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Elas retiraram um seio saudável após teste: "Esperar por outro câncer, não"

Imagem representativa 4 fatos sobre maternidade e câncer de mama - Angiola Harry/Unsplash
Imagem representativa 4 fatos sobre maternidade e câncer de mama Imagem: Angiola Harry/Unsplash

Luiza Souto

De Universa

08/10/2020 04h00

Retirar um seio saudável antes mesmo de esperar um diagnóstico positivo para o câncer de mama foi a decisão tomada pela advogada Elaine Cristina, 44, pela administradora Leticia Reimer, 41, e pela auxiliar administrativa Patrícia Rodrigues, 36. O fato de as três já terem passado pelo câncer de mama antes contribuiu com a opção, corroborada ainda, no caso de duas delas, por um mapeamento genético do mesmo tipo que levou a atriz Angelina Jolie a retirar os dois seios em 2013.

Neste mês, marcado pelo Outubro Rosa, movimento internacional de conscientização para o controle do câncer de mama, o tema volta à tona.

O mapeamento genético detecta se os genes BRCA1 e o BRCA2 estão alterados. Eles são responsáveis pela produção de proteínas que previnem o crescimento descontrolado de células e, assim, protegem contra tumores. Sua mutação está correlacionada com o aparecimento do câncer de mama e de ovário.

Quando ocorre de a paciente descobrir a mutação nesses genes, pode ser recomendada a mastectomia profilática, que serve para remover a mama de mulheres com grandes chances de ter esse tipo de câncer. Pesquisas apontam que 10% das mulheres que tiveram câncer tinham a mutação. Ou seja: em 90% deles, a mulher não recebeu o gene alterado.

O mastologista André Mattar explica que nem toda paciente com a mutação precisa retirar o seio. Segundo ele, a recomendação vai depender do histórico de vida e dos hábitos da paciente, embora pesquisas apontem que a mastectomia preventiva reduz o risco de câncer de mama em até 90%

"Ela é muito efetiva para diminuir o risco. Mesmo assim, não é 100% certo que a mulher não vá desenvolver o câncer depois. Existem fatores que diminuem esse risco. Se a paciente que tem a mutação genética leva uma vida saudável, faz exercício, não consome álcool, ela diminui a chance de ter [a doença]. Então a cirurgia é uma decisão a ser tomada entre médico e paciente, porque não é tão simples. E pode ainda trazer complicações, como necrose do mamilo ou infecção", diz ele, que é diretor do Núcleo de Oncologia Clínica do Hospital Pérola Byington, em São Paulo.

Foi confiando nessa perspectiva —e sabendo das consequências da operação, como dores e falta de libido— que essas mulheres escolheram a opção, ainda polêmica, de enfrentar a cirurgia preventiva.

Elaine fez a mastectomia preventiva em 2019 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Elaine fez a mastectomia preventiva em 2019
Imagem: Arquivo pessoal

"É muito mutilante"

"Estava terminando a faculdade de direito, aos 26 anos, quando senti um caroço no meu peito. Emagreci muito. Cheguei aos 42 quilos. Me lembro de ter ido a cinco médicos diferentes, mas somente o último me mandou fazer a biópsia desse caroço. Os outros falaram que eram apenas nódulos e que eu devia apenas acompanhar com exames de imagem.

Quando recebi o resultado de que tinha câncer grau três (quando o tumor cresce rapidamente, com grandes probabilidades de se espalhar), o médico meio que me desenganou e disse que já podia ter se espalhado para o baço e o pâncreas. Então, veio o pensamento de finitude: 'Fiz tantos planos e vou morrer assim'.

Estava namorando meu marido na época e resolvemos nos casar. Casei na manhã de 22 de outubro de 2003 e, às 12h, me internei para retirar a mama direita. Cheguei toda arrumada e sorridente no hospital. E escolhi não reconstruir nada porque fiquei muito traumatizada com a cirurgia, com medo mesmo.

Quando me vi sem seio, me abracei e pensei: 'Sobrevivi'. Mas fiquei três meses sem conseguir olhar para mim.

Usava uma meia por baixo do sutiã. Às vezes, ela caía e as pessoas brincavam: 'O peito da Elaine está no chão'. E todos ríamos.

Quinze anos depois, quando soube que o meu plano de saúde cobria o teste genético para quem teve câncer, resolvi fazê-lo. E deu a mutação no gene BRCA2. Foi quando o médico recomendou tirar o outro seio, e os ovários também, para reduzir o risco.

