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Roupas jogadas no lixo viram peças de grife para paulistano

Tanto na vida pessoal quanto na criação de moda, Vicente Perrotta busca trabalhar a desconstrução binária de gênero - Arquivo pessoal
Tanto na vida pessoal quanto na criação de moda, Vicente Perrotta busca trabalhar a desconstrução binária de gênero Imagem: Arquivo pessoal

Julia Guglielmetti

Colaboração para o UOL

27/02/2017 04h00

Vicente Perrotta, 37, encontra a matéria-prima de suas coleções de moda no lixo. A estilista --sim, "a" estilista, porque prefere ser identificada no feminino - é autodidata, formada em "tiro, porrada e bomba", como gosta de brincar, e acredita que tudo é reutilizável.  "Lixo é consumível! O mundo já tem tanto que você não precisa gastar com material para fabricar algo novo. A gente não precisa comprar tudo novo o tempo inteiro", conta em entrevista ao UOL.

Quando fundou a marca que leva seu nome há 10 anos, Vicente produzia bijuterias inspiradas pelos trabalhos ornamentais dos índios brasileiros, que reaproveitam elementos encontrados na natureza, como sementes e penas. A evolução de sua criação culminou no hoje tão badalado "upcycling", termo em inglês que significa aumentar o valor de algo reciclado.
 
No início, o exercício de desenhar peças novas com roupas jogadas fora teve um empurrãozinho da escassez monetária. "Eu não tinha dinheiro para estampa em serigrafia. Então usei retalhos de tecidos para formar desenhos. Foi aí que meu processo de reciclagem começou", relembra. Atualmente, seus looks são vendidos a preços entre R$ 150 e R$ 250, "mas variam, por ser um trabalho artesanal, pensando sempre em cobrar um valor justo", afirma.

Como é feito

Depois de encontrar as roupas descartadas ou de receber as doações, a estilista desfaz tudo. Ela corta, transforma em pedaços de tecidos, faz novos tingimentos e costura novamente. Por fim, cria estampas e aplica bordados.

Com três camisetas e quatro camisas, por exemplo, ela faz um novo vestido. "Você pode usar uma peça que é feita de vários modelos. A ideia é desconstruir a estética", diz.

Sobras, tiras e pequenos retalhos são transformados em franjas e detalhes. "Eu não compro nem aviamento", explica Vicente, que prefere retirar zíperes e fivelas de bolsas, moletons ou jaquetas que, não fossem encontradas por ela, provavelmente teriam como destino o total esquecimento. "Uso zíperes ótimos que foram jogados fora, assim o custo é bem menor".

Sem gênero e sem padrões

Vicente diz criar "roupa ressignificada" no design e, principalmente, no conceito. Com isso, ela pretende acabar com a distinção do masculino e feminino, assim como faz com sua própria identidade.

"Eu tento fazer circular a energia dos gêneros, acabar com esse limite da moda binária [homem e mulher]. Pego roupas masculinas e femininas, desmonto e construo um look novo sem definição de sexo. Dessa forma, vou desfazendo também várias opressões, inclusive as estéticas", comenta sobre sua desconstrução, que não está só na estrutura das peças, mas também no espírito das coleções.

Ela também quer derrubar os padrões de beleza e sua intenção é sempre vestir vários tipos de corpos, não apenas mulheres magras e altas. "Você vai no shopping hoje e não encontra roupa para uma pessoa gorda. Quer dizer, você pode até encontrar, mas 99% é para pessoas magras", conclui a estilista.