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Como meter a colher: um guia para ajudar as vítimas de violência doméstica

Em briga de marido e mulher é preciso que se meta a colher - Getty Images
Em briga de marido e mulher é preciso que se meta a colher Imagem: Getty Images

Camila Brandalise

De Universa

29/01/2020 04h00

Se acreditamos ou percebemos que uma mulher apanha do marido, a primeira coisa que dizemos é que ela deve se separar ou denunciá-lo. E essas são, de fato, atitudes necessárias para salvar a vida dela.

O problema é que, quando falamos de violência doméstica, a mulher pode não perceber ou não admitir que é vítima, por acreditar que o homem não vai voltar a agredi-la, por medo ou por vergonha.

Por isso, muitas vezes aconselhar a ela que vá à delegacia — o primeiro passo nesses casos — pode não surtir efeito.

Há, porém, outras maneiras de tentar ajudá-la. Elaboramos algumas sugestões a partir de orientações de especialistas ouvidos por Universa:


1º passo: escute-a e acredite nela

Superintendente-executiva do Instituto Maria da Penha, Conceição de Maria Mendes de Andrade afirma que ouvir a vítima é a primeira maneira de ajudá-la. "Tem que respeitar o relato e acreditar no que ela está dizendo. Pergunte o que você pode fazer e coloque-se à disposição para encontrar uma solução", diz.

Além disso, afirma Conceição, a fala pode ser um processo importante para que a mulher organize suas ideias e se dê conta da gravidade da situação que está vivendo.

Também é importante não fazer comentários que possam implicar a culpa pelo que aconteceu à vítima. "Muitas vezes, atribuímos à pessoa a responsabilidade pela violência que está sofrendo. Dizemos coisas como: 'O que você fez para ele agir assim com você?' Não se pode julgá-la", afirma Ana Claudia Victoriano, criadora do Fórum Nacional de Políticas Públicas para Mulheres, grupo de discussão online com profissionais de todo o país.

2º passo: sugira que ela busque ajuda em outros lugares além da delegacia

Vítimas de violência não têm direito apenas ao acesso à Justiça. Elas podem contar, também, com os serviços de assistência social garantidos pela Lei Maria da Penha.

Nos centros de referência de atendimento à mulher, que existem em diversas cidades do país, há equipes multidisciplinares que podem ajudá-la a pensar nas melhores decisões para sair de uma relação violenta.

Essa orientação vale para as situações em que a mulher se recusa a ir a uma delegacia. "O centro de referência da mulher é um dos lugares mais importantes criados pela Maria da Penha", afirma Conceição.

"No local, a vítima não vai denunciar, mas vai conhecer seus direitos, entender o que é a lei e traçar uma estratégia junto com a equipe multidisciplinar [psicólogas, advogadas e assistentes sociais] para sair da situação de risco. Inclusive, há casos em que a psicóloga acompanha a vítima até a delegacia para fazer a denúncia."

É preciso salientar que o registro da ocorrência é importante para conseguir uma medida protetiva, ou seja, exigir judicialmente que o agressor se mantenha afastado da vítima.

3º passo: não a deixe sozinha

Deixar claro para a vítima que ela não está sozinha é importante para fortalecer sua decisão de dar fim ao relacionamento violento, afirma a promotora de Justiça de São Paulo Silvia Chackian, integrante do Gevid (Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica) do Ministério Público do estado.

"É importante não deixar essa mulher sozinha porque sabemos que, no geral, elas não denunciam, acabam se desmotivando a tentar sair da relação. A vítima precisa se sentir fortalecida porque o processo de superação da violência é complexo", diz Silvia. Por isso, segundo a promotora, é importante ter uma rede de apoio, seja ela por meio de centros de referência ou por parte de amigos e familiares.


4º passo: meta a colher, sim

Qualquer pessoa pode denunciar um caso de violência doméstica. Se você sabe que uma conhecida sua é agredida pelo companheiro, pode ir a uma delegacia registrar um boletim de ocorrência, procurar o Ministério Público ou ligar para o número 180, linha do Governo Federal que dá orientações para casos de violência doméstica.

E tudo isso pode ser feito anonimamente. "Mas é importante se aproximar da mulher e proporcionar a ajuda. De nada adianta uma denúncia anônima quando a mulher que está num relacionamento abusivo e violento e não encontra amparo para sair dele", afirma Silvia.

A advogada especialista em violência contra a mulher Alessanda Nuzzo reitera a orientação de se envolver e, se preciso, denunciar. "Essa crença de que em briga de marido e mulher não mete a colher é equivocada. Quanto menos alguém se mete, pior fica a situação, pois o ciclo da violência é uma crescente", afirma Alessandra. "Se ninguém faz nada, essa mulher acaba morta."