Fiquei com medo, porque é um procedimento muito mutilante. E eu já não tinha uma mama. Daí a perder a outra... Queria tentar acompanhar [se o câncer iria evoluir] de outras formas, embora se erre muito o diagnóstico. E levei um ano para decidir fazer a mastectomia preventiva. Nesse intervalo descobri uns nódulos pulmonares, e o medo falou mais alto! A cirurgia aconteceu em setembro de 2019.

Sei que sou uma sobrevivente, mas há momentos em que vou colocar o biquíni e não fica bom. Sou cheia de remendo, queloide. E a libido vai embora. Então tem que ter um companheirão, que foca no amor, senão não aguenta. Meu marido está há 22 anos ao meu lado, sabendo das minhas limitações e sempre me lembrando de que me ama do mesmo jeito. Queríamos ter um filho, mas, por conta do tratamento, não pude.

Hoje tento viver da melhor forma possível."

Elaine Cristina Alves Soares Yoshida, advogada, 44 anos, de Campinas (SP)

Patrícia Rodrigues retirou uma das mamas esse ano e se prepara para remover o ovário - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Patrícia Rodrigues retirou uma das mamas esse ano e se prepara para remover o ovário
Imagem: Arquivo pessoal

"Quis tirar tudo de uma vez"

"Fiz a cirurgia preventiva no seio direito no último dia 28 de setembro. Ainda estou com o dreno [tubo cirúrgico usado para fazer drenagem de sangue e líquidos acumulados no corpo]. E, daqui a quatro meses, vou tirar as trompas e os ovários para diminuir as chances de o câncer voltar. Medo eu tenho, mas por mim teria feito as cirurgias de uma vez só, mas o médico não recomenda.

Na minha família nunca teve um caso de câncer de mama. Por isso nunca fiz mamografia [A recomendação do Ministério da Saúde é que mulheres entre 50 e 69 anos façam o exame a cada dois anos. Já entidades médicas —entre elas o Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo)— recomendam que mulheres se submetam ao exame anualmente, a partir dos 40. Em casos específicos, como quando há histórico de casos de câncer de mama na família, o médico pode solicitar o exame em idades mais jovens e intervalos mais frequentes].

A ginecologista que me atendia falava que, mesmo eu tendo mais de 30 anos, eu não tinha idade para realizar esse exame e só me apalpava durante o preventivo. Até que, uma noite, senti desconforto e uma bolinha no seio ao deitar.

No dia seguinte, fui ao clínico geral, que pediu esse exame. Mesmo diante do nódulo que apareceu na imagem, o mastologista falou para eu não me preocupar, porque não tinha histórico de câncer e era nova. Somente um mês depois, em janeiro de 2019, ele decidiu fazer a biópsia desse nódulo e veio o resultado do câncer. O médico decretou ali mesmo que eu teria que tirar o seio esquerdo e fazer quimioterapia.

Enquanto ele explicava o procedimento e falou da perda de cabelo, chorei muito. Fui de Blumenau, onde peguei o exame, até Jaraguá do Sul, onde moro [cerca de 65 quilômetros] gritando. Meu marido ficou sem reação. Foi como uma sentença de morte. Tive muito medo. Mas recebi todo o apoio da família e dos médicos. Foi um total de 16 sessões de quimioterapia e 28 de radioterapia, por cinco meses, além da retirada da mama.

Após a cirurgia, o médico pediu o exame de mapeamento genético e deu mutação no gene BRCA1. Quando veio o resultado positivo, quis tirar tudo de imediato. O médico explicou que eu podia esperar mais um pouco. Mas, na primeira vez, quando aguardei para fazer a biópsia daquele nódulo que apareceu na mama esquerda, ele aumentou três centímetros em dois meses.

As duas mastectomias foram seguidas de reconstrução da mama imediata. Então não tive questões com relação à aparência. Agora, me preparo para tirar ovários e trompas. Estou bem resolvida quanto a isso porque estou na menopausa desde o começo [do tratamento], então creio que os sintomas como calores não mudarão. Minha filha tem sete anos e já não queria ter outra.

O tratamento mexe com a libido, e eu e meu marido tentamos conversar, fazer coisas diferentes pra dar uma animada.

Mas é complicado. Estamos casados há nove anos e ele está sempre ao meu lado.

Procurei uma psicóloga no início do tratamento para lidar com tudo isso. Tinha uma rotina acelerada, em que trabalhava de segunda a segunda. Fazia eventos aos sábados e domingos e nos outros dias atuava como auxiliar administrativa numa metalúrgica. Achei que não ia prestar para mais nada. Hoje, estou de licença dos trabalhos.

