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Programa testa capacidade de adolescentes de identificar consentimento ao sexo

No último ano, houve 85 mil estupros de mulheres na Inglaterra e no País de Gales - Reprodução/BBC
No último ano, houve 85 mil estupros de mulheres na Inglaterra e no País de Gales Imagem: Reprodução/BBC

04/11/2015 13h04

Um documentário de TV da BBC sobre consentimento sexual entre jovens britânicos criou imensa polêmica ao mostrar que muitos adolescentes mostram-se confusos na hora de julgar os limites entre sexo consentido e estupro.

No programa "Isso É Estupro? O Sexo Vai a Julgamento", um grupo de jovens com idades entre 16 e 18 anos assistiu a uma série de dramatizações em vídeo de um incidente ocorrido em uma festa, envolvendo um rapaz e uma moça bêbados. Em seguida, foram convidados a debater o que viram.

As respostas são reveladoras.

1 - O Cenário

Tom, 18 anos, encontra Gemma, 17, em uma festa conversando com um amigo, Phil. Tom e Gemma saíram juntos algumas vezes no passado. Eles se encontram na cozinha da casa e têm um conversa amigável enquanto pegam alguns drinques.

Mais tarde, enquanto dança com suas amigas, Gemma flerta à distância com Tom e Phil. Pouco depois, Tom vai ao banheiro e vê Gemma beijando Phil. Tom parece aborrecido e bebe até dormir na cozinha. No final da festa, Gemma faz sua cama no sofá da sala e cai no sono. Tom se aproxima e pede para dividir o espaço com ela, pois está com frio. Gemma concorda, mas pede ao rapaz que fique quieto para ela poder continuar dormindo.

Tom deita-se junto a ela e começa a dizer o quão bonita ela estava na festa. Menciona uma ocasião em que ambos teriam feito sexo. Gemma está cochilando. Tom põe sua mão na face dela , ela tenta se desviar, mas não diz nada. Ele se aproxima ainda mais da menina e fica por cima dela, que se mantém parada e quieta. Tom, então, põe suas mãos por trás da cabeça da menina e introduz seu pênis na boca de Gemma.

Duas semanas mais tarde, Gemma procura a polícia para dizer que uma pessoa que ela conhecia "fez alguma coisa" com ela. 

Advogados alertam para os perigos sobre o desconhecimento da legislação de crimes sexuais - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
Advogados alertam para perigos do desconhecimento da legislação de crimes sexuais
Imagem: Reprodução/BBC

2 - Algumas das reações dos jovens e comentários de um advogado

"Foi um caso horrível de falha de comunicação." (Rapaz 1)

"Uma das coisas que mais me assustou foi o quão normal Tom parecia ser. Ele parecia um cara qualquer em uma festa. Um cara que bebeu demais e foi para cima da menina. Isso é o mais assustador." (Rapaz 2)

"Ela (Gemma) não disse 'não' e pode ter sido o fato de que ela simplesmente não quis se dar ao trabalho de fazê-lo. Todas já estivemos em situações em que meninos forçaram a barra conosco. No final das contas, você apenas diz 'ok, vá em frente'. O que seja." (Moça 1)

"As pessoas têm uma pré-concepção de como é um estuprador e, normalmente, essa imagem não é a de um rapaz de 17-18 anos que bebeu demais em uma festa." (Advogado)

"Na minha interpretação, acho que a menina ficou com medo dele e do que ele poderia fazer caso esboçasse reação. Essa submissão não é um sinal de consentimento." (Rapaz 3)

"Quando ela não disse 'não', o rapaz obviamente achou que era um 'sim', algo errado. Mas na cabeça dele, o fato é que a moça não disse 'não'. E ao não fazer qualquer coisa para impedi-lo, acho que a moça deu a impressão de consentimento." (Moça 2)

"Precisamos analisar o que a moça estava fazendo. Ela não fez coisa alguma. Não estava respondendo, tinha os braços repousados. Ela não estava beijando o rapaz, não estava induzindo esse tipo de comportamento. Eu diria que não há qualquer evidência de consentimento neste caso." (Advogado) 

Dúvidas sobre consentimento chamaram a atenção dos produtores do programa - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
Dúvidas sobre consentimento chamaram a atenção dos produtores do programa
Imagem: Reprodução/BBC

