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Merendeira teme volta às aulas no Rio: "Corro risco de contaminar família"

A merendeira Cristiane Rodrigues, do Rio - Arquivo Pessoal
A merendeira Cristiane Rodrigues, do Rio Imagem: Arquivo Pessoal

Fabiana Batista

Colaboração para Universa

10/08/2020 04h00Atualizada em 10/08/2020 14h37

Cristiane Rodrigues, 48, é merendeira há 18 anos e, atualmente, trabalha na Escola Municipal Benedito Ottoni, no Rio de Janeiro. Já na primeira semana da pandemia, sentiu a necessidade de se mobilizar quando o prefeito Marcelo Crivella decidiu fechar as escolas, mas continuar fornecendo refeições para os alunos. A merendeira explica que, com as cozinhas abertas, as funcionárias corriam riscos de contaminação -e, assim como ela, a maioria de suas colegas é do grupo de risco. Nesta segunda-feira, a prefeitura publicou uma circular que determina que as merendeiras e funcionários das escolas municipais voltaram ao trabalho.

"As merendeiras mantiveram contato com os alunos sem nenhuma proteção nesse período [13 março a 18 de abril] e informaram ao sindicato que foram poucos os que compareceram para almoçar. Eu recebia informações de diferentes escolas, elas avisavam 'olha, hoje só apareceram três crianças para comer aqui'." No dia 18 de abril, a Justiça determinou o fechamento completo e integral de todas as escolas do município. Cristiane faz parte da coordenação regional do Sepe-RJ (sindicato dos profissionais de educação) e desde 2013 tornou-se referência para a organização de sua categoria.

Em conversa com Universa, Cristiane listou os riscos que ela e suas colegas podem correr caso as escolas sejam reabertas agora. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, havia anunciado a volta às aulas para a semana passada, o que não ocorreu e ainda é alvo de disputa entre prefeitura e estado.

O primeiro deles, diz Cristiane, é que não há recomendações da Secretaria Municipal da Educação para protocolos de higienização de produtos e do refeitório nas escolas. Por exemplo, diz ela, "quem vai limpar o refeitório no intervalo entre uma turma e outra, sem correr o risco de contaminação cruzada, visto que essa tarefa é executada pelas merendeiras, que preparam e servem as refeições?".

"Não temos uniforme específico nem chuveiro"

Para ir à escola em que trabalha, Cristiane sai de casa às 6h15 e pega um ônibus para chegar às 7h. "Quando chego, passo pela secretaria, cumprimento a direção, e vou para o banheiro trocar de roupa. Onde trabalho, não temos uniforme específico nem chuveiro para tomar banho. Lavo as mãos, o rosto, e troco de roupa."

Sua rotina geralmente é receber os alimentos que chegam à escola três vezes por semana, além de preparar e distribuir, com a ajuda de uma colega, as mais de 250 refeições e lanches diários. Às 15h, depois de realizar a limpeza completa da cozinha e refeitório, ela termina o trabalho.

merendeira - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

Ela reclama que não há produtos específicos para higienizar as frutas e verduras, e "com a falta de hipoclorito de sódio, nós utilizamos água e vinagre".

Segundo a merendeira, ela e suas colegas são parte de uma categoria fundamental para o cotidiano da escola, mas pouco valorizada. Ela hoje prepara e serve 250 refeições em duas pessoas, mas já trabalhou em escolas em que servia 400 refeições sozinha. Por ser parte do grupo de risco, ela não voltou hoje ao trabalho, conforme estabelece a circular publicada pela prefeitura.

"Eu corro o risco de expor e contaminar a minha família"

Cristiane, desde o início da pandemia, ajuda o sindicato a organizar reuniões e manifestações pelo fechamento integral das escolas e contra sua reabertura antes do fim da pandemia. No sindicato, ela diz que se cogita possibilidade de greve contra a retomada das aulas.

Em meados de junho, período em que o prefeito começou a indicar a possibilidade de reabertura das escolas na cidade, a merendeira circulou uma carta nas suas redes sociais. "Quis chamar a atenção da sociedade sobre a nossa situação, pois a decisão de reabertura das escolas também nos diz respeito." No documento, a merendeira indica questões relacionadas à segurança e à saúde, tanto dela como dos colegas.

Com a cozinha apertada, ela conta que não há distância segura entre ela e as colegas. Já o contato com os alunos é inevitável. A preocupação, diz ela, é com a saúde de quem mora na mesma casa que ela. "Corro o risco de expor e contaminar a minha família, pois moro com minha mãe de 75 anos, uma avó de 97 e minhas filhas de quatro e 18 anos."

Outro lado

Segundo a Secretaria Municipal de Educação, "a Prefeitura do Rio não marcou data para o retorno às aulas nas escolas públicas e particulares". A pasta reitera que a decisão será tomada de acordo com as discussões realizadas em um grupo de trabalho do qual o Sepe também faz parte. Destacou que "existem equipes de limpeza que respondem por estas tarefas", ou seja, pela limpeza de refeitórios e cozinha, indicadas por Cristiane.

Além disso, a pasta afirma que:

"Todos os profissionais que atuarão nas escolas municipais, futuramente, quando vir a ocorrer a retomada das aulas, serão orientados para seguirem os protocolos de segurança e proteção da Vigilância Sanitária e estarão devidamente protegidos com as medidas necessárias por parte da Secretaria Municipal de Educação. Regra que também se aplicará às merendeiras.

A iniciativa de abrir apenas os refeitórios de 168 escolas que atendem estudantes em áreas mais carentes é para que as crianças tenham alimentação de melhor qualidade, com proteínas que não podem ser inseridas em cestas básicas, como carne, peixe, frango. A ideia é que os refeitórios sejam abertos em agosto (sem dia do mês definido) com merendeiras já testadas e que já tiveram Covid-19. Todas as condições de segurança sanitária serão asseguradas a tais profissionais."