Meu maior medo era piorar, mas não foi isso que aconteceu. Nos dias em que ficava mais cansada, por causa dos remédios, pegava o carro e passeava com minha mãe, minha sogra e minha filha.

Claro que é difícil. Mas, como o médico mesmo falou, metade do tratamento é [trabalhar] a cabeça."

Patrícia Rodrigues de Paula, 36 anos, auxiliar administrativa, de Jaraguá do Sul (SC)

Leticia Reimer retirou uma mama mesmo sem mutação genética - Fernando Chinaglia e Sônia Chinaglia Fotografia/Divulgação - Fernando Chinaglia e Sônia Chinaglia Fotografia/Divulgação
Leticia Reimer retirou uma mama mesmo sem mutação genética
Imagem: Fernando Chinaglia e Sônia Chinaglia Fotografia/Divulgação

"Esperar outro câncer, não"

"Eu fiz a mastectomia preventiva em 2015 mesmo sem ter mutação nos genes BRCA1 e BRCA2. Eu e meus médicos optamos pela cirurgia preventiva porque passei por um câncer agressivo em 2014.

Aos 34 anos, senti um caroço. Quando veio o resultado do câncer na mama direita, passei os primeiros 15 dias com medo de não ver meu filho crescer. Ele tinha 15 anos na época. Depois pensei: 'Vou tirar a mama, colocar silicone e pronto'.

A ficha caiu mesmo quando fiz quimioterapia e o cabelo caiu. O câncer de mama mexe muito com a feminilidade.

Fiz tratamento com quimio e radioterapia, além de seis cirurgias para a retirada e reconstrução das mamas, por dois anos. Minha mastectomia aconteceu em novembro de 2014. E optei por fazer a reconstrução imediata do seio.

Um ano depois, tomei a decisão de fazer o teste genético para saber se tinha a mutação, mas veio tudo normal. Mesmo assim, decidi retirar a outra mama. Foi uma opção muito pessoal. Esperar outro câncer? Não. Tenho uma amiga que já retirou uns 17 nódulos e é toda retalhada. Penso se não seria melhor tirar a mama toda de uma vez, mas não sou médica.

O médico foi contra a minha decisão, mas eu não queria passar por todo o tratamento de novo, caso voltasse a ter câncer. E pensei muito na parte estética, porque queria que minha reconstrução ficasse em harmonia com o outro seio. O médico ainda explicou que eu não teria sensibilidade no bico do peito, nem poderia amamentar mais, se quisesse. Mas eu já tinha um filho e acredito que a sensibilidade é algo muito psicológico. Depende de como sou tocada. Isso não mexeu com a minha libido. Nem durante o tratamento.

A minha cabeça ficou muito no lugar e tive um grande respaldo da família e dos amigos. Sou vaidosa. Ia para a quimio de salto e maquiada, para ninguém me ver abatida. Usei peruca e poucas pessoas me viram careca. Também me obrigava a sair, ia a festas. Quando fiz a primeira mastectomia, viajei. Tentei levar a vida o mais normal possível.

É preciso desmistificar a crença de que o câncer é algo horrível, de que todo mundo vai morrer.

Sou mais feliz hoje e penso que estou muito mais bonita."

Leticia Reimer, 41, administradora, de São Carlos (SP)

O mapeamento

O exame genético que identifica as mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2 existe há pelo menos 20 anos no mundo, mas tornou-se mais popular à medida em que o custo médio para fazê-lo —que já chegou a R$ 10 mil— foi diminuindo. Hoje, o teste custa em torno de R$ 1.500 e não é coberto pelo SUS. Ele pode ser coberto por planos de saúde, mas em casos em que a mulher já teve o câncer de mama, tem dois parentes de 1° e 2° graus do mesmo lado da família (pai ou mãe) com diagnóstico de câncer de mama abaixo de 50 anos, ou três parentes com esse diagnóstico, abaixo de 60 anos, segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde).

O câncer de mama é o de maior incidência entre as mulheres no mundo, representando 24,2% do total de casos em 2018, com aproximadamente 2,1 milhão de casos novos. Entre 2020 e 2022, estima-se que o Brasil terá 66.280 novos casos para cada ano. Em 2018, 17.572 mulheres morreram de câncer de mama, segundo dados disponíveis no site do Inca (Instituto Nacional de Câncer).