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Relojoeiros de luxo lutam pelo selo "Feito na Suíça"

A cidade de Lauterbrunnen, nos alpes suíços - Damon Winter/The New York Times
A cidade de Lauterbrunnen, nos alpes suíços Imagem: Damon Winter/The New York Times

Jane Williams

Do The New York Times

10/08/2013 08h02

Relógios impecavelmente precisos estão entre as marcas registradas da Suíça. Relógios suíços evocam um senso de qualidade, uma reputação que levou quase 500 anos para se constituir. Portanto, não surpreende que a Federação da Indústria Relojoeira da Suíça não queira perdê-la. Recentemente, a federação deixou de fazer parte de uma das principais organizações comerciais do país, a Economiesuisse, acusando-a de não desejar proteger a marca Suíça.

As duas organizações discordavam há muito tempo sobre quanto de cada produto deveria ter origem no país para receber o selo de "Feito na Suíça". A legislação atual afirma que apenas 50% do mecanismo interno do relógio precisa ser fabricado na Suíça. Contudo, não existe esse tipo de lei para outros produtos industrializados. O governo do país propôs uma lei que garanta que 60% da origem ou fabricação de qualquer item com o selo de "Feito na Suíça" seja nacional. O limite de 60% é apoiado pela federação nacional de relojoeiros, mas foi rejeitado pela Economiesuisse – que representa mais de dois milhões de empresas – por ser restritivo e impraticável.

Isso levanta a questão do valor de uma cultura e outros bens imateriais. Até que ponto esses dados podem se refletir no preço final e como empresas e setores podem convencer os consumidores de que esses valores são inerentes ao preço que pagam?

Estudos recentes das Universidades de St. Gallen e de Zurique sugerem que a marca Suíça gera até 20% mais lucro em produtos de luxo. O estudo comparou relógios fabricados na Suíça a relógios feitos em países como a China, mas com mecanismos projetados no país europeu, revelando que a marca Suíça dobra o valor final do produto, que pode chegar a US$ 100 mil (cerca de R$ 225 mil), ou mais.

O uso de referências culturais e geográficas para acrescentar valor a produtos de luxo sempre foi um aspecto fundamental do marketing nacional, afirmou Frederic Godart, professor assistente de comportamento organizacional na escola de negócios Insead. "Ao indicar uma referência cultural ou geográfica especial", afirmou, "fabricantes de produtos de luxo tornam a imitação mais difícil, aumentando a disposição dos clientes em pagar mais".

Seja um relógio suíço, um queijo orgânico ou uma velha cidade mineradora que deseja atrair turistas, o valor social e cultural dos produtos está aumentando, à medida que os consumidores prestam mais atenção à autenticidade do que compram.

"A inovação atual em países altamente desenvolvidos consiste em grande parte na transformação de valores culturais e estilos de vida em produtos e serviços vendáveis", afirmou Olivier Crevoisier, professor da Universidade de Neuchatel. Os consumidores estão se educando, afirmou Crevoisier, e estão fazendo cada vez mais escolhas com base na origem, na sustentabilidade e no histórico do produto.

"Contudo, atividades tradicionais como a indústria relojoeira, bem como outras mais novas, precisam encontrar alguma legitimidade por meio do debate público, se quiserem criar valor econômico", afirmou. "O relógio de hoje é um bem cultural, é um bem inútil, na verdade. Afinal, se todo mundo tem um celular no bolso, porque se paga tanto por um relógio suíço?"

"Justamente por ser um exemplo do que chamamos de autenticidade", afirmou Crevoisier. "É impossível chamar a si mesmo de autêntico. São os outros que devem dizer isso". O debate público gera interesse em torno do produto, o que cria valor, além de servir de testemunho à natureza autêntica da marca, acrescentou, destacando que esse desejo de ser visto como autêntico forçou os marqueteiros a criarem técnicas inovadoras.

Muitos fabricantes de relógios suíços, por exemplo, estão transformando suas fábricas em destinos turísticos. Com frequência, essas fábricas funcionam em fazendas ou vilarejos antigos, com um museu logo ao lado. Os funcionários aprendem a falar inglês e são encorajados a interagir com clientes ou jornalistas que são levados às instalações da fábrica.

A LVMH tomou um rumo semelhante, abrindo suas maiores casas de alta-costura, butiques, vinícolas e casas particulares para convidados em um evento conhecido como "Les Journées Particulières", que dão aos clientes uma oportunidade de ver o trabalho envolvido na fabricação dos produtos.

O valor cultural também fornece oportunidades para regiões que enfrentam dificuldades, permitindo que sua tradição seja transformada em produto.

Um bom exemplo é o Vale do Ruhr, na Alemanha, um velho distrito de mineração e metalurgia que entrou em crise após o fechamento de minas e poços no fim do século 20. Ao tirar proveito de suas raízes na Revolução Industrial, a área se reinventou, promovendo seu patrimônio industrial ao transformar velhas minas, fornalhas e fábricas em galerias e monumentos.

Mas não é apenas a cultura antiga que está sendo utilizada, acrescentou, Crevoisier. A cidadezinha de Ystad, na costa sul da Suécia, que serve de pano de fundo para as histórias populares da série de mistérios do detetive Wallander, de Henning Mankell, e suas inúmeras adaptações para a televisão, utilizou a série como ferramenta de propaganda para atrair turistas para a região.

Empresas frequentemente utilizam eventos de mídia e celebridades para promover seus produtos. Contudo, Crevoisier argumenta que o valor real é gerado pelo debate entre especialistas, conhecedores, ONGs e clientes. Fabricantes de relógios suíços, assim como diversos outros fabricantes de bens luxuosos, investem em revistas chiques, com artigos que encorajam jornalistas e especialistas a discutirem não só as principais competências do produto, mas o conhecimento simbólico por trás dele. Ao animar a discussão, compartilhar experiências e trocar ideias em diversos países, consumidores estão se tornando especialistas em produtos e setores e, como resultado, ficam cada vez mais dispostos a pagar pelo que desejam.

Qualquer coisa que gere discussão irá chamar a atenção dos consumidores, aumentando o interesse no produto, segundo Crevoisier, o que nos leva de volta aos relojoeiros e sua insatisfação com a recusa da Economiesuisse a apoiar a lei do governo.

"A indústria relojoeira adquiriu muita experiência com 'autenticidade' e marketing nos últimos 10 anos", afirmou Crevoisier. "Acredito que os relojoeiros conseguirão aprovar a lei que desejam, com um padrão diferente do de outros produtos. Enquanto isso, eles aprenderam a usar esse tipo de episódio para aparecer na mídia como verdadeiros defensores da autenticidade".

"Nunca se deve perder esse tipo de oportunidade", finalizou.

(Jane Williams é editora da Knowledge Arabia)