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Famílias tiram filhos pequenos da escola por causa da pandemia

Pais com filhos abaixo dos quatro anos, a idade obrigatória para a frequência na educação infantil, estão optando por cancelar as matrículas das crianças - RyanJLane/Getty Images
Pais com filhos abaixo dos quatro anos, a idade obrigatória para a frequência na educação infantil, estão optando por cancelar as matrículas das crianças Imagem: RyanJLane/Getty Images

Juliana Tiraboschi

Colaboração para Universa

16/07/2020 04h00

Como fazer uma criança de dois ou três anos ficar sentada na frente do computador para assistir a uma aula online? Vale a pena continuar pagando a escola sendo que os pequenos não estão aproveitando os recursos pedagógicos da instituição e nem socializando com os colegas? Com esses dilemas em mente, muitas famílias com filhos pequenos, abaixo da idade obrigatória para a frequência na educação infantil, estão optando por cancelar as matrículas das crianças e retornar quando a pandemia do coronavírus estiver controlada ou até quando uma vacina estiver disponível, e for seguro voltar a frequentar as escolas presencialmente.

A pediatra Janaine Grossi, 38 anos, é uma das mães que preferiu tirar a filha da escola. Cecília, de 3 anos e meio de idade, frequentava uma instituição de ensino em Campo Grande (MS) desde os dois anos e já estava bem adaptada. Depois que a escola dela fechou, em meados de março, Janaine manteve a filha matriculada nos meses de abril e maio. Mas, percebendo que a filha não se concentrava nos vídeos e atividades que a escola estava mandando, preferiu cancelar a matrícula. "Fiz algumas poucas tarefas com a Cecília, mas faltou interesse dela", diz.

A médica pensa em rematricular a filha no ano que vem, já que Cecília completa quatro anos em agosto. Mas diz que vai aguardar o desenrolar da pandemia em sua cidade. "Se a situação melhorar no segundo semestre, pode ser que ela volte", diz. Na quarta-feira (15) Campo Grande atingiu 4.904 casos de covid-19 e 45 mortes.

Janaine lamenta a perda de convívio da filha com os colegas, mas julga que a interação a distância não estava funcionando. Para compensar a ausência da escola, a pediatra faz com a filha exercícios de Kumon, método de ensino de matemática, além de atividades como leitura, quebra-cabeças e jogos de memória.

A psicóloga Elisa Lempek, 37, moradora de São Leopoldo (1.675 casos e 37 óbitos por covid-19, até ontem), no Rio Grande do Sul , teve a mesma motivação de Janaine para tirar da escola a filha Laura, de 2 anos e cinco meses: a dificuldade de aulas online prenderem a atenção de uma criança tão pequena. "Nós não tínhamos necessidade de que Laura frequentasse a escola, já que eu e meu marido nos revezávamos para cuidar dela. A matriculamos porque quando íamos buscar o mais velho, ela mostrava muito interesse pela escola", diz.

Elisa e Laura - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Elisa com a filha Laura, de 2 anos e 5 meses: aulas online não prendem a atenção de uma criança tão pequena
Imagem: Arquivo pessoal

Para Elisa a decisão de tirar a filha da escola não foi difícil, já que Laura começou a frequentar a instituição no início desse ano, portanto teve apenas pouco mais de um mês de aulas, e ela não havia ainda criado um vínculo forte com os colegas, e nem Elisa com os outros pais. Além disso, ela não vê sentido em refazer uma nova adaptação no segundo semestre, caso das escolas reabrirem, para logo parar de novo para as férias de fim de ano. "Prefiro voltar no ano que vem, em outra turma", afirma.

Para a psicóloga, a cobrança de acompanhar as aulas pela plataforma online estava se tornando um peso para ela, que ainda tem que ajudar o filho mais velho, Pedro, de cinco anos, com as aulas dele.

Já para Jaqueline Fernandes, 29 anos, de São Paulo, a motivação foi mais financeira para tirar o filho Enrico, de 3 anos, da escola. Jaqueline é tatuadora autônoma, e ficou sem renda desde meados de março até o início de julho, período no qual o estúdio onde trabalha ficou fechado por conta da pandemia. Seu marido, que trabalha em uma empresa de aluguel de máquina de pagamento por cartão, manteve o emprego, mas suas comissões foram reduzidas.

Jaqueline Enrico e Helena - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Para Jaqueline, a maior a motivação para tirar o filho Enrico, de 3 anos, da escola foi financeira. A mais velha, Helena, de 5, segue nas aulas online
Imagem: Arquivo pessoal

Depois do início da quarentena, Enrico continuou matriculado por mais um mês mas após esse período, a família decidiu tirá-lo da escola e manter matriculada apenas a filha mais velha, Helena, de cinco anos, que já está na idade obrigatória. A tatuadora conta que, no início, tentou as aulas online para Enrico, mas elas não funcionaram. "Eram muitas crianças pequenas, todas falando ao mesmo tempo, uma bagunça. Nem os professores, nem os alunos estavam preparados para essa situação", diz.

Agora, nesse período sem aulas, ela faz com o filho atividades tiradas do material que a escola mandou para a casa dos alunos, no início da quarentena. Ela não teme um possível prejuízo pedagógico do filho, mas tem receio de como será a volta do garoto para a escola futuramente, já que a primeira adaptação não foi nada fácil. "Ele tinha acabado de desmamar, não queria ficar na escola. Demorou quase seis meses para falar com a professora", diz.

Jaqueline pensa em esperar a disponibilidade de uma vacina para rematricular o filho na escola, e aguarda para ver como vai ficar a situação da filha mais velha, com a retomada das aulas nas escolas que, por enquanto, está prevista para dia 8 de setembro em São Paulo . Até esta terça-feira (14), a cidade de São Paulo estava com 179.401 casos de covid-19 e contabilizava 8.443 mortes. "Vou esperar para ver se a escola vai dar a opção de continuar com o ensino online", diz a tatuadora, que não sente segurança em mandar a filha de volta para a escola daqui a pouco menos de dois meses, principalmente por ser asmática e, portanto, integrante do grupo de risco para o covid-19.

O que diz a especialista

A obrigatoriedade de matricular as crianças na escola a partir dos quatro anos começou com uma Emenda Constitucional assinada em 2009, que ajustou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Segundo Maúcha Sifuentes, que é doutora em psicologia, parte do corpo docente do curso de psicologia do CESUCA - Faculdade Inedi, em Cachoeirinha (RS), o papel principal da educação infantil é promover um desenvolvimento integral da criança. E, para a ciência da psicologia, não há um consenso sobre a idade certa para entrar na escola. "Cada família toma essa decisão baseada em questões de rede de apoio, financeiras, de sociabilização com outras crianças, entre outras", diz.

Para a psicóloga, em tempos normais ela aconselharia aos pais que escolhem manter a criança fora da escola que se preocupassem com socialização, para que os filhos convivessem com outras crianças. Mas em tempos de quarentena as preocupações são outras. Os pais devem observar a qualidade dos estímulos e dos aspectos emocionais que envolvem as crianças, já que, até os 6 anos, mas principalmente até os 3, o cérebro tem mais plasticidade, ou seja, mais capacidade de mudança. Esse é um período crucial para o desenvolvimento.

Sentar para brincar com a criança e deixar que ela explore o ambiente e os objetos da casa, já serve para pais e cuidadores fortalecerem os vínculos afetivos e promoverem os estímulos necessários. Os pais até podem oferecer desenhos para pintar, massinha, quebra-cabeças, e outras atividades mais estruturadas. Mas Maúcha alivia a cobrança em cima dos pais e afirma que eles podem brincar com os filhos na medida em que conseguem, sem transformar a casa em uma escola improvisada ou brinquedoteca. "Não precisa virar uma tarefa e não precisa dar conta disso o tempo todo", diz.

Outra dica é tomar conta da atmosfera da casa e não deixar que a ansiedade e a preocupação dos adultos com a pandemia estresse os pequenos. "Ainda vamos ver como essa situação vai impactar as crianças mais para frente", afirma a psicóloga, que também atuou como colaboradora nas especializações em psicologia escolar e transtornos do desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Crise no setor das escolas

O setor das escolas de educação infantil é um dos que mais estão sofrendo com a pandemia do coronavírus. Segundo estimativa de Ademar Batista Pereira, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), cerca de 80% das escolas infantis pequenas podem fechar as portas por conta da crise, até o final do ano. Além disso, ele também afirma que entre 80% a 90% dos contratos dos 1,5 milhão de alunos entre zero e três anos das escolas particulares já foram cancelados em todo o País.

Uma pesquisa realizada em maio pelo Explora - Pesquisas, Métricas e Inferências Educacionais, com 482 respondentes, de diversas cidades do Brasil, mostrou que 95% das escolas pesquisadas (educação infantil, fundamental e ensino médio) têm casos de cancelamento de matrícula. São, em média, 11 casos por escola, aproximadamente 10% dos alunos. Além disso, 52% das escolas tiveram uma percepção de redução em suas receitas para o mês de maio.

Os motivos alegados pelos pais são desemprego, redução salarial e medo em relação à duração da crise, além de alguns pais consideram a educação a distância desnecessária e/ou não terem tempo de acompanhar as aulas. A não-obrigatoriedade da educação infantil para os menores de quatro anos também foi uma das razões alegadas para os cancelamentos.

Em São Paulo, uma pesquisa da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) com o Instituto Casagrande e o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (SIEEESP), realizada entre maio e junho com 206 escolas privadas de 74 municípios do estado, mostrou que houve uma evasão de 15% dos alunos da educação infantil neste período, apesar de 71% delas terem concedido descontos. Nos níveis de ensino fundamental I, II e ensino médio, esse índice de evasão ficou em apenas 1%, em média. A inadimplência nas escolas aumentou entre 25% e 50% a mais do que as instituições estão acostumadas.