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Alê Oliveira acusa ex de alienação parental: entenda controvérsias da lei

Em áudio enviado à advogada da ex-mulher, o apresentador Alê Oliveira a acusou de alienação parental - Reprodução
Em áudio enviado à advogada da ex-mulher, o apresentador Alê Oliveira a acusou de alienação parental Imagem: Reprodução

Ana Bardella

De Universa

12/12/2020 04h00

Há quatro dias, o comentarista esportivo Alê Oliveira usou as redes sociais para dizer aos seguidores que estava sendo impedido pela ex-mulher, Tereza dos Santos, de encontrar a filha do casal, que agora tem 12 anos. Ele escreveu que foi "bloqueado em todas as redes e números" e que teve a "visita negada". Na última quarta-feira, UOL obteve com exclusividade um áudio do comentarista enviado à advogada de Tereza, Thaysa Pinheiro, no qual ele a acusa de alienação parental.

A reportagem também apurou que, entre 2008 e 2020, Tereza registrou seis ocorrências policiais por violência doméstica contra o ex-marido. Em entrevista ao UOL, ela comentou o caso reforçando o quanto é difícil sair de um relacionamento abusivo.

A aplicação da alienação parental vem sendo debatida entre os juristas —principalmente por profissionais que atuam pelos direitos das mulheres. Entenda:

Mães alegam condenações injustas

Universa conversou com duas mães, que preferem não ser identificadas, que participam de grupos e militam pela revogação da lei da alienação parental. Ambas alegam terem sido condenadas injustamente por ela.

Maria* vivia há quatro meses com o ex-companheiro quando engravidou. Quando a filha estava com 1 ano, descobriu que o marido estava usando drogas e se separou. "Deixei a visitação livre, nunca fui de limitar datas. Ele era apaixonado por ela", conta. No entanto, aos 4 anos, ao voltar de uma visita, a criança relatou que o pai passou álcool nos seus órgãos genitais. Imediatamente, procurou o Conselho Tutelar e foi encaminhada para uma UPA e para uma delegacia.

"Na UPA ela foi levada para uma salinha e saiu de lá com um desenho: nele, o pai aparecia grande, com o órgão genital representado, e ela aparecia sem boca. Eu tremi muito porque sabia que essa era uma característica do abuso sexual infantil. A médica fez perguntas, mas ela se calou. Porém, mais tarde, quando estávamos no carro, minha filha começou a falar sobre o que sofria. Estacionei e gravei tudo o que ela me contou. Procurei um psicólogo para auxiliá-la e após 10 sessões, ele emitiu um laudo que confirmava minhas suspeitas. Porém, minha condição financeira era muito inferior à do pai. E foi isso o que pesou na Justiça", avalia.

Maria conta que, durante a audiência, se sentiu humilhada pelo juiz. "Ele disse que meu laudo não valia nada, porque era de uma profissional particular. Os áudios da minha filha relatando o abuso também não serviram como prova. Fui acusada de alienação parental e perdi sua a guarda. O dia em que ela foi tirada de mim foi o pior dia da minha vida. Ela chorou demais ao ver o pai, disse que não queria ir. Mesmo assim, o juiz determinou que fosse entregue. Hoje, ela vai fazer nove anos, sei que permanece sendo abusada, mas nossas visitas são monitoradas e eu sigo recorrendo pela sua guarda".

A segunda condenada por alienação parental ouvida pela reportagem foi Eliza*, que é advogada. Ela conta que foi casada por mais de uma década quando descobriu que seus filhos, um de 3 e o outro de 4 anos, vinham sendo abusados sexualmente pelo pai. "Eu presenciava cenas estranhas, mas no fundo não queria ver. Achava que tinha a família perfeita", confessa.

Ela relata que o ex-marido introduzia, por exemplo, o dedo no ânus das crianças, dizendo que isso ajudava a evacuar, o que era motivo de brigas em casa. "Um deles também comentou com um colega, na escola, sobre como era a hora do banho quando estava com o pai. A mãe dele, com quem eu nunca havia tido contato, me procurou, questionando se eu sabia sobre a situação. Quando me dei conta da gravidade, pedi o divórcio", relembra.

Ela pensou em filmar para mostrar ao juiz, mas teve medo de não conseguir as imagens rapidamente, e de que, nesse período, eles continuassem sendo abusados. Então, formalizou a denúncia e o pai alegou alienação parental. "Uma psiquiatra conversou comigo por quarenta minutos e me diagnosticou com esquizofrenia. Toda a minha palavra foi desacreditada", conta.

Eliza não perdeu a guarda das crianças, mas foi condenada e o pai continuou a visitá-las. "Minha sorte é que a investigação sobre o abuso correu lentamente e, enquanto isso, as visitas entre eles eram monitoradas. Hoje, eles seguem vendo o pai, mas são adolescentes e não correm um risco tão grande".

O que caracteriza alienação parental?

Segundo a legislação brasileira, trata-se de uma "interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida [...] para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este". Ou seja: ações que visam "estragar" a relação da criança com o pai ou com a mãe. Ela pode ser praticada tanto por um dos pais quanto por avós ou pessoas que tenham o menor de idade sob sua autoridade.

A Lei 12.318/2010 exemplifica ações que podem ser consideradas como alienação parental — mas deixa claro que podem ser acrescentados à lista "atos declarados pelo juiz ou constatados por perícia", sejam eles praticados diretamente ou com auxílio de terceiros.

Os exemplos que constam na lei são:

  1. Realizar uma campanha de desqualificação sobre a conduta do outro no seu exercício de pai ou mãe;
  2. Dificultar o exercício da autoridade parental;
  3. Dificultar o contato da criança ou adolescente com o genitor;
  4. Omitir do pai ou da mãe informações pessoais relevantes sobre a criança, tais como escolares, médicas e alterações de endereço;
  5. Apresentar falsa denúncia contra o genitor ou seus familiares a fim de dificultar a convivência entre eles;
  6. Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência com o pai, a mãe ou seus familiares.

O que acontece após a acusação?

O Art. 4º aponta que após o pai ou a mãe declarar indícios de alienação parental, "o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso".

A lei diz ainda que será assegurado ao filho a garantia visitação, com exceção dos casos em que exista risco à integridade física ou psicológica, atestado por profissional designado para acompanhamento das visitas. Como punição, podem ser aplicadas multas ao alienador ou a guarda da criança pode ser invertida. Nos casos mais graves, ocorre a suspensão do poder familiar — uma restrição no exercício da função como pai ou mãe, que pode ser revertida posteriormente.

Por que a lei é questionada por uma parcela de juristas?

Na opinião da advogada Ana Lúcia Dias, a lei da alienação parental abre duas brechas prejudiciais aos direitos da mulher: a primeira delas está relacionada à violência doméstica. "Homens que agrediram suas parceiras e que deveriam, de acordo com a Lei Maria da Penha, permanecer longe delas, podem recorrer à lei da alienação para continuar próximos das crianças — o que, na prática, acaba por aproximá-los também da mãe", afirma.

A segunda brecha citada por Ana diz respeito aos casos de estupro de vulnerável.

Sempre que existe um caso de abuso sexual infantil cometido pelo pai e que é denunciado pela mãe, a lei da alienação é o primeiro instrumento usado pela defesa dos abusadores".

De acordo com a advogada, ainda que não estejam verdadeiramente interessados na guarda das crianças, eles utilizam diversos recursos a fim de descredibilizar a palavra da mulher, afirmando que ela sofre de problemas psicológicos ou psiquiátricos — e por isso teria inventado uma falsa acusação. O problema, pontua, é que nem sempre é fácil reunir provas o suficiente para convencer o juiz sobre o abuso.

"Alguns tipos de abuso não deixam marcas pelo seu corpo. Logo, é um tipo de violência que não consta nas perícias", aponta. Então, caso não haja fotos ou vídeos comprovando o ato, fica a critério de assistentes sociais e psicólogos avaliarem se os fatos aconteceram.

"No entanto, a lei da alienação parental é subjetiva. Caso a mãe faça uma movimentação errada, como tentar preparar o filho sobre o que será conversado com o juiz, isso pode ser usado contra ela, como se estivesse implantando memórias falsas na criança ou instigando que ela decore um discurso e reproduza na frente das autoridades", afirma.

Na visão de Ana, a lei se baseia em um princípio machista.

"Existem casos em que a mulher abusa dos seus direitos? Existem, mas são minoria. É muito difícil estar diante de uma mãe que voluntariamente quer afastar seus filhos do pai. O que costuma acontecer é um abandono patrimonial e afetivo paterno. Muitos ficam anos sem ver o filho e, quando reaparecem, a criança não quer ir com eles. A mulher precisa escolher entre violentar seu filho ou seguir a lei".

A profissional também aconselha como devem se portar mulheres acusadas de alienação parental. "É importante que elas compareçam a todas as audiências, que guardem prints de conversas com o pai, os áudios trocados e que reúnam testemunhas que possam falar sobre a sua conduta e a conduta do homem", aconselha.

Argumentos a favor da lei

Nem todos são contra a lei da alienação parental. O advogado Ariel de Castro, especialista em direitos da criança, é favorável. "Existem casos em que os pais tentam usar os filhos para se vingar de seus ex-companheiros, para negociar pensões alimentícias ou que não aceitam o compartilhamento dos deveres relacionados às crianças, fazendo manobras para que o outro não se envolva na rotina delas. Isso é bastante comum na guarda compartilhada", opina.

Ele também garante que alguns pais desqualificam ou falam, o tempo todo, mal dos ex-companheiros — o que causa problemas psicológicos aos filhos.

Nos casos de violência doméstica, ele explica: "Geralmente, quando existem provas contundentes, os supostos agressores são afastados do convívio com as vítimas, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê medidas protetivas para as crianças enquanto as investigações correm na Justiça". Porém, se forem condenados, eles seguem com o direito de conviver com os filhos, a menos que o juiz entenda que são considerados uma ameaça também às crianças.

Ariel defende ainda que a lei da alienação pode beneficiar mulheres. "Mães que estejam sendo falsamente acusadas de maus tratos ou abusos contra os filhos ou que estejam sendo alvo de desqualificação por parte do pai podem recorrer a ela", afirma.