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'Nada justifica', diz jurista sobre agressor de Maria da Penha. Entenda lei

Deputado Jessé Lopes (PSL-SC) recebeu agressor de Maria da Penha, Marco Antonio Heredia Viveros - Reprodução
Deputado Jessé Lopes (PSL-SC) recebeu agressor de Maria da Penha, Marco Antonio Heredia Viveros Imagem: Reprodução

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

01/09/2021 14h49

No mesmo mês em que a Lei Maria da Penha completou 15 anos, Marco Antonio Heredia Viveros, o homem que tentou por duas vezes assassinar a farmacêutica que dá nome a lei, em 1983, foi recebido pelo deputado estadual Jessé Lopes (PSC-SC), em seu gabinete na Alesc (Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina).

Nas palavras do parlamentar, que divulgou uma foto do encontro de segunda-feira (30) em suas redes sociais, Viveros "contou sua versão sobre o caso". Jessé Lopes afirmou, ainda, que "sua história é, no mínimo, intrigante".

Marco Antônio Viveros é ex-marido de Maria da Penha Fernandes, cuja história dá nome à Lei Maria da Penha, de 2006, um marco na luta contra a violência doméstica no Brasil. Na década de 1980, ele tentou matá-la duas vezes: a primeira com um tiro nas costas, que a tornou cadeirante, e a segunda tentando eletrocutá-la enquanto tomava banho.

A visita de Viveros ao gabinete de um deputado estadual é "imoral, antiética e deveria ser ilegal", acredita a advogada Isabela Del Monde, fundadora do #MeToo Brasil e colunista de Universa.

"Essa é uma violação tremenda da história da Maria da Penha, porque relativiza a violência contra a mulher, como se houvesse um 'outro lado' que, de alguma forma, justificasse a violência doméstica ou uma dupla tentativa de feminicídio, como ela sofreu. Mas nada justifica", afirma.

"Levar este homem ao espaço público e dar publicidade a ele é um deboche com a vida de todas as mulheres brasileiras, especialmente as que já morreram por feminicídio".

Isabela Del Monde é advogada, fundadora do #MeToo Brasil e colunista de Universa - Divulgação - Divulgação
Isabela Del Monde é advogada, fundadora do #MeToo Brasil e colunista de Universa
Imagem: Divulgação

"Maria da Penha está viva e merece nosso total e absoluto respeito. Esse deputado deveria se desculpar com ela e com todas as mulheres brasileiras que foram ou estão sendo vítimas de violência, especialmente as que não estão mais entre nós", finaliza a advogada

Lei é marco na proteção às mulheres

Na época em que foi vítima das agressões e tentativas de assassinato, Maria da Penha denunciou o então marido e levou o caso a julgamento, mas viu Viveros sair pela porta da frente do tribunal, para cumprir pena em liberdade. O caso chegou à OEA (Organização dos Estados Americanos), que denunciou o Brasil por omissão.

Conheça mais sobre a história de Maria da Penha e da lei que leva seu nome.

Em 2006, foi sancionada a Lei Maria da Penha, que determinou a criação das varas especializadas e especificou os cinco tipos de violência doméstica: além de agressões físicas, entram na lista ofensas, ameaças, tentativa de controlar o comportamento da mulher e as roupas que ela usa, por exemplo. A legislação também oferece dispositivos para ajudar na proteção às vítimas, como as medidas protetivas, que proíbem o agressor de se aproximar delas, sob risco de prisão.

Lei doi sancionada em 2006, depois que Maria da Penha Fernandes (foto) denunciou caso à OEA - Estevan Silveira - Estevan Silveira
Lei doi sancionada em 2006, depois que Maria da Penha Fernandes (foto) denunciou caso à OEA
Imagem: Estevan Silveira

Para se ter uma ideia, só em 2020, a Justiça brasileira recebeu 1,2 milhão de processos de violência doméstica e quase 400.000 medidas protetivas.

Saiba mais sobre a importância da Lei Maria da Penha.

Em entrevista a Universa em agosto, a própria Maria da Penha reconhece que, apesar de ser muito completa, a legislação ainda não é aplicada como deveria:

"O que precisa ser feito é implementar bem, tirar a lei do papel. Para funcionar de verdade, precisa de apoio dos gestores públicos, porque a lei só funciona através de políticas públicas bem estruturadas — delegacias da mulher, centros de referência, abrigos, além de um sistema de Justiça bem preparado".

Leia a entrevista completa com Maria da Penha Fernandes.

Lei amparou casos emblemáticos

Em 2016, Luiza Brunet denunciou o então marido Lírio Parisotto por violência doméstica - Lucas Lima/UOL - Lucas Lima/UOL
Em 2016, Luiza Brunet denunciou o então marido Lírio Parisotto por violência doméstica
Imagem: Lucas Lima/UOL

Nos últimos 15 anos, a Lei Maria da Penha protegeu e acolheu milhões de vítimas, algumas delas protagonistas de casos muito emblemáticos, como o da atriz e modelo Luiza Brunet — em 2016, ela denunciou por violência doméstica o ex-marido Lírio Parisotto após sofrer agressões tão sérias que a deixaram com três costelas quebradas.

"A Lei Maria da Penha foi tudo para mim. Sem ela, não teria feito minha denúncia. Não consigo imaginar uma mulher vítima de violência sem o aparato da lei para ajudá-la a denunciar", disse, a Universa, em agosto.

Além dela, também recorreram à lei contra seus agressores as atrizes Luana Piovani e Cristiane Machado, a influenciadora Petala Barreiros e a cantora Quesia Freitas.

Leia os relatos delas, a Universa, sobre a importância da Lei Maria da Penha.

Como denunciar violência doméstica

Em flagrantes de violência doméstica, ou seja, quando alguém está presenciando esse tipo de agressão, a Polícia Militar deve ser acionada pelo telefone 190.

O Ligue 180 é o canal criado para mulheres que estão passando por situações de violência. A Central de Atendimento à Mulher funciona em todo o país e também no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O Ligue 180 recebe denúncias, dá orientação de especialistas e encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. Também é possível acionar esse serviço pelo Whatsapp. Neste caso, o telefone é (61) 99656-5008.

Os crimes de violência doméstica podem ser registrados em qualquer delegacia, caso não haja uma Delegacia da Mulher próxima à vítima. Em casos de risco à vida da mulher ou de seus familiares, uma medida protetiva pode ser solicitada pelo delegado de polícia, no momento do registro de ocorrência, ou diretamente à Justiça pela vítima ou sua advogada.

A vítima também pode buscar apoio nos núcleos de Atendimento à Mulher nas Defensorias Públicas, Centros de Referência em Assistência Social, Centros de Referência de Assistência em Saúde ou nas Casas da Mulher Brasileira. A unidade mais próxima da vítima pode ser localizada no site do governo de cada estado.