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Cris Guterres

Você é tomado por sensação de conforto ao se ver como melhor que o outro?

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Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

07/07/2020 04h00Atualizada em 07/07/2020 11h58

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Imagine uma mulher competente à frente de um restaurante tradicional na região da avenida Paulista, território econômico do país. Pense no rosto, nas roupas, na maneira como esta mulher se comporta. Construa a imagem dela em sua mente. É uma mulher elegante, adora moda, não sai de casa sem dedicar tempo a se maquiar e a arrumar os cabelos.

Fez MBA na Fundação Getulio Vargas, estudou inglês na Europa e venceu o primeiro reality show da TV brasileira a premiar equipes empreendedoras. Liderando uma equipe de alta performance, essa mulher conseguiu emplacar um produto inovador nas prateleiras da maior fábrica de chocolates finos do mundo.

Formada em jornalismo, é colunista de diferentes plataformas de conteúdo, apresentadora e palestrante de eventos dedicados a mulheres líderes e empreendedoras. É, com frequência, convidada para entrevistas em veículos de comunicação sobre empreendedorismo, trabalho em equipe e sobre temas como diversidade e gênero. Por fim, conduz um podcast que vem sendo indicado, por diferentes plataformas, como um dos mais relevantes da atualidade.

Conseguiu imaginar? Visualizou seu perfil? Sua maneira de se vestir? Como você imaginou o cabelo? Caído sobre os ombros, longos, cacheados ou lisos? Agora seja sincera consigo mesmo. Você imaginou que esta mulher fosse negra?

Muito prazer, esta mulher sou eu, Cristiane Guterres.

Não. Eu não quis aqui usar este espaço para divulgar meu currículo. Eu quis provocar uma reflexão. Como você imagina ser uma mulher bem-sucedida? Qual a cor da pele da mulher que você imagina estar associada ao poder e ao conhecimento? Certamente, vivendo no Brasil que reproduz em todas as escalas o racismo estrutural, você teria dificuldade de imaginar um cabelo crespo e um tom de pele negro nesta mulher.

Romper a barreira racial e me estabelecer no lugar onde eu quiser, essas são duas das minhas missões. Fui educada para reagir a qualquer tentativa de subalternização e quero desconstruir o olhar que me define como o outro do ser humano.

A premiada escritora Toni Morrison apontou como sendo um dos objetivos do racismo definir o outro para definir a si mesmo. Segundo Morrison, existe uma sensação de conforto quando você consegue se definir melhor que o outro. Vivemos numa humanidade que transformou raça num parâmetro de diferenciação pra que negros fossem julgados como seres inferiores que necessitavam ser controlados. Uma explicação para não abrirmos espaço de fala para os que são definidos como inferiores.

Com Alice Walker, aprendi o poder de minha fala para que meu silêncio não se tornasse uma arma nas mãos de meu opressor. Por isso eu falo, por isso eu escrevo. Para que minha existência não seja silenciada e minha humanidade seja reconhecida.

Iniciei este meu primeiro texto pensando em um dos livros mais importantes que já li. "O ano em que eu disse sim" de Shonda Rhimes, criadora de séries famosas como Grey's Anatomy e Scandal. Esta coluna é um espaço para dizer sim pra mim e pra outras mulheres que sabem o peso e a dor do aniquilamento gerado pela autodepreciação racial e de gênero. Mulheres, vamos dizer sim para nós mesmas e fazer de nossas vozes o instrumento para nossa libertação.