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Andrea Dip

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Michelle x Janja: possíveis primeiras-damas são jogadas em ringue político

Michelle, esposa de Bolsonaro, e Janja, mulher de Lula: a quem interessa uma competição entre elas? - Reprodução/Instagram
Michelle, esposa de Bolsonaro, e Janja, mulher de Lula: a quem interessa uma competição entre elas? Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

09/09/2022 04h00

Antes de puxar o internacionalmente vergonhoso coro chamando a si mesmo de "imbrochável", do alto do que, na verdade, foi um comício e não a comemoração do bicentenário da Independência do Brasil neste 7 de setembro (o que é proibido pela Lei Eleitoral, aliás), o atual presidente do país disse que podia fazer várias comparações "inclusive entre as primeiras damas" —no caso entre Rosângela da Silva, a Janja, esposa de Lula, e sua esposa Michelle Bolsonaro. "Não há o que discutir. Uma mulher de Deus, de família", disse se referindo à Michelle. E acrescentou que tem aconselhado homens solteiros a procurarem "uma princesa" para casar.

A intenção em comparar Michelle e Janja, a alusão à mulher religiosa, conservadora e de família como "princesa", a categorização de mulheres em boas ou más, melhores ou piores, a tentativa de afirmação pública de uma suposta virilidade e a patética celebração de seu pênis, são apenas mais algumas demonstrações da misoginia latente em Bolsonaro e são clichês tão antigos do machismo estrutural que nem deveriam mais causar espanto. Repulsa sim. Reação, protesto sempre. Vergonha de ter esse homem como chefe de Estado com certeza. Mas não espanto. Porque não há nenhum elemento novo aí.

A prova mais recente disso é que essa comparação não está sendo feita apenas por Bolsonaro. Diversas matérias e pesquisas de opinião têm instigado uma "competição" entre Janja e Michelle, que não concorrem a cargos públicos no momento.

Uma reportagem recente afirmava, baseada em longa pesquisa de opinião, que Michelle teria mais aprovação entre evangélicas e que o público conhece menos Janja. Curioso que o próprio texto explica que, quando questionadas se isso interferia na escolha do voto, as pessoas respondiam que não. Então, qual seria a utilidade pública dessas comparações?

Por que a imprensa segue alimentando essa ideia de primeira-dama "bela, recatada e do lar" como ficou conhecida Marcela Temer, esposa de Michel Temer, após uma reportagem se referir a ela dessa maneira? E de que forma isso repercute na sociedade, na política, nos direitos e na vida das mulheres? Precisamos refletir também sobre nosso quinhão de responsabilidade na reafirmação desses códigos que incrementam o machismo.

Por que os jornais não estão fazendo matérias comparando a aceitação dos eleitores com relação aos maridos de Simone Tebet e Soraya Thronicke? O que obviamente também seria fora de propósito e, arrisco dizer, acabaria sendo usado para pôr em xeque a reputação das próprias mulheres.

Agora, imagine se Dilma Rousseff, enquanto presidenta da República, dissesse qualquer coisa parecida com o que disse Bolsonaro em um 7 de setembro, durante evento realizado com verbas públicas transformado em comício, enquanto candidata à reeleição. Tente visualizar a cena e a reação da sociedade, da imprensa, dos parlamentares.

Trazer a discussão do machismo que estrutura nossa sociedade para o centro da pauta é crucial nesse momento, como sociedade e como imprensa. Do contrário, a política brasileira nunca deixará de ser sobre homens celebrando seus próprios falos.