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Maqui Nóbrega

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ex-interna da Fundação Casa, Esther hoje trabalha no Google: "tive apoio"

Colunista de Universa

03/03/2021 04h00

No ano passado, eu tinha o plano de fazer um podcast que chamaria "Muitas". A ideia era ceder o meu espaço pra outras mulheres que eu achava que mais gente tinha que conhecer. Com a pandemia, o projeto foi engavetado porque eu não queria gravar a distância (acabei fazendo um outro podcast totalmente diferente, só pra dar risada, mas essa já é outra história).

O lance é: o sentimento que me fez ter a ideia do "Muitas" voltou com força em 2021. Por isso, resolvi usar esse espaço da minha coluna aqui em Universa para, às vezes, entrevistar alguém. Pensando nisso cheguei até a Esther. A Esther é uma mulher de 22 anos, nascida e criada na Zona Leste de São Paulo, que trabalha desde os 11 anos pra ajudar nas contas da casa. Por razões que a gente no Brasil conhece bem, ela acabou se envolvendo com o tráfico de drogas e foi encarcerada antes dos 18 anos. Quando isso acontece, os adolescentes não vão para a cadeia e sim para centros de medidas socioeducativas.

Eu conheci a Esther através do Instituto Mundo Aflora (e eu conheci o Mundo Aflora por acaso, pelo Clubhouse, veja só) e confesso que, antes disso, eu nunca tinha parado pra pensar de verdade nas meninas que passam por esses centros. Na minha cabeça ignorante, o tráfico (ou sendo mais sincera ainda, o crime em geral, especialmente antes dos 18 anos) era uma atividade quase que exclusivamente masculina. Mas não.

As mesmas oportunidades que faltam pra milhões de meninos adolescentes, também faltam para as meninas. E essas meninas também perdem a liberdade e entram em um sistema que definitivamente não foi pensado pra elas.

Nesses centros, se tudo der certo, elas têm a chance de aprender. Foi através de uma aula de yoga da CASA Chiquinha Gonzaga, em São Paulo, que o Mundo Aflora chegou na Esther e foi através desse projeto que Esther chegou no Google, onde trabalha hoje como jovem aprendiz. A história que eu ajudo a contar hoje é a dela.

Maqui: Esther, me conta um pouco da sua trajetória até aqui?
Esther: Eu tenho 22 anos, nasci e cresci na Zona Leste de São Paulo, Itaim Paulista, onde moro com a minha mãe e meus cinco irmãos. Com 11 anos já comecei a trabalhar, distribuía panfletos, vendia balas, mas me faltou uma oportunidade de emprego registrado como jovem aprendiz, porque eu era menor de idade. Moro em uma comunidade ao redor do crime e do tráfico, eu estava vulnerável e infelizmente meu desespero falou mais alto. Quanto percebi, estava envolvida até o pescoço.

Esther tem 22 anos, nascida e criada na Zona Leste de São Paulo - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Esther tem 22 anos, nascida e criada na Zona Leste de São Paulo, que trabalha desde os 11. Acabou se envolvendo com o tráfico de drogas e foi encarcerada antes dos 18 anos
Imagem: arquivo pessoal

Maqui: O que mudou no seu pensamento e o que você aprendeu quando estava internada?
Esther:
É angustiante ficar isolada, longe de quem a gente ama. Mudou muita coisa em relação a trabalho e ao futuro pra mim, eu criei esperança lá dentro, acreditei em mim, que eu era capaz. Aprendi a valorizar o simples da vida e a aproveitar as oportunidades. Tudo o que achamos que é difícil aqui fora, quando a gente está privada da liberdade, é o dobro, porque você fica paralisada. A vida fica estagnada, parada, tudo o que você tinha planejado fazer, acaba não fazendo e tendo que começar a vida do zero quando vem aqui pra fora.

Maqui: O que você sonhava fazer quando saísse da internação?
Esther:
Quando eu tava lá dentro, sonhava em arrumar um emprego registrado e cursar Pedagogia, dar aulas pra crianças, mas isso mudou aqui fora. Eu me sentia julgada por mim mesma, por ter passagem, então ficava na minha cabeça a ideia de que eu nunca mais conseguiria trabalhar. Ainda bem que foi diferente, que eu tive oportunidades! Eu conheci o Mundo Aflora através da minha amigona, Renata (Mendes, fundadora e presidente do Instituto), que foi minha professora de yoga na Fundação, e mudou muito a minha vida. Eu tive o apoio de pessoas que acreditaram em mim.

Maqui: Você fez outras amizades lá dentro?
Esther:
Fiz sim, algumas delas eu trombei aqui fora. Com outras eu falo pelo celular, por chamada de vídeo, pra matar um pouco da saudade. Uma pessoa que também conheci lá foi a Thaís (Padilha, Head of Ads Operation do Waze na época), do Google. Ela foi falar um pouco sobre a empresa pra gente e pareceu um sonho, nunca imaginei que fosse trabalhar lá um dia, e hoje eu trabalho.

Maqui: Como é a experiência de trabalhar no Google?
Esther:
Trabalhar no Google é incrível, eu tinha a minha mesa, meu notebook, minhas coisinhas. Você acredita que tinha um monte de comida pra escolher no escritório? Eu queria ser efetivada, mas não foi o momento. Meu contrato está prestes a acabar e agora quero conseguir um outro serviço pra guardar dinheiro e investir na minha micro empresa. Quero fazer um curso de cabeleireira, abrir um salão e trabalhar pra conseguir uma vida estável.

Maqui: Você se sente feliz no momento? O que é felicidade pra você?
Esther:
É uma coisa momentânea, conseguir alcançar meus objetivos é uma felicidade e tanto, então cada conquista minha é uma felicidade.