Maternidade ou carreira? Nenhuma mulher deveria ter que fazer essa escolha
Ter que escolher entre a maternidade ou a carreira não deveria ser uma obrigação na vida de nenhuma mulher. Ainda assim, metade das mulheres abandonam o emprego em até dois anos após a licença-maternidade.
A dificuldade em conciliar esses dois universos, em parte pela carga social que pesa sobre a mulher, em parte pela falta de habilidade das empresas em oferecer um ambiente conciliador para as funcionárias, foi o mote para o debate do terceiro dia desta edição de Universa Talks, cujo tema neste ano é "A Mulher no Mercado Trabalho".
O painel foi mediado editora-chefe de Universa, Marina Bessa, que debateu sobre os desafios de conciliar carreira e maternidade com Solange Sobral, vice-presidente de operações da CI&T, e Josie Romero, vice-presidente de operações, logística e suprimentos da Natura&Co. Bel Santos Mayer, coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC), encerrou a programação falando sobre a força mobilizadora das mães e da importância da educação.
A decisão de ser mãe
Josie conta que, desde muito nova, considerava que só poderia ser feliz se fosse bem-sucedida na carreira e também pudesse ter filhos, com uma vida familiar bem-estruturada. "Queria achar alguém que dividisse esse sonho comigo. Então, desde o namoro, eu meu marido já conversávamos sobre isso", diz.
E o principal para fazer com que o modelo funcionasse foi o planejamento. "É necessário preparar a saída, negociar a volta [pós-parto], mas também contar com uma rede de apoio, seja de familiares ou de amigos, e poder ter a segurança de uma rede de proteção para você e para a criança", indica.
Solange diz que o principal ponto que faz com que muitas mulheres acreditem que não é possível conciliar as duas frentes é a culpa. "Ainda existe a cultura de que a mulher é a cuidadora e o homem é o provedor. Quando você tem um bebezinho em idade de amamentação, é impossível não sentir culpa em deixá-lo para ir trabalhar", afirma.
Mas esse cenário é permanente da vida de uma mãe. "Quando eles crescem e começam a pedir pela sua presença é ainda mais pesado. A gente sempre se sente culpada. Então, entender o machismo estrutural é importante. É o primeiro passo para entender: 'não sou só eu', mas algo permeia a vida de todas as mulheres", diz Solange.
Essa dificuldade, contam as convidadas, fez com que elas cogitassem, após a maternidade, deixar o trabalho para se dedicar às crianças. Josie relatou sua experiência: com uma filha de 2 anos, se mudou para o Centro-Oeste, e viu a pequena sofrer com a baixa umidade e ficar doente — o que a levou a se questionar "várias vezes" sobre as decisões de carreira.
É necessário preparar a saída, negociar a volta [pós-parto], mas também contar com uma rede de apoio, seja de familiares ou de amigos, e ter a segurança de uma rede de proteção para você e para a criança - Solange Sobral
A licença-maternidade nas empresas
Josie explica que, na Natura, as mulheres têm direito a 6 meses de licença maternidade, enquanto os homens podem tirar 40 dias [em vez dos 5 dias impostos pela Constituição, que em alguns casos pode chegar a 20]. Para amenizar o impacto do retorno, todos têm direito a berçário oferecido pela empresa. Na Natura, esse é um direito estendido aos homens, o que, na opinião das convidadas, faz muita diferença na construção dessa equidade. "A coisa mais linda é ver os pais saindo com o bebê do carro no colo. Ainda existem muitas coisas para fazer em relação ao assunto, mas temos orgulho da forma como estamos evoluindo", conta ela, ressalvando que o berçário até dois anos era um direito apenas das funcionárias mulheres.
Na CI&T, Solange explica que os homens têm direito a 20 dias de licença, mas que existe flexibilidade para tirar férias logo em seguida. "Encorajamos muito para que fiquem o máximo de tempo possível ao lado da esposa. Podemos levar as crianças para o ambiente de trabalho. Muitas vezes estamos recebendo clientes em uma sala e no outro ambiente, tem uma criança andando de patinete. Mostramos que incluímos as crianças", diz.
