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No CE, professor diz em aula que 'se estupro é inevitável, relaxa e goza'

Aliny Gama

Colaboração para Universa, do Recife

30/09/2020 15h57

O professor de medicina e médico ortopedista Samir Samaan Filho afirmou durante aula online da faculdade de medicina Estácio de Sá de Juazeiro do Norte (CE), localizada na região do Cariri, que se o "estupro é inevitável, relaxa e goza".

A afirmação causou indignação e constrangimento aos estudantes, que reagiram questionando o professor. Em tom de deboche, o professor sorriu e disse que "quem escutou, escutou."

A aula foi gravada e o UOL obteve a parte que Samir Samaan Filho faz a afirmação.

"Bora lá!", diz Samaan Filho.

Um aluno responde: "bora, professor, firme e forte".

"Bora para acabar logo, né?", responde o professor. "É aquela coisa assim: se estupro é inevitável, relaxa e goza. Para acabar logo e ficar livre logo disso dai", acrescentou o médico, dando risadas.

Os alunos então questionam a fala. "Nada, esqueçam! Quem escutou, escutou; quem não escutou, deixa para lá. Vamos lá", disse o professor continuando as risadas.

O médico é cirurgião e tem uma clinica especializada em ortopedia em Juazeiro do Norte. Ele se formou em medicina pela Faculdade Estadual de Marília (SP), onde fez residência médica em Ortopedia e Traumatologia.

A Estácio de Sá em Juazeiro do Norte informou que o professor foi desligado do quadro de colaboradores. A instituição disse lamentar o ocorrido e que "atua na promoção de um ambiente acadêmico respeitoso, e já entrou em contato com os alunos para prestar esclarecimentos".

O UOL procurou o médico Samir Samaan Filho durante a manhã e parte da tarde de hoje, mas ele não atendeu as ligações telefônicas e nem retornou o recado deixado em sua caixa postal. A reportagem entrou em contato com Samaan por meio das redes sociais dele, mas também não obteve resposta.

Em nota enviada à reportagem, o médico disse que utilizou "uma frase extremamente infeliz". "Ainda, na aula, percebi o erro e pedi desculpa. E entendendo a gravidade, pedi demissão no dia seguinte."

Samaan finaliza o texto pedindo desculpas "aos meus alunos, à minha família, aos meus amigos e colegas de trabalho e a todos que tomaram conhecimento desse episódio".

A reportagem entrou em contato com o Cremec (Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará), mas a instituição até agora não se posicionou sobre o assunto.

Reação

A declaração do professor causou reação em várias pessoas na internet e também de mulheres que atuam na defesa da igualdade de gênero. No perfil @eumedicina no Instagram, várias pessoas criticaram a atitude do médico. "Engraçado que só homem deu risada", observou uma conta. "Deveria punir quem riu também, afinal que graça tem isso?", enfatizou outra usuária.

Na própria nota da Estácio de Sá sobre o ocorrido, diversas pessoas criticaram a instituição e o professor. "Selecionem melhor seus docentes", escreveu uma estudante. "Não fez mais do que a obrigação. Era o mínimo que vocês como instituição poderiam fazer", comentou uma enfermeira.

A jurista feminista Thayná Silveira disse que ficou chocada por "ouvir isso de um médico e professor". "A fala desse professor é muito sintomático quando falamos sobre cultura de estupro. A fala desse professor parte de um ideário popular, onde 'sequer existe estupro', pois a mulher tem seu corpo objetificado todo tempo. Naturaliza-se o papel de poder sobre nós e confundem a atividade sexual consentida com a violação. Confundem ou não querem ouvir o não?", questiona.

Thayná Silveira reforça que é preciso desconstruir a cultura do estupro existente na sociedade e a ideia que a culpa é sempre da vítima, além da absolvição do estuprador ou a não responsabilização.

"É forçoso compreender a dialética entre as relações de poder e sexualidade, sobre a culpabilização da vítima e a absolvição do estuprador. É vital desconstruir a mítica sobre os papéis impostos sobre o que é ser homem e é ser mulher, pois isso gera, diretamente, violências simbólicas vez parte-se do pressuposto que os homens possuem passe livre no que concerne aos nossos corpos mesmo ela sendo contra, pressuposto esse naturalizado e tolerado pela sociedade quando denunciamos as violências sexuais. Não posso afirmar que todo homem é estuprador, mas falo, com pesar que mas toda mulher é uma potencial vítima de estupro", reforça.

A jurista destaca que as mulheres não têm medo somente de andar numa rua escura e sozinhas, "sentimos medos em todos os lugares, inclusive dentro de uma sala de aula enquanto uma aula está sendo ministrada e gravada."

"Ao falar com tamanha naturalidade sobre o crime de estupro, testemunhamos um reflexo direto da ideologia patriarcal acerca da violência de gênero onde, claramente a cultura machista impõe um tom de leveza e descontração numa violência sórdida, torpe, covarde, que traumatiza e mata tantas mulheres, esperando de nós que estejamos relaxadas e gozadas. Como relaxar e gozar quando nossos corpos e nossa subjetividade estão sendo violados?", critica Thayná Silveira.