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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Terminar uma relação que tem amor mas falta sexo é leviano?

Para as mulheres pode parecer leviano alguém terminar um bom relacionamento afetivo porque não há sexo - Prostock-Studio/ iStock
Para as mulheres pode parecer leviano alguém terminar um bom relacionamento afetivo porque não há sexo Imagem: Prostock-Studio/ iStock

Colunista de Universa

26/10/2021 04h00

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Sandra é uma mulher de 27 anos que durante a pandemia decidiu morar com a sua namorada Laís, de 35. Elas têm um relacionamento afetivo super satisfatório, com bastante parceria, comunicação e ótima convivência, não fosse terem perdido toda a conexão sexual. Sandra se refere a Laís com muito amor e admiração —"ela é uma pessoa sensacional, confiável, gente boa, carinhosa", mas que parece não gostar de sexo. A última vez que Sandra sentiu que ela esteve realmente envolvida e entregue em uma atividade sexual foi há três anos. De lá para cá o sexo foi diminuindo, a ponto de terem transado duas vezes, uma em 2021 e outra no ano passado.

Sandra gosta muito de sexo, e mais ainda dos beijos e carícias, mas Laís parece que não sente falta, não se interessa e interrompe as tentativas da parceira quando toma a iniciativa da erotização. Sandra, querendo ser coerente com suas necessidades de sexo, e recusando ter uma "vida morna", se separou da namorada, que reagiu muito mal, acusando-a de não privilegiar as outras dimensões da relação das duas, dizendo que ela "joga as pessoas fora da vida dela".

Para as mulheres, incentivadas que foram a valorizar os aspectos emocionais e suprimir os apelos do corpo, pode parecer leviano alguém terminar um bom relacionamento afetivo porque não há sexo. Pode parecer objetificação do outro, desvalorização da pessoa, banalização do amor. Mas não é. Quem disse que sexo não é fundamental para a satisfação pessoal de alguém? Que o amor é mais importante para sustentar uma relação?

Quando pensávamos o casamento como uma instituição necessária, inabalável, indestrutível e fundamental para a existência na vida terrena, talvez (e só talvez) fizesse algum sentido fazer uma espécie de poupança amorosa, para garantir o bem-estar futuro.

Quando Sandra se pergunta se não vai se arrepender por se desconectar de uma companheira de vida, porque talvez não encontre alguém tão afetivamente compatível no futuro, eu digo que acalme seu coração. Ela é jovem e tem a vida pela frente, para experimentar outras relações, mais erotizadas e que contemplem a sua necessidade de desejar e ser desejada.

Provavelmente, nos próximos meses, terá uma dose de arrependimento, quando se sentir sozinha, ou quando se envolver com outras mulheres menos estáveis, frívolas, ciumentas ou desleais. Ela se lembrará de Laís. Mas não poderá perder de vista que é possível encontrar mais de um amor na vida e que a ex-namorada ocupou um espaço importantíssimo em sua história, mas que a falta foi maior do que ela pôde suportar.

Quem está certa? Laís, que não sente falta de sexo? Sandra, que não vive sem?

Porque Laís não reagiu nada bem diante do motivo que a fez romper a relação, Sandra se sente culpada, como se estivesse "brincando com os sentimentos da namorada", mas essa ideia está ancorada na premissa de que privilegiar a conexão sexual é menos sublime do que valorizar a convivência e o amor. Esse tipo de reforço moral a tornará refém do pecado da carne, o que a dificultará seguir confiante para as próximas relações.

Aliás, reforço que quando as pessoas saem de relações se responsabilizando por todo o conflito, tornando a história um fracasso ou uma falha de caráter pessoal, tendem a ter menos satisfação em relações futuras. É preciso ter confiança na capacidade de avaliar as próprias demandas, legitimá-las como importantes e ver-se merecedora de coisas boas na vida. Pode ser que Laís, no futuro, perceba que a frustração da parceira pela falta de sexo fosse também um peso demais a carregar.