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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Goop', de Gwyneth Paltrow, é serviço de utilidade pública para os casais

Gwyneth Paltrow durante exibição especial da série The Goop Lab - Rachel Murray/Getty Images/AFP
Gwyneth Paltrow durante exibição especial da série The Goop Lab Imagem: Rachel Murray/Getty Images/AFP

Colunista de Universa

09/11/2021 04h00

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A série "Goop —Muito além do prazer", disponível na Netflix, é um serviço de utilidade pública para os casais. A produção executiva é da atriz Gwyneth Paltrow, que fundou a Goop há 13 anos com o objetivo de pesquisar e difundir "ideias inovadoras para otimizar a vida".

Embora a empresa tenha enveredado para um grande e-commerce que vende produtos com publicidade bem duvidosa, como um repelente para vampiros (emocionais), ou adesivos com propriedades curativas —sem contar o preço astronômico da maioria dos produtos—, ela também tem produzido conteúdo interessante para o streaming, sempre com uma pegada de autodescoberta e autoconsciência.

Sua aproximação e entusiasmo com os temas da sexualidade me dão a impressão de que Gwyneth anda fazendo uma jornada interior nessa dimensão da vida. A nova série, em formato reality, resolve expor a dinâmica de sexo e intimidade de seis corajosos casais, que passam por uma experiência com um terapeuta diferente, a fim de compreenderem melhor suas dificuldades.

Cada episódio envolve parte do processo de dois casais, em atividades desafiadoras, muitas delas já bem conhecidas dos sexólogos brasileiros. No entanto, a maioria dos terapeutas da série trabalha com o corpo de maneira prática e como ele responde ao toque sexual e às genitálias, uma atividade que pode ser ilegal em alguns países.

No Brasil é comum ser realizado por terapeutas tântricos, já que a terapia sexual exercida pelos psicólogos esbarra em um código de ética não bem especificado e discutido com o conselho profissional, que deixa o toque no corpo do paciente uma ação questionável. Os fisioterapeutas pélvicos também fazem um importante trabalho focado nos exercícios para a musculatura pélvica com o objetivo de autoconhecimento, melhorar a tonicidade e o controle, o que auxilia muito as queixas sexuais, mas frequentemente o fazem com seus pacientes individualmente e sem aprofundar habilidades eróticas, sensualidade e intimidade.

Os terapeutas de 'Goop' trabalham o casal e colocam a mão na massa.

Os episódios revelam os problemas que afetam a intimidade dos casais, como a diferença de personalidade, a sobrecarga com a vida com filhos, padrões corporais que reagem ao comportamento da parceria de maneira mais convidativa, crítica ou evitativa, dinâmicas na função emocional de cada um.

Os terapeutas trazem conhecimentos interessantes, que podem ser úteis aos telespectadores. Como no caso da avaliação do perfil erótico que, segundo a sexóloga somática Jaya, pode ser de 5 estilos diferentes:

  • O perfil energético é associado à pessoa que se excita com a expectativa, brinca com a energia que vem do corpo, antes mesmo de tocá-lo;
  • O sensitivo gosta de ter seus sentidos instigados (olfato, visão, tato, paladar, audição);
  • O sexual se excita com o que consideramos culturalmente como sexo --genitálias, nudez, orgasmo, penetração, relação sexual;
  • O safado tem interesse por práticas consideradas não usuais ou transgressoras;
  • O metamorfo é alguém bem flexível em seu padrão de excitação, já que se agrada com tudo.

Vai ficando claro que casais com perfis eróticos opostos, sem nunca terem conversado sobre o assunto, poderão ter dificuldade no ajuste de sua vida sexual, já que cada um busca um sexo com narrativa diferente, além de julgar e criticar a maneira da parceria. Alguém com perfil sexual pode visualizar o bumbum e já chegar encoxando, enquanto a outra pessoa é do tipo energética e sente isso como uma invasão nada excitante, pois gosta mais da expectativa, do encontro lento, dos toques superficiais.

A terapeuta explica também que um perfil safado não necessariamente gostará da experiência com chicotes e afins, mas que o contexto erótico das fantasias às vezes tem mais relação com surpresa e aventura e é também uma maneira eficiente de não deixar que a mente divague, mantendo-a focada no momento do sexo. Concordo com ela.

Relacionamento e sexo envolvem habilidades e não só sentimento e química.

Mas desenvolvê-las requer desafiar crenças sobre sexo, performance, erotismo, corporeidade. Muitos episódios da série são profundamente tocantes, por desvelarem como as pessoas reprimem seus corpos, por não os aceitarem completamente. Ou como se sentem quando são rejeitadas pela família por terem orientação homoafetiva.

"Goop" aposta em casais que aparentemente não são treinados para reality shows e talvez não estejam em busca de seguidores no Instagram. São de idades, etnias e orientações sexuais diversas, têm corpos comuns, bem "gente como a gente". A série também acerta nas terapeutas, que parecem experientes, são acolhedoras e mantêm distanciamento erótico fundamental. Técnicas de respiração e mobilização de energia, ou de enfrentar um corpo não admirado diante de espelho, demonstram uma vulnerabilidade que nos atravessa em cheio e fica difícil ficar distante diante de angústias tão comuns. Super indico.