Topo

Cris Guterres

Quem tem medo das mulheres no poder?

A deputada estadual Marina Helou, da Rede, durante a gravidez - Zanone Fraissat - 3.abr.2018/Folhapress
A deputada estadual Marina Helou, da Rede, durante a gravidez Imagem: Zanone Fraissat - 3.abr.2018/Folhapress

Colunista do UOL

28/07/2020 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Não há como processarmos uma transformação política verdadeira no Brasil sem que ela se inicie por um recorte de raça e gênero. Me refiro diretamente a uma mudança no tom de pele e no gênero dos ocupantes das cadeiras de cargos eletivos no país.

Nós mulheres somamos 52% do eleitorado brasileiro, no entanto somos apenas 15% do Congresso Nacional entre cargos deputados e senadores. Só um dos 26 Estados brasileiros e Distrito Federal é comandado por uma mulher, Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte pelo PT, e só 12% dos municípios do país contam com uma mulher gerindo a cidade.

Novas formas de pensar e fazer a política só serão alcançadas através da pluralidade. A inserção das mulheres neste ambiente é imprescindível e precisa ser adotada como estratégia de rompimento da maneira tradicional de trabalho da política nacional que tem como propósito histórico silenciar as mulheres, sobretudo mulheres negras.

São muitos os artifícios elaborados para deixar as mulheres fora do poder decisório, sejam eles físicos ou simbólicos. Não à toa, só em 2016 foi construído um banheiro feminino dentro do Senado Brasileiro. A Deputada Federal pelo PDT Tabata Amaral criou, no início deste ano, o projeto "Vamos Juntas na Política". Uma iniciativa de formação que visa promover uma democracia inclusiva através da ampliação do número de mulheres em cargos eletivos.

O projeto oferece mentoria e treinamento para as interessadas em se tornarem candidatas já nas eleições municipais deste ano. Ainda nem findaram-se as convenções eleitorais para a escolha dos candidatos pelos partidos e as mulheres participantes do "Vamos Juntas" já estão denunciando ameaças e agressões psicológicas para que desistam do pleito eleitoral.

As tentativas de aniquilamento não são surpresa para as mulheres que se encorajam a romper com um regime político que nos cala e nos impõem à condição de subserviência. Quanto mais avançamos na ocupação de um lugar onde somos capazes de pensar nossa condição de vida por nós mesmas, mais severas são as imposições criadas pelo machismo numa tentativa de nos limitar.

Quem tenta nos limitar sabe como nos anular. Seja por boicote, agressões ou até mesmo por aniquilamento, como aconteceu com a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada há mais de dois anos junto com o motorista Anderson Gomes num crime cujo mandante ainda não foi desvendado.

Quem tentou interromper Marielle não esperava que ela se tornasse semente para um levante que está em curso. O número de mulheres que entraram na vida política inspiradas na história da vereadora tem crescido consideravelmente, principalmente as mulheres pretas.

Pela primeira vez, uma mulher negra será candidata à Prefeitura de Salvador, cidade brasileira com o maior número de habitantes autodeclarados pretos no país (80% segundo o IBGE).

Nós precisamos de mais mulheres no poder, sobretudo mulheres que movam o mundo pelas margens.

Mulheres negras, quilombolas, indígenas, transexuais, periféricas. Mulheres líderes comunitárias, atuantes no ambiente sindical. Mulheres que conhecem as reais condições das domésticas brasileiras, as dificuldades diárias de quem trabalha à quilômetros de distância de casa. Mulheres conselheiras municipais da saúde, da educação, conselheiras tutelares, mulheres que se embrenham periferia à dentro em busca de dignidade.

Precisamos de mulheres lutando pelas pautas que nos protegem, mulheres criando as leis que salvam nossas vidas. São inúmeros os benefícios que a sociedade contemporânea vem colhendo com as mulheres no poder. Um estudo publicado em 2018 no "Journal of Economic Behavior & Organization" por pesquisadores do departamento de Economia da Universidade Virginia Tech Universidade nos Estados Unidos, apontou que países com maior participação feminina na política tem menor incidência de corrupção. Mais recentemente estamos acompanhando que as nações comandadas por mulheres estão obtendo melhores resultados no combate ao novo coronavírus.

As mulheres no Brasil ainda estão longe de não precisar gritar para serem ouvidas e terem sua humanidade reconhecida. Precisaremos lutar no grito e no voto a voto por uma representatividade eleitoral capaz de propor e defender projetos de lei que façam referência aos direitos das mulheres.

Ontem, dia 27 de julho, Marielle Franco faria 41 anos. Se existe um presente que podemos entregar pela sua memória é permitir que sua voz e sua luta ecoe por ouvidos e corações. Eu repetirei aqui as palavras que Marielle proferiu durante uma seção na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. "Não serei interrompida. Não aturo interrompimento dos vereadores dessa casa. Não aturarei o cidadão que veio aqui e não sabe ouvir a posição de uma mulher eleita". Seguiremos desbravando e não tolerando interrompimentos de quem tenta calar a nossa existência."