Ambas as executivas enxergam a importância da licença parental, e concordam que a igualdade de gênero dentro das empresas só será alcançada quando as licenças para homens e mulheres forem equivalentes. "Depois de passar pela licença-paternidade, um homem se torna mais humano, aprende sobre a maternidade e sabe como fazer ajustes na equipe quando uma mulher está enfrentando questões em casa", diz Solange.
Além de dividirem com as mulheres o bônus e o ônus de ficar em casa participando dos cuidados dos primeiros meses de vida de um bebê, a ampliação da licença para homens tem como um dos impactos fazer com que eles, no futuro, consigam se colocar no lugar das funcionárias que tiveram bebê, o que pode ter efeito na igualdade entre homens e mulheres na empresa. "É importante para gerar um equilíbrio de oportunidades. Se ele se ausentou, não estava recebendo oportunidades de crescimento de carreira e envolvimentos de projetos tanto quanto a mãe, que está em casa."
A coisa mais linda ver os homens chegando ao trabalho com os filhos no colo - Josie Romero
Pandemia e vulnerabilidade
Josie acredita que os funcionários precisam identificar vulnerabilidade em seus líderes e afirma que a pandemia tem quebrado barreiras antigas neste sentido. "Claro que existe o lado assustador, o número altíssimo de mortes. Mas também acho possível olhar o lado positivo das coisas. É uma visão otimista, mas acho que a pandemia vai nos trazer benefícios profissionais."
Complementando este ponto de vista, Solange pontua: "A pandemia traz para a superfície problemas que já estavam lá: questões com filhos, com maridos e empresariais". Ela acredita que seja necessária mobilização individual e de grupo para que não façamos os mesmos erros quando num cenário pós-pandemia. "Tenho feito muito esta reflexão: machismo e racismo têm origem estrutural, por exemplo. Mas o que faremos a partir de agora para que desapareçam?"
É uma visão otimista, mas acredito que a pandemia vai nos trazer benefícios profissionais - Josie Romero
Mães, força mobilizadora
Bel Santos Mayer, educadora social e coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC), falou no speech de encerramento do dia, sobre a importância das mães na sociedade e na educação dos filhos. Ressaltou que dar apoio a essas mães é dar apoio para a educação e para um futuro melhor.
Após trabalhar viajando o Brasil educando a população sobre os direitos humanos, Bel voltou para São Paulo e desenvolveu em Parelheiros, extremo sul de São Paulo, um trabalho de escuta e apoio às mães da comunidade. "São as forças mobilizadoras que não deixam outras mulheres ficarem sozinhas." E relembra uma fala de Angela Davis: "Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela. Quando mães se juntam, o mundo todo vira outro."
Quando mães se juntam, o mundo todo vira outro
Diversidade é sinônimo de lucro
O quarto dia do Universa Talks 2020 trará um bate-papo sobre políticas de inclusão e equidade para mulheres no mercado de trabalho.
Joana Mendes, publicitária reconhecida como umas das 30 jovens que mais lutaram para mudar a indústria da comunicação em 2019, abre a discussão dessa quinta-feira (16). Em seu speech, relembrará sua trajetória: natural de Rondônia, já trabalhou em muitas das grandes agências de publicidade do país.
Logo em seguida, será realizado o painel "A diversidade estava mesmo acontecendo?", mediado por Andressa Rovani, editora deUniversa. O debate terá participação de Andrea Cruz, CEO da SERH1 Consultoria, Maite Schneider co-fundadora da plataforma Transempregos (primeira iniciativa dedicada a colocar profissionais trans no mercado formal de trabalho) e Andreia Dutra, presidente da Sodexo On-Site Brasil.
Universa Talks será realizado até o 17 de julho, sempre às 10h30. Acompanhe pela home do UOL, pelo Youtube, Twitter ou Facebook de Universa. Não é necessária inscrição.
Confira a programação completa do evento.
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