"Acho que (o caso) pode ser classificado como estupro, mas não é tão mal assim. Foi apenas sexo oral, não penetração. Mas não sabemos de toda a história. Não sabemos o que ela fez para instigar o incidente, mas não acho que a moça é completamente inocente." (Rapaz 4)

"A definição legal de estupro inclui sexo oral. A penetração com o pênis em boca, vagina ou ânus é estupro se não for consensual. Não há distinção. A sentença é a mesma." (Advogado)

"Se ela quisesse (sexo), teria dado alguma coisa de volta. Mas ela apenas ficou deitada feito uma tábua." (Moça 3)

"A legislação em vigor data de 2004 e é similar a que vigorou por muitos anos. Promotores não vão querer evidência de uma mulher gritando ou dizendo 'não'. Hoje em dia aceita-se o argumento de que mulheres frequentemente 'congelam' em situações de estupro. É por isso que jovens precisam entender que eles não podem continuar (tentando fazer sexo) até que alguém peça para parar. Eles precisam ter uma conversa sobre o que está acontecendo e perguntando se a outra pessoa está satisfeita em continuar." (Advogado)
 

3 - A visão de Tom

O painel de jovens recebe mais informações:

Tom é preso sob a acusação de estupro. Ele mantém sua convicção de que Gemma deu consentimento. Diz que ela mandou uma mensagem para seu telefone convidando-o para a festa, mandando beijos no final (simbolizados por três letras "x", em inglês). Porém, a mensagem foi enviada para um grupo, não apenas para Tom. O rapaz diz que ele e Gemma estiveram fisicamente próximos durante as conversas na festa. Gemma alega que a música estava alta, o que a fez chegar mais perto do rapaz para ouvir o que ele falava. Tom diz que Gemma flertou com ele frequentemente. O problema é que Tom estava ao lado de Phil, com quem Gemma fez sexo na semana anterior.

"Flertar não é um convite." (Rapaz 5)

"Jovens precisam ter em mente quais são as consequências de seus atos, mas ao menos parece haver a percepção correta aqui." (Advogado) 

"Se Tom pudesse ser condenado por uma ofensa sexual em vez de estupro, acho que seria melhor." (Moça 4)

"Há o sentimento de que jurados hesitam em condenar um rapaz de bons antecedentes em circunstâncias de estupro como essas. Mais uma vez isso faz parte de estereotipos sobre estupradores. Estupradores nem sempre saem por aí já pensando em atacar alguém. Assim como muitos outros crimes sérios, decisões erradas no calor do momento podem ter consequências devastadoras para todos." (Advogado)

"Eles tiveram um relacionamento no passado e tiveram algum tipo de relação sexual. E ela deixou que ele se deitasse em sua cama." (Moça 1)

"O importante aqui é se a moça deu consentimento naquele momento. Não importa o quão íntimos eles tenham sido no passado. Não importa se ela tenha enviado fotos íntimas pelo Snapchat. Nada disso tem alguma influência sobre o fato de Gemma ter ou não dado consentimento." (Advogado)

4 - A visão de Gemma

Tom alega que ele e Gemma se beijaram no sofá, mas não lembra se Gemma o beijou de volta. Ele argumenta que em nenhum momento ela pediu a ele que parasse ou pareceu incomodada. Essa falta de resposta, segundo ele, indicava que ela "queria". Mas Gemma diz não ter feito nada porque esperava que Tom "entendesse a mensagem e parasse". Ela alega ter ficado "paralisada".

"Chamar Tom de estuprador implica que ele fez as coisas com as piores intenções e pensamentos. Não acho que Tom fez isso. Embora ele tenha estuprado a moça, não acho que ele seja um estuprador. (Rapaz 3)

Durante o experimento, diversos jovens conversaram sobre suas experiências sexuais e alguns até questionaram se seu próprio comportamento não teria "cruzado a linha" do consentimento.

"Conheço meninas que estiveram na situação em que não deram consentimento a seus namorados, mas eles foram em frente mesmo assim", diz uma moça.

"Algumas meninas não querem dizer 'não', não querem ser vistas como 'pudicas'... Meninos pensam: 'ah, você está apenas se fazendo de difícil' quando você realmente não está afim. E os meninos acham que é um jogo", diz outra moça.

Um rapaz diz que a discussão o levou a questionar coisas que fez: "será que fiz algo sem saber que fiz?"