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Coronavírus: devo pagar a empregada mesmo sem trabalhar? Veja dúvidas

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Imagem: Getty Images

Marcos Candido

De Universa

20/03/2020 04h00

A orientação geral é clara: fique em casa. Esse é um método efetivo de reduzir o risco de contrair ou contaminar outra pessoa com o coronavírus em meio à pandemia. Se essa regra vale para você, vale também para seus empregados domésticos. Mas como lidar com uma questão delicada: liberar do trabalho, mas manter o pagamento?

Mesmo para empregadas e diaristas com registro em carteira, a situação levanta dúvidas no empregador e gerou uma série de críticas nas redes sociais às celebridades que expuseram suas funcionárias. Do lado da trabalhadora, há o medo de ter seu serviço cancelado sem que haja algum acordo financeiro e, ao mesmo tempo, o receito de se expor ao risco.

Além disso, no Rio, entre as primeiras mortes em decorrência da doença no Brasil está a de uma empregada doméstica que contraiu o vírus da empregadora, que chegou doente de uma viagem à Itália.

A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) recomenda que todas as funcionárias domésticas sejam mantidas longe do trabalho, com ou sem sintomas.

Universa ouviu advogados trabalhistas para discutir algumas das principais questões sobre o tema. Mas o importante é saber que, nestas horas, é o bom senso que deve guiar as duas partes -e, em alguns casos, a solidariedade humana que vai resolver o problema.

Como funciona a lei

As empregadas domésticas registradas em carteiras estão protegidas pela chamada Lei das Domésticas. As previsões da CLT também podem ser usadas nessa relação de trabalho caso haja situações não previstas nas lei. Já as empregadas sem registro ou diaristas precisam negociar informalmente com o patrão sobre como lidar com a situação.

Desde fevereiro, a lei 13.979 prevê como falts justificads quem esteja em isolamento ou quarentena.

Independentemente da legislação, especialistas são unânimes. Será preciso ter solidariedade para negociar o melhor e mais benéfico para saúde pública e para o trabalho.

A diferença entre isolamento, quarentena e nova rotina

Muitas empresas brasileiras estão mantendo funcionários em regime de home office ou com escala diferenciada por recomendação do Ministério da Saúde, que pede para evitar aglomerações.

Empregadas domésticas podem não trabalhar em espaços com muita gente, mas podem usar transporte coletivo. Nesse caso, a recomendação da instituição que representa as trabalhadoras domésticas é que elas tirem uma licença remunerada ou tenham acesso a métodos para reforçar a segurança em relação à saúde.

Segundo a lei 13.979, é considerado isolamento "a separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus".

Já a quarentena é a "restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus".

A empregada doméstica que trabalha em casa está com sintomas de gripe. O que devo fazer?

Empregada registrada: ela deve ficar em casa até estar curada, mesmo sem a confirmação da doença. O empregador e empregada podem negociar uma licença remunerada para que ela continue a receber durante a doença. Caso queira formalizar, é preciso entrar no INSS com pedido de licença por motivo de saúde. O empregador banca os pagamentos por quinze dias e, após esse período, o pagamento fica a cargo do governo. Pela lei da doméstica, o INSS também pode ficar responsável pelo pagamento a partir do primeiro dia de licença.

Empregada sem registro: a recomendação do Ministério da Saúde é que ela fique em casa até estar curada. Neste caso, não existe legislação que obrigue o empregador a manter os pagamentos durante a convalescência. Diaristas ou empregadas informais que contribuam individualmente para o INSS também podem acioná-lo caso estejam doentes.

A empregada pode exigir ficar em casa e receber por isso, mesmo sem sintomas?

Empregada registrada: o empregador não é obrigado a manter o contrato ou a pagar pela exigência da empregada longe do posto sem que ela tenha os sintomas do vírus. Apesar disso, a empregada pode se recusar a prestar o serviço para evitar o contágio.

O ideal, de acordo especialistas, é manter o diálogo e chegar a um consenso para formular uma licença remunerada. O período da licença pode ser feito de acordo com as atualizações da pandemia no país e no estado. A licença remunerada pode ser negociada diretamente entre empregador e empregada.

Nesses casos, deixar o acordo registrado por escrito pode evitar dor de cabeça para ambas as partes. "É ideal sempre formular um termo para deixar acertado os termos da licença", explica a advogada trabalhista Eliane Ribeiro Gago.

Empregada sem registro ou diarista: neste caso, vai depender da solidariedade e do empregador para chegar a um acordo.

A empregada doméstica vai continuar trabalhando nos próximos dias. Como ajudá-la?

Empregadas registrada, não registrada ou diarista: Caso a empregada e o empregador decidam manter o trabalho, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) defende o oferecimento do chamado Equipamento de Proteção Individual (EPI): álcool gel, luvas e máscaras, que devem ser usados no trajeto até à residência e durante o serviço.

Outra recomendação é pagar um meio de transporte privado, como táxi ou carro por aplicativo, para evitar que ela se exponha ao vírus no transporte coletivo.

É preciso que as duas partes sejam honestas sobre sintomas ou caso tenha tido contato com um infectado, suspeito ou caso confirmado de coronavírus. Caso empregador ou empregada estejam no grupo de risco, a sugestão é se afastar do trabalho.

Sou empregada doméstica e meu empregador está gripado, com casos confirmados ou suspeitos de coronavírus. Posso me recusar a trabalhar?

Empregada registrada: o ideal é que o empregador afaste a empregada antes da recusa. Mesmo assim, a empregada pode se recusar a trabalhar e negociar condições para mantê-la em segurança e formular uma licença remunerada. Para advogados, as faltas no trabalho poderiam ser consideradas como justificadas neste caso.

Empregada sem registro ou diarista: o empregador não tem obrigação de manter os pagamentos ou continuar com o trato, mas há autonomia para se recusar a trabalhar sob essas condições. Em todos os casos, é preciso que a empregada redobre a atenção sobre os próprios sintomas e da própria família.

Sou empregada e gostaria de remanejar as minhas férias durante o isolamento. Posso?

Empregadas registradas: sim, é possível adiantar as férias. De acordo com advogados trabalhistas, é possível remanejar o período de férias até para quem não completou um ano de serviço e isso tem sido usado para facilitar as negociações. Neste caso, são mantidos os pagamentos do proporcional do salário trabalhado mais o salário do mês. Após retornar ao trabalho e caso a propagação do vírus não tenha melhorado, ainda é possível negociar uma licença remunerada.

Empregadas sem registro: formalmente, não há direito a férias para trabalhadoras sem registro em carteira ou que recebem por dia. Nesses casos, a negociação deve ser feita entre o empregador e empregada.

(Fontes: advogada Eliane Ribeiro Gago, escritório Duarte Garcia Advogados e especialista em direito do trabalho; Daniel De Lucca e Castro, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia, especialista em direito do trabalho; Lucas Braga, do escritório Freie&Braga associados e especialista em direito trabalhista; José Lucio Glomb, advogado especialista em Direito do Trabalho, sócio fundador do Glomb & Advogados Associados e ex-presidente da OAB/PR; Ângelo Carbone, do escritório Carbone & Faiçal Advogados)