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Por que Miranda de 'Sexy and the City' foi a que envelheceu melhor

Cynthia Nixon em episódio da série "And Just Like That" - (Divulgação/HBO Max)
Cynthia Nixon em episódio da série "And Just Like That" Imagem: (Divulgação/HBO Max)

Colunista do UOL

24/01/2022 04h00

A milhares de quilômetros daqui, em um restaurante descolado de Nova York, um grupo de amigas está discutindo se elas devem ou não deixar os cabelos grisalhos. São três, Miranda, Carrie e Charlotte. Carrie tem usado luzes para disfarçar os brancos, Charlotte continua adepta do preto total, à custa de tingimento quinzenal, garanto. Miranda, por sua vez, ao assumir os grisalhos, desagrada Charlotte, que diz à amiga: "Os cabelos grisalhos te deixam envelhecida."

Charlotte tem razão, cabelos brancos envelhecem mesmo porque, até que nosso cérebro estabeleça outro padrão, eles estarão associados imediatamente a vovós, bengalas, ausência de sexualidade. Mas por que será que, ao assistir essa cena de "And Just Like That", seriado da HBO Max, eu tenho a impressão de que a amiga que se deu bem com o envelhecimento foi justamente Miranda, a dos cabelos brancos, e a mais sem graça e menos charmosa das três, no passado? Vou tentar explicar.

Antes de "And Just Like That", tínhamos o seriado "Sex and the City". (Entre eles, houve um filme, mas vou desconsiderá-lo aqui). "Just Like" pode ser vista, portanto, como a segunda temporada de "Sex and the City" com um intervalo de inacreditáveis vinte anos! A primeira temporada foi exibida na TV a cabo nos anos 1990 para 2000. A segunda temporada é a atual, de 2021. Corajoso o projeto, que se atreveu a trazer de volta personagens que já moravam na memória afetiva dos fãs como algo que marcou sua juventude, estavam no passado.

Imagino a situação assim: ah, vamos fazer de conta que elas continuam com a vidinha delas lá em NY e a gente simplesmente aparece como se nada tivesse acontecido e continua a história dali.

Com isso, com apenas uma ideia esdrúxula no competitivo mundo dos seriados, ganhamos um experimento chocante para as contemporâneas das três amigas, gente que as viu aos 30 anos na temporada anterior e que, como elas, hoje tem entre 50 e e 60 anos de idade. Chocante por algumas razões. A primeira: essa distância absurda entre as duas histórias transforma um seriado esperto, fashionista e elitista em um retrato interessantíssimo do envelhecimento de uma geração. As rugas no pescoço de Samantha são minhas rugas, o botox no rosto de Charlotte são o botox do rosto de uma conhecida, as luzes que disfarçam o branco entre os fios loiros, essas são as mesmas luzes de algumas amigas.

Duas décadas separam essas mulheres de suas versões mais jovens e de um mundo totalmente diferente, em que as pessoas fumavam (cigarro) loucamente, ainda escreviam artigos para revistas e jornais impressos, ainda trabalhavam off-line e não se preocupavam nadinha com diversidade, lugar de fala, feminismo, relacionamentos tóxicos, antirracismo e tantos outros conceitos que são obrigatórios em qualquer roda de conversa hoje e estão presentes em todo seriado legal das plataformas de streaming atualmente. (Aliás, várias situações, como a introdução meio forçada de muitos personagens multiétnicos, mostram a preocupação da nova temporada em se atualizar, em pousar no século 21.)

No final dos anos 1990, quando eram um quarteto, e não um trio, nossas queridas Miranda, Charlotte e Carrie viviam a vida loka da época, borbulhante como prosecco. Em "Sex and the City", reinavam absolutas como as mulheres inteligentes, independentes e bem-sucedidas. O tipo de mulher que a gente se acostumou a chamar de "poderosa". Hoje, nem pega bem usar esse adjetivo, ficou cafona.

"Há milhares, centenas de milhares de mulheres nessa situação na cidade... Elas viajam, pagam impostos, gastam 400 dólares em uma sandália Manolo Blahnik, e estão sozinhas", diz Carrie jovem, a colunista de sexo e comportamento em uma revista da moda. Nem tão glamourosas quanto as nova-iorquinas, em outros lugares do planeta essas mulheres também estavam trabalhando, viajando, pagando imposto, comprando roupa, mandando ver no trabalho. Foi a geração que chegou em número expressivo a cargos mais altos nas empresas — antes delas, as mulheres ocupavam os cargos de secretárias e, no máximo, gerentes. Foi a geração que também não teve paciência para aguentar casamento ruim. Divórcio nunca foi fácil, mas estava bem na moda na virada do século.

Carrie escrevia principalmente sobre a busca de homens. Homens com quem passar a noite e homens pelos quais se apaixonar. Aquela Carrie era ousada, atrevida. A Carrie com mais de 50 anos não tem mais coluna em revista. Vai trabalhar em um podcast sobre sexo comandado por uma pessoa não binária, tem como colega um homem gordinho e asiático, que se gaba de ser muito cobiçado. Não se adapta no começo e é cobrada para ser mais explícita. Se tinha algo que Carrie dominava era o jeito como falava de sexo sem ser pudica. Agora, sua linguagem e seus comentários não dão audiência nem entre alunas do ensino médio. Peraí, não se engane. Não estou dizendo que hoje programas sobre sexo precisam ser pornográficos (embora meninas de 12 anos no Instagram imitem as poses da família Kardashian que, por sua vez, imitam as poses das estrelas pornôs.) Estou dizendo que o repertório de Carrie, da mulher independente que sabe o que quer na cama, é um repertório cis, de mulher branca, heteronormativa. Repertório muito banal hoje em dia.

Então, voltando às razões que levaram ao meu choque com o seriado. Falei da incrível oportunidade de vermos, numa obra de ficção, o retrato das mudanças na vida das mulheres. Saem as poderosas, entram as mulheres de 30 que querem equilibrar trabalho e família e que torcem o nariz para carreiras que não ofereçam um propósito maior do que só ganhar dinheiro e trabalhar 15 horas por dia. Falei também de outro aspecto, que considero ainda mais perturbador, aquele que retrata a segunda temporada na vida real das mulheres. Aos 55 anos, em "And Just Like That", como elas estão? O que elas querem? Como se relacionam com filhos sabidos, formados pelo Google, e aos casamentos mornos? Como se adaptam a um mundo que foi delas e agora é dos filhos, de outros personagens não tão brancos, não tão ricos, não tão bonitos? Além disso, como se adequam as novas aflições — não poder mais andar de salto alto — não entender a filha que quer ser chamada por nome masculino?

Confesso que não vi até o último capítulo, então não sei que respostas as três amigas vão oferecer sobre essas questões. Mas sei de uma coisa: caramba, como nós mudamos em apenas vinte anos. Apesar de todos os recursos que temos para atrasar o relógio e esticar ao máximo os vestígios da juventude — os esforços na dieta, no pilates, na yoga, nos cremes, nos alimentos funcionais — em vinte anos a gente passa da categoria jovem para a categoria pré-velhice.

Que oportunidade fantástica da dobradinha "Sex/Just": acompanhar o amadurecimento das atrizes enquanto nós próprias amadurecemos. Oportunidade também para perceber que, mesmo estando a milhares de quilômetros de distância de nós, as mulheres iniciaram — acho que de forma irreversível — a busca por uma nova identidade dos 50 anos. Estamos no começo dessa busca. Sabemos que não existe um caminho só. Tem quem continue querendo investir na imagem jovem, tem quem queira encontrar uma imagem mais verdadeira para a representação da sua idade.

Prometi explicar por que Miranda é, para mim, a que envelheceu melhor entre as amigas. Miranda entende que a luta exagerada por parecer jovem é um engodo. Disfarçamos, mas não congelamos. E mais: sabe aquela sensação muito comum entre pessoas mais velhas, a de que, dentro da gente, o tempo não passou? Não me acusem de pessimista se eu disser que, dentro, sim, o tempo passou. Nós mudamos. A cada segundo, dia, ano, e experiência que vivemos. Nada melhor do que uma frase da Miranda para ilustrar essa ideia. Ao encerrar o papo com Charlotte, ela pergunta: "Não dá para continuarmos sendo quem éramos, não é?" Concordo com ela. Pintando o cabelo ou deixando-os bancos, somos outras pessoas agora.

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