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Existe assédio sexual sem contato físico? Especialistas dizem que sim

Excesso de aproximação, piadas de cunho sexual, cantadas e outras formas de constrangimento sao consideradas assédio sexual - iStock
Excesso de aproximação, piadas de cunho sexual, cantadas e outras formas de constrangimento sao consideradas assédio sexual Imagem: iStock

Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

06/12/2020 13h52

Em entrevista ao UOL na manhã de ontem, Marcius Melhem negou acusações de assédio sexual e se defende das denúncias dizendo que nunca foi violento e nunca tentou agarrar ninguém. Mas, entre as denúncias reveladas ontem pela revista Piauí, há relatos de outras formas de assédio que ele teria cometido: se referir a colegas de trabalho como "gostosas", afagar o cabelo delas e dizer coisas como "sonhei com você".

Afinal: é possível assediar sem fazer contato físico? Especialistas ouvidas por Universa garantem que sim.

"Assédio é qualquer conduta de natureza sexual que a outra pessoa, o destinatário, não queira, venha a repelir essa conduta, e mesmo assim ela permanece, tirando então o direito a um princípio fundamental, que é o da liberdade sexual", explica a advogada Vanessa Tadeu de Paiva, especialista em violência doméstica.

"A chave está no consentimento. A pessoa precisa ter a chance de dizer não e ter seu 'não respeitado'. Então, quando alguém vem com uma fala de conotação sexual, um jeito de falar ou de olhar que seja intimidador, você demonstra que aquilo não te agrada, que você não consente, e a pessoa insiste, é assédio".

As psicólogas Glaucia Santos e Valéria Faccin concordam e citam, como exemplos de assédios sexuais sem contato físico cantadas não consentidas, piadas de cunho sexual, comentários constrangedores, perseguição, entre outros.

Bruna Andrade, advogada especialista em questões de gênero e fundadora da startup Bicha da Justiça, afirma que, quando há denúncias de violência, como tentativa de agarras a vítima, o crime sai da definição de assédio sexual e pode entrar na definição de estupro.

"Essa é a diferença básica entre assédio sexual e estupro: o primeiro envolve constrangimento, e o segundo envolve violência ou grave ameaça. No assédio não há uma ameaça clara, uma agressão, um forçamento. A pessoa não foi agarrada, mas ela foi constrangida por insinuações. O ponto central é esse".

Para a advogada Vanessa Tadeu de Paiva, não é raro que o assédio sexual tome proporções maiores e evolua para uma violência ainda maior: "Começa com um olhar intimidador, daqui a pouco vêm as palavras, o toque, até chegar ao ponto de um estupro".

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Posição de superioridade

O assédio sexual é caracterizado no Código Penal como "constranger alguém com intuito de levar vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua forma de superior hierárquico, ou ascendência inerentes a exercício de emprego, cargo ou função". As advogadas, no entanto, defendem que é preciso entender esse conceito de forma mais ampla.

Bruna Andrade diz que é preciso entender que "vantagem ou favorecimento sexual" não apenas como a penetração sexual, mas com qualquer ato que favoreça a lascívia do assediador, como sexo oral ou anal, por exemplo.

Vanessa Tadeu de Paiva observa que essa posição de superioridade hierárquica não se aplica apenas quando há vínculo empregatício, como entre chefe e funcionário, mas numa relação acadêmica, entre professor e aluno, no ambiente hospitalar, entre médico e paciente, e até no âmbito religioso, entre lideranças e fiéis, por exemplo.

Glaucia Santos e Valéria Faccin, psicólogas, afirmam que quando o assédio vem de um chefe direto ou de alguém com cargo profissional superior, a vítima tem que lidar, além da vergonha e do constrangimento postos pelo assédio, com o medo de uma retaliação.

"Nessas posições de poder, geralmente o agressor impede a vítima de reagir com ameaças, desqualificação, isolamento profissional, constrangimentos. Aí, por medo de perder o cargo e muitas vezes vergonha diante dos colegas de trabalho, a vítima passa por esses momentos calada, o que acaba por agravar cada vez mais seu estado emocional. Consequentemente, isso pode afetar o desempenho profissional e aumentar a insegurança", explica Glaucia.

Na entrevista que concedeu ao UOL, Marcius Melhem questiona o fato de que nenhuma das supostas vítimas "me falou, ou chegou pra mim, ou se queixou que eu estava assediando". Para Valéria, o medo de denunciar está ligado ao medo do julgamento.

"Esse é o principal empecilho para uma denúncia ou confronto. As pessoas acham que a vítima 'deu condição' ao abusador ou, ainda, que só denunciou porque não conseguiu a promoção que queria, por exemplo, desconsiderando o suposto comportamento abusivo do agressor".

Glaucia corrobora: "Na maioria das vezes, em uma situação de assédio, a vítima fica sem reação e precisa de um tempo para entender o que sofreu. E, se já é difícil relatar para alguém de confiança um episódio traumático, imagina para o próprio opressor. Na maioria dos casos, quando a vítima tenta fazer isso, ainda mais numa situação de abuso de poder, ela é desacreditada.