossa intenção é fazer um convite para que pessoas e empresas declarem publicamente que filhos são potências", explica Michele.

Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em março deste ano apenas 54,6% das mães de 25 a 49 anos com filhos de até 3 anos estavam empregadas no Brasil. O índice de mulheres que desistem da carreira nos dois primeiros anos pós-maternidade também é alto: chega a 48%, segundo levantamento realizado pela Faculdade Getúlio Vargas em 2017.

Eu tinha a ideia de que, se eu não trabalhasse, poderia ser uma boa mãe. Como se fosse antagônico ser mãe e ser profissional de qualidade - Camila Antunes, advogada e pedagoga

Entre os motivos para o abandono da carreira estão a sobrecarga e o estresse causados pelo acúmulo de funções e também pela falta de acolhimento no ambiente profissional. Foi o que aconteceu com a própria Camila, que é mãe de Isabel, de 6 anos, e João, de 4: "Pedi demissão grávida do meu segundo filho. Eu já estava enfrentando dificuldades na criação da primogênita e não podia conversar sobre isso no trabalho. De repente me vi frustrada tanto no emprego quanto na maternidade".

#MeuFilhoNoCurrículo

A consultoria oferecida pelas duas amigas para promover o acolhimento nas empresas inclui treinamentos, capacitações, revisão de políticas internas e desenvolvimento de lideranças.

Até o momento a campanha #MeuFilhoNoCurrículo já conta com 40 mil interações, sendo que a maioria delas acontece no LinkedIn, rede social focada em trabalho. Uma das mães que aderiu ao projeto é Vanessa Cabral, de 35 anos, executiva do setor de RH do Banco BV.

"As empresas têm que ver a chegada de um filho como uma potência; desse modo, os profissionais que são pais serão acolhidos", diz Michelle Levy - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"As empresas têm que ver a chegada de um filho como uma potência; desse modo, os profissionais que são pais serão acolhidos", diz Michelle Levy
Imagem: Arquivo pessoal

"Eu fui acolhida no meu ambiente profissional e isso fez total diferença para que eu continuasse no trabalho mesmo depois da chegada da Laura, que hoje está com 2 anos", comenta a executiva que, aos 5 meses de gestação, foi promovida. "A promoção transformou o processo de me tornar mãe mais fácil, porque a maternidade gera uma autocobrança muito forte. Você passa a duvidar de si, das suas capacidades"

Habilidades adquiridas com a chegada de um filho

Uma análise realizada pela Filhos no Currículo em parceria com o Movimento Mulher 360 apontou algumas habilidades desenvolvidas pelas mulheres no período pós-maternidade. As entrevistadas relataram ter ampliado em 74% a paciência, em 57% a tolerância e em 56% a capacidade de definir prioridades.

"Com a chegada da minha filha, fui levada ao autoconhecimento. Desenvolvi um olhar diferente para o meu time, me tornei uma mulher com mais empatia, isso aumentou a minha conexão com a equipe", diz Vanessa.

Ela também passou por dificuldades e desafios no pós-maternidade. "Logo no início me dei conta de que eu já não dava mais conta de fazer tudo e que eu precisava fazer a gestão do meu tempo de uma forma diferente. Tive a sorte de ter gestores que entenderam isso".

As empresas têm que ver a chegada de um filho como uma potência; desse modo, os profissionais que são pais serão acolhidos - Michele Levy, comunicadora

"Nosso problema é cultural, não adianta a empresa ter uma licença estendida se os líderes dela não entendem a maternidade", frisa Michele. "Nossa intenção não é ajudar a mulher a crescer e chegar a cargos de liderança a qualquer custo, mas, sim, de uma maneira emocionalmente saudável".

Não existe "mãe-maravilha"

Camila Antunes pediu demissão do trabalho quando estava grávida do segundo filho - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Camila Antunes pediu demissão do trabalho quando estava grávida do segundo filho
Imagem: Arquivo pessoal

Para chegar à liderança de uma forma saudável, Camila sugere que as empresas ofereçam serviços psicológicos a suas colaboradoras. "A gente incentiva a empresa a ter mais canais de contato com as funcionárias, conversar, dialogar. É um momento em que a mulher entra em contato direto com a dor, o amor, a raiva, o medo. No começo, eu tinha a sensação de que um erro meu invalidava meu dia. Todo mundo erra. Acabamos nos tratando pior do que deveríamos".

"A verdade é que a perfeição não existe. Não existe vida profissional e maternal sem conflitos. Se a gente aceitar que o erro e o conflito fazem parte da nossa jornada, e que tudo bem a gente recomeçar, pedir ajuda, desculpa, tentar novamente, as coisas melhoram", comenta. A advogada reforça a importância da mulher contar com uma rede de apoio fora do trabalho. "O pai, outros familiares e a empresa também devem ajudar na criação do filho".

Na pandemia de covid-19, o acúmulo de funções na mulher causou aumento de casos da síndrome de esgotamento, o burnout. Para ajudar empresas a passarem por esse período de uma maneira menos turbulenta, as criadoras do projeto Filhos no Currículo contam que chegaram a realizar 50 eventos digitais com palestras e workshops em menos de 21 dias.

"Sabemos que cada família é uma família, cada história é uma história. A mãe solo, a mãe atípica, a mãe de periferia têm necessidades diferentes, mas, em todos os casos, é importante ter alguém cuidando de quem cuida", conclui